Proposta tem potencial para reduzir trânsito e até R$ 120 milhões de gastos municipais

Bianca Passerini, Caio Araújo, Guilherme Mazieiro, Roberta Barbieri e Victor Rezende

No lugar de proibição ou polêmica, uma integração em que todos podem ganhar: os passageiros, os aplicativos e a cidade. Em estudo pela Prefeitura, o projeto para liberar o uso do Bilhete Único em plataformas como Uber e Cabify tem potencial para melhorar a rotina de quem precisa se deslocar em São Paulo. E ainda garantir pelo menos R$ 120 milhões de recursos à administração municipal.

A integração prevista estimula que os trechos iniciais ou finais da viagem – cerca de dois quilômetros até uma estação de metrô ou um terminal de ônibus – sejam feitos com aplicativos. O valor seria pago com o Bilhete Único. Depois, o passageiro continuaria seu trajeto usando a rede pública, com desconto no valor da passagem.

Se o projeto entrar em vigor, São Paulo pode ser uma das pioneiras nesse tipo de integração entre aplicativos e sistema público. Bem em linha com o que a população vem fazendo de forma natural nas grandes metrópoles: usar os serviços disruptivos para simplificar seus deslocamentos, mesclando-os à rede tradicional de transporte.

“Os modelos estão se interligando. A tendência é um sistema intermodal e os aplicativos são ideais para o trecho final do trajeto”

Luiza Andrada, diretora-executiva do Instituto Cidade em Movimento

Em Paris, por exemplo, esse movimento já aparece em números. De acordo com dados da empresa, 65% das viagens de Uber começam ou terminam nas proximidades de uma estação de metrô. Por lá, os aplicativos ainda não foram regulamentados – o que São Paulo fez em maio – ou integrados financeiramente ao sistema público. Mas a utilização em massa desses serviços fez a autoridade local de transporte planejar um importante passo para incluí-los na lógica dos deslocamentos da cidade.

A Empresa Pública Autônoma dos Transportes Parisienses (RATP) vai colocar ainda neste mês o Uber e as demais empresas do gênero na ferramenta oficial que indica a melhor forma de ir de um destino a outro na capital francesa. Até então, as opções incluíam apenas ônibus, trem e metrô. Segundo a RATP, o aplicativo está presente em 75% dos smartphones de Paris, sendo utilizado por 2,3 milhões de pessoas.

Congestionamentos. O uso de aplicativos até os terminais e estações também pode ser observado na Cidade do México, capital com características de trânsito ainda mais complexas que as de São Paulo. “Geralmente vou de Uber até o metrô e sigo nele para fugir do trânsito caótico das regiões mais críticas da cidade”, diz a engenheira Lariza Arévalo, de 23 anos. “E evito o ônibus, que demora mais, é cheio e desconfortável.”

O que Lariza vive no dia a dia é notável na Cidade do México, segundo a Associação Mexicana de Transporte e Mobilidade. Ao fazerem a dobradinha entre aplicativos e serviços públicos, as pessoas evitam o uso do carro para viagens longas ou em zonas muito congestionadas.

“Deslocamentos individuais são ótimos em trechos menos abastecidos pela malha pública, de baixa demanda, sobretudo à noite, a os fins de semana e em locais afastados”

Horácio Augusto Figueira, consultor de engenharia do transporte

Essa possível redução no trânsito, uma vez que uma parcela da população tenderia a deixar o carro em casa, é vista como muito positiva também para São Paulo. Autor do projeto inicial de regularização das plataformas como Uber, o vereador José Police Neto (PSD) afirma que seria ainda melhor para a cidade se os passageiros aderissem ao serviço de aplicativo compartilhado, como o Uberpool ou concorrentes que possam surgir.

Atualmente, de acordo com o vereador, os automóveis ocupam 80% das ruas na capital, com média de 1,4 passageiro cada. São 15 milhões de viagens por dia, com 40 milhões de assentos vagos. “Se com o pool o veículo passar a ter dois passageiros, tiramos 30% dos carros de circulação”, diz Police Neto. “Por isso, a Prefeitura dará todo o incentivo ao Uberpool.”

Na lei. Antes de propor a integração, no entanto, era preciso regulamentar as empresas de aplicativos. As normas para isso foram definidas por decreto pelo prefeito Fernando Haddad (PT). Por enquanto, o Cabify é o único regularizado, o que deve ser feito nos próximos meses pelas outras empresas.

Pelas regras definidas, os serviços de aplicativo pagam aos cofres públicos R$ 0,10 por quilômetro rodado por seus carros. Isso representaria um total de R$ 50 milhões em um ano, segundo a SP Negócios, órgão que faz os estudos de viabilidade financeira para a Prefeitura.

“Essa arrecadação faz apenas cócegas no sistema, mas a questão não é arrecadar, é regular”, explica o diretor da SP Negócios, Ciro Biderman. O valor, de fato, é bem distante do R$ 1,8 bilhão que a Prefeitura gasta por ano com subsídios ao transporte público na capital. Mas poderia ser usado para melhorar o sistema, segundo Biderman.

Caso a integração com o Bilhete Único vá adiante, mais recursos podem entrar nessa conta. A SP Negócios afirma ainda não ter cálculos da economia com o menor número de baldeações – espera dados iniciais da arrecadação com o Cabify para fazer essa estimativa e também definir o desconto que seria dado ao passageiro que combinasse o uso de aplicativo e serviço público no Bilhete Único.

Contas. Para ter um parâmetro, o Estado pediu ao especialista Renato Arbex, doutorando pelo programa de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP, que realizasse cálculos para uma possível redução nos gastos da Prefeitura com subsídio ao transporte público. Segundo ele, a economia seria de até R$ 120 milhões em um ano apenas com a integração.

O cálculo de Arbex leva em consideração o perfil de deslocamento e a renda das famílias nas 32 subprefeituras. As premissas são que o transporte consome, em média, 15% dos ganhos de uma família, segundo o Ipea, e que o custo médio das corridas (ida e volta) seria de R$ 500 por mês.

“As estratégias de mobilidade – públicas ou privadas – devem ser tomadas a partir da economia que o usuário do sistema terá”

Luiz Vicente Figueira, professor da escola de engenharia do Mackenzie

O engenheiro diz que o potencial é de 171,5 mil viagens deixarem de ser feitas nos ônibus e passarem para os aplicativos. Viria daí a economia para os cofres públicos, uma vez que quanto mais baldeações uma pessoa realiza, mais a Prefeitura tem de contribuir com subsídios para fechar a conta do Bilhete Único. Já o passageiro pagaria mais no total de sua viagem, mas poderia percorrer parte do trecho de forma mais rápida ou cômoda, com menos entra e sai em meios de transporte.

“Os motoristas de Uber terão mais corridas, os passageiros continuarão com as mesmas opções de transporte e a Prefeitura vai ganhar um pedacinho do benefício”, diz o especialista em finanças públicas Paulo Furquim de Azevedo, do Insper.

Biderman, da SP Negócios, ressalta que pessoas que atualmente usam carro em seus deslocamentos também podem ser atraídas para usar a dobradinha aplicativos mais serviço público, trazendo benefícios para o trânsito e as finanças da Prefeitura. Segundo ele, já há negociações com o Metrô, administrado pelo governo do Estado, para que os usuários também recebam desconto na integração. “Uma maneira interessante de evitar que o Uber tire gente do transporte coletivo é fazer a empresa trazer usuários”, diz Biderman. “Quanto mais integrado, mais usuários trará.”