Farmacêuticas lideram gastos em publicidade

Especialista diz que a propaganda estimula a automedicação. No ano passado, Anvisa emitiu 97 autos de infração

27º Curso Estado de Jornalismo

Bibiana Borba e Lígia Morais

Juntas, as marcas de remédios gastam mais em anúncios do que montadoras de carros ou operadoras de telefonia no Brasil. Em 2015, início da crise econômica, o setor farmacêutico subiu quatro posições e chegou ao sexto lugar no ranking de maiores investidores em propaganda. Foram R$ 8,1 bilhões aplicados em publicidade pelos laboratórios no ano passado, segundo a Kantar Ibope Media. Responsável por quase metade desse valor, a mexicana Genomma Lab se tornou a maior anunciante do País.

O carro-chefe são os anúncios de medicamentos vendidos sem receita, os únicos liberados pela Anvisa para divulgação ao grande público. A principal regra que devem obedecer é incluir advertências como “Procure o médico” e “Leia a bula”. As frases, porém, estimulam ainda mais a compra, afirma o médico sanitarista José Ruben de Alcântara Bonfim, que coordena a Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime). “A pior consequência da publicidade é incentivar a automedicação.”

A regulamentação, atualizada em 2008, também determina que o protagonista fale sobre riscos do remédio, embora isso raramente aconteça. A norma ainda é contraditória sobre a participação de celebridades. Um artista pode falar sobre o produto, desde que não recomende explicitamente o uso, com palavras como ‘tome’ ou ‘experimente’. “As empresas muitas vezes aparentam cumprir a legislação, mas quando você observa com olhar crítico, percebe que estão burlando”, aponta a psicóloga Mariana Carminati, pesquisadora da área de Políticas Públicas.

A diretora de Inovação e Responsabilidade Social da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Maria José Delgado Fagundes, nega o excesso de irregularidades. Para ela, o setor produz cada vez menos peças publicitárias problemáticas. “É um processo de amadurecimento dos empresários e da sociedade, que passou a exigir mais informações.” Ela afirma que há multas adequadas aos laboratórios que cometem infrações, através da associação, além das punições da Anvisa e monitoramento do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).

Infrações

No Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), porém, a categoria de medicamentos e serviços para saúde foi a segunda com mais reclamações em 2015. O conselho não pune, apenas recomenda a retirada do conteúdo à agência e aos laboratórios. A Anvisa emitiu 97 autos de infração só para esse setor. A maioria é alterada ou retirada de circulação.

Até 2012, a agência tinha uma Gerência Geral de Propaganda, mas ela foi extinta e suas atribuições foram englobadas pela área de Inspeção e Fiscalização – a instituição garante que o monitoramento é mantido. A agência garante que, além das denúncias recebidas, monitora mídias digitais e meios de comunicação onde há mais infrações. O sanitarista Bonfim contesta. “Não existe regulação no Brasil. As multas são irrisórias e correspondem a uma fração mínima dos lucros da indústria farmacêutica.” Para ele, a publicidade de remédios deveria ser vetada.

História

Os anúncios de medicamentos circulam no Brasil desde o século 19, quando os jornais publicavam até promessas de 'cura milagrosa'. Hoje os slogans são mais sensatos. Para a pesquisadora em marketing Melby Huertas, do Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana (FEI), os publicitários ainda usam mais os apelos emocionais, embora o público esteja mais cético. “As pessoas buscam informação na internet e leem sobre o remédio antes de usar. A propaganda já perdeu muita credibilidade”, afirma.

A representante da Interfarma discorda que a proibição possa solucionar a má utilização de medicamentos. Maria José defende que o caminho seria aliar políticas de educação e saúde, apostando em medicina preventiva. Outra proposta, defendida pela psicóloga Mariana, seria exigir uma sanção prévia do material publicitário para evitar a exposição desnecessária do público a conteúdos que podem prejudicar a saúde. “Hoje, o anúncio é colocado em rede televisiva sem passar pelo crivo da Anvisa. Quando a agência percebe que há alguma irregularidade, o mal já está feito.”

Galeria: Saúde à venda. Veja alguns dos anúncios mais estranhos da história

As propagandas de remédios começaram a ser publicadas em jornais e revistas brasileiros no século 19. Hoje, muitos dos anúncios divulgados antigamente seriam proibidos, como as pastilhas de cocaína e cigarros feitos com maconha. Veja algumas das propagandas mais inusitadas.