Mais que cinco remédios é risco de saúde para idosos

Uso excessivo e medicamentos inadequados para a faixa etária geram efeitos colaterais e agravam quadro clínico

27º Curso Estado de Jornalismo

Caroline Monteiro e Sara Abdo

Seis em cada dez idosos consomem mais de cinco remédios por dia. O fenômeno, chamado de polifarmácia, aumenta os riscos de interação negativa entre as substâncias, levando a uma maior taxa de internações e de mortalidade. Somado a isso, a prescrição de medicamentos inadequados para essa faixa etária faz esses números piorar. “É uma questão de saúde pública”, afirma José Elias Soares Pinheiro, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

A polifarmácia afetou a saúde de Fabio Valentini, de 89 anos. Ele tomava nove medicamentos por dia, até começar a sofrer com uma tosse seca e constante. Sentia também queimação no peito e azia, sempre remediadas com omeprazol, indicado para problemas estomacais. A médica da família checou a lista de medicamentos e associou a tosse a um refluxo causado pela acidez do suco gástrico. O problema era intensificado pela quantidade de remédios que Valentini usava. Como os exames não identificaram os motivos dos incômodos, a médica retirou, aos poucos, alguns medicamentos. Hoje, Valentini toma dois remédios por dia, e só tosse quando está resfriado.

“A partir de três substâncias, já fica difícil prever as reações. Um medicamento pode interagir com outros compostos, com o próprio corpo e com a alimentação”, conta a geriatra Silvia Pereira, do Fórum Internacional da Longevidade. “Mas, a partir de cinco, consideramos que o idoso está realmente tomando remédio em excesso.” As interações mais perigosas acontecem quando os princípios ativos se anulam ou promovem efeito oposto ao esperado.

A mistura dos medicamentos pode até duplicar a chance de um infarto. Esse é o risco da interação entre o omeprazol e o clopidogrel, indicado para pacientes que já sofreram um ataque cardíaco. O farmacêutico André Baldoni, professor da Universidade Federal de São João del-Rei (MG), que estuda essas interações em idosos, diz que o risco diminui com o uso de pantoprazol em substituição ao omeprazol. Outra associação negativa frequente é a de anti-inflamatório com anticoagulante, como o Cataflam e o Marevan. “O idoso chega no serviço de saúde com sangramento porque o diclofenaco do anti-inflamatório amplifica o efeito do anticoagulante varfarina”, explica.

Em pesquisa realizada com mil idosos que utilizam o sistema público de saúde de Ribeirão Preto (SP), Baldoni descobriu que 46,2% já tiveram ao menos uma reação adversa causada por interações ou pelo uso inapropriado de medicamentos. No universo pesquisado, 60% consumiam mais do que cinco remédios diariamente.

Larissa Teixeira/Estadão
Idosos estão mais expostos aos riscos das interações negativas entre os remédios e da prescrição de medicamentos inadequados para a faixa etária

Outra pesquisa recente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revela que 44% dos idosos utilizam medicamentos inadequados para a idade. “Muitas vezes, é desconhecimento médico ou falta de opção nos postos de saúde, que não têm alternativas mais indicadas para os idosos.”, diz Baldoni. O anticonvulsivante Rivotril e o antialérgico Polaramine, por exemplo, apesar de bastante prescritos, são contraindicados para a faixa etária. De acordo com o farmacêutico, eles agem sobre o sistema nervoso central, causando sonolência e aumentando o risco de quedas e fraturas.

Para a geriatra Silvia, os problemas de excesso e uso indevido de medicamento poderiam ser minimizados com o acompanhamento de um geriatra ou generalista que conheça bem o funcionamento do corpo do idoso. “Esse profissional tem a mesma função que um maestro em uma orquestra. Ele coordena e administra as indicações de outros médicos”, compara Pinheiro, da SBGG.

Mas o número de especialistas em idosos ainda é muito baixo no País. Segundo o Ministério da Saúde, são 2.756 geriatras para atender 24,9 milhões de pessoas com mais de 60 anos. Ou seja, apenas um geriatra para 9 mil idosos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um profissional a cada mil pacientes. “Precisamos formar mais geriatras ou preparar as outras especialidades para atender essas pessoas. O Brasil envelhece em ritmo acelerado. Os idosos já são 12% da população”, diz Pinheiro.

Maria da Paz, 74 anos, é uma das idosas que ainda não tem acesso à geriatria. Com diabetes, pressão alta, osteoporose e dor nas pernas, ela toma oito remédios por dia. A aposentada consulta um endocrinologista enquanto aguarda vaga com geriatra em Guarulhos, onde mora. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, a cidade tem 100 mil idosos e conta com três geriatras no serviço público. “A prefeitura tem dificuldade para contratar especialista porque faltam profissionais no mercado”, informa a secretaria, alegando que tem 131 generalistas para atender da criança ao idoso.