Todas as buscas na internet levam à gravidez

Um dos tópicos mais pesquisados, ela é resultado para sintomas que vão de um clássico enjoo a uma improvável sensibilidade nos dentes

27º Curso Estado de Jornalismo

Leonardo Ribeiro, Letícia Naísa, Paulo Batistella e Sarah Teófilo

Pode digitar na internet qualquer um destes sintomas: enjoo, cólica, cansaço, tontura, dor nas costas, azia, sensibilidade nos dentes, sangramento da gengiva, coceira, choro, bolhas nos seios, intestino preso. Todas as buscas levam à gravidez. “Tive sintomas emocionais, acne, chorava muito, e o Google falava que tudo era gravidez”, diz Luciana Lima, de 22 anos.

Arquivo Pessoal
Luciana Lima, de 22 anos, já acreditou duas vezes que pudesse estar grávida

As pesquisas pelo tópico no buscador superam, e muito, as de outros temas de saúde. Os termos mais buscados são, em geral, “gravidez”, “grávida” e “sintomas gravidez”. Entre dezembro de 2015 e novembro deste ano, a procura pelo tema foi três vezes maior do que por diabetes e câncer, duas das doenças crônicas mais comuns no Brasil. Hipertensão, também corriqueira, é quatro vezes menos procurada.

No caso de Luciana, nem três negativas em testes foram suficientes para convencê-la de que não seria mãe. Ela usava anticoncepcional e menstruou, mas acreditou ser nidação, sangramento comum a grávidas. E essa não foi a única vez em que “engravidou”. A segunda suspeita veio com uma bolha de água abaixo do pescoço. “Joguei no Google e era aids ou gravidez.” Consultou uma dermatologista e descobriu uma alergia. “A médica riu, falou que o Google sempre diz isso.”

A ginecologista Zsuzsanna Di Bella, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), diz que as pesquisas, em geral, são motivadas pelo medo ou pela dificuldade, e vontade, de engravidar. “A internet potencializa esse comportamento.”

O Google Trends, ferramenta que permite visualizar as estatísticas de buscas, mostra que o Brasil, no período analisado pelo Estado, é o 24º colocado no ranking global de interesse por gravidez. Os cinco primeiros são Irã, Indonésia, África do Sul, Nigéria e Quênia. A sexóloga Maria Claudia Lordello, da Unifesp, diz que a dificuldade de acesso à informação nesses países é uma das razões para eles estarem no topo, além de questões de direitos das mulheres e sexualidade. “Falar de gravidez é afirmar que a pessoa tem uma vida sexual, o que é um grande tabu.”

Nathália Alcântara, de 23 anos, confiou tanto no diagnóstico online que sequer teve coragem de comprar um teste de farmácia para contestar a suspeita. Tinha medo de estar grávida por ter praticado sexo sem proteção. A busca na rede ainda sugeriu pílula do dia seguinte. “Era meu primeiro namoro, não tínhamos nenhuma informação”. A menstruação atrasou e a jovem ficou mais convencida de que seria mãe. “Cada dia que passava, eu acreditava mais no Google.” Foi só depois de um exame de sangue, ao consultar uma ginecologista, que constatou que não estava grávida.

Informações imprecisas sobre saúde levaram o Google a fazer uma parceria neste ano com o Hospital Israelita Albert Einstein, assim como nos EUA, para destacar as explicações de especialistas nos resultados de busca de ao menos 400 casos clínicos. Embora tenha apelo, gravidez não foi incluída na lista, apenas tensão pré-menstrual (TPM). O Google, que fez a seleção, não informou os motivos para não incluir esse termo.

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Mariana Pondioli, de 33, pesquisava sintomas por causa da vontade de engravidar

A vontade de ser mãe fez a publicitária Mariana Pondioli, de 33, buscar por qualquer sintoma. Resultados como corrimentos vaginais diferentes ou gosto metálico na boca já a convenciam. “Sempre dizia que estava sentindo algo pequeno que vi no Google, fiquei que nem louca procurando.” Ela engravidou meses depois, quando parou de pesquisar.

Com expectativa contrária, a estudante Isabele Troyano, de 21, acreditou que urina em excesso fosse um sinal. “Entrei em pânico e chorei sem parar.” Em duas semanas, menstruou e descartou a gravidez. Mas o sintoma se agravou e ela descobriu uma infecção urinária. Confusões assim são comuns, segundo Aldemir Humberto Soares, do Conselho Federal de Medicina. “As pessoas não têm filtros para avaliar o que veem no Google.”

A ginecologista Carla Martins diz que o único sintoma a ser observado é o ciclo menstrual irregular. Especialista da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, ela sugere um exame de sangue após dez dias de atraso. Caso dê negativo e a paciente não menstrue, é preciso repetir o exame e ir ao ginecologista. “Não é só perguntar ao oráculo, tem de consultar o médico.”