Renato Vieira
Chico Buarque de Hollanda completa 70 anos de idade em Paris, onde escreve novo livro. Sua obra musical completa meio século a partir de Tem Mais Samba, canção escrita para o musical Balanço de Orfeu , que ele considera o marco zero de sua obra. O cantor, compositor e escritor não é mais a “única unanimidade nacional” apregoada por Millôr Fernandes no início de sua carreira – o próprio Chico disse ter “ficado espantadíssimo” com os comentários de seus detratores na internet –, mas é inegável que suas posições em relação ao Brasil e o impacto de sua produção continuam pertinentes. A importância de Chico e suas qualidades como cidadão e artista são expostas neste especial que celebra seu aniversário. Depoimentos de amigos e parceiros ouvidos pelo Estado ajudam a definir sua personalidade na intimidade. Ruy Guerra, com quem Chico escreveu a peça Calabar: O Elogio da Traição, além de músicas para a trilha sonora, afirma que o talento de Chico é fruto do “trabalho constante e teimoso”.
Trabalho que deu mais de uma dezena de clássicos sem os quais a música brasileira não seria a mesma. Algumas funcionam como alicerces de entendimento do País. Outras ressaltam as características de um poeta que evidencia o operário, a mecânica do cotidiano e a moça na janela e na alcova. Chegar aos 70 não é impedimento para ele. Sua obra permanece em construção.
Junto com Caetano, Gil e Milton, Chico é uma das minhas principais influências. Quando eu era crooner em boates no Rio de Janeiro, no meio dos anos 1970, cantava muitas músicas dele. Em 1979, Chico me ligou em casa. Eu não o conhecia pessoalmente e demorei a acreditar que era ele e que ele sabia que eu existia, mesmo ouvindo aquela voz. Na ligação, ele me convidou para ir a Cuba. Aí que eu não acreditei mesmo, porque não havia relação diplomática com o Brasil. Fomos a Cuba e depois a Angola. O Chico era um embaixador da música brasileira, promovia muitos encontros com os músicos dos locais que visitávamos, as viagens são inesquecíveis. Em Cuba, decidimos fazer uma música juntos. No Brasil, fizemos Alumbramento, que acabou dando nome ao meu terceiro disco. Também gravamos A Rosa, e foi muito divertido, com aquela letra irônica. Depois fizemos Tanta Saudade, que entrou na trilha do filme Para Viver Um Grande Amor, em que atuei. O Chico que me convenceu a isso, porque eu não queria, mas ele achou que o papel principal tinha a ver comigo. Ele sempre acreditou no meu trabalho, na minha música. Quando nos conhecemos, ele dizia: “Isso que você está fazendo é o caminho. Continue fazendo”.
DJAVAN
CANTOR
LUIZ CLÁUDIO RAMOS
MAESTRO
Trabalhei com ele inicialmente nos anos 1970, quando participei da gravação de Bárbara, para o disco da peça Calabar; estive na banda do show que ele fez com Maria Bethânia e fiz o arranjo de Mulheres de Atenas. No final dos anos 1980, assumi a direção musical da banda dele. A relação de todos nós com o Chico é muito fraternal, nos divertimos muito quando estamos trabalhando juntos. Quando estamos preparando um disco, eu penso no que aquilo representa. Sei o peso do trabalho e da história que ele tem. Mas da parte dele sempre houve tranquilidade em relação a isso. Fizemos duas músicas juntos, Outra Noite, que entrou no disco Paratodos, e Cecília. Eu me lembro que esta música foi feita durante a produção de As Cidades. Quando a gente entra no estúdio para gravar com ele, só estão prontas seis ou sete músicas, e o resto ele vai fazendo enquanto estamos gravando. Há pouco estive com ele, que participou de um disco do meu irmão, Carlos José, cantando Odete, uma música de Herivelto Martins, e foi muito bom. Gostaria muito de estar com ele no palco mais uma vez. Acho que esse é um desejo não só meu, mas de toda a nossa banda, porque o clima é sempre alegre. Vamos ver se ele volta em breve para a música.
EDU LOBO
CANTOR E COMPOSITOR
Nossa parceria é fora do comum. Temos apenas duas músicas fora de projetos específicos, Moto-Contínuo e Nego Maluco. As outras 40 que fizemos juntos “têm patrão”: fizemos músicas para balés e musicais. O balé do Teatro Guaíra, de Curitiba, havia encenado Jogos de Dança, seis peças instrumentais que fiz. Eles me chamaram para fazer O Grande Circo Místico e eu sugeri o Chico para fazer as letras, pela qualidade dele e porque ele tinha prática de teatro, a carreira dele foi por esse caminho. Eu sempre interferi muito nas letras dos meus parceiros, pedindo para trocar uma palavra. Nunca fiz isso com o Chico na vida. Nenhuma letra eu tive que pedir algo, porque ele é completamente obcecado, escreve e reescreve. Crio a expectativa e normalmente vem uma letra melhor do que a que estou esperando. Além de ser um excelente compositor, ele consegue inventar e construir um personagem, caso da Lily Braun e da Beatriz no Circo Místico. Nosso encontro foi bom para nós dois. Eu sou um melhor músico pelo que fiz com ele e ele é um melhor músico por conta do trabalho que fez comigo. Chico consegue adivinhar o que a música quer passar e, muito provavelmente, nem o autor da melodia pensou daquele jeito.
IVAN LINS
CANTOR
O Chico é o mais completo letrista e poeta brasileiro. Se bem que chegando próximo dele vêm mais uns 8 ou 9. O que, no meu entender, prova que fazemos a melhor e mais rica literatura musical do planeta. E, além do letrista, é também um grande melodista. E conseguiu aliar em suas obras, lirismo, política, cultura popular e filosofia, dentro de uma poética surpreendente, rica, belíssima. Serviu de inspiração para tantos letristas novos, mantendo-se assim a tradição de qualidade de letras escritas no Brasil.
Renata Maria, antes de lhe chegar às mãos, tinha o título provisório de Buarquiana 1. E lhe chegou às mãos através da cantora Leila Pinheiro, que foi a primeira a gravar. Chico me ligou um dia para dizer que iria colocar um nome de mulher, pois, na minha fita, havia um momento em que ele achou que eu, no meu lararaiá, havia falado algo com sonoridade parecida com aquele nome. Também fizemos Sou Eu, que era Buarquiana 2, e Diogo Nogueira gravou primeiro, com o Chico. Ele é metódico e meticuloso. E não corre contra o tempo, creio. Já tenho outras duas músicas guardadas para ele colocar letra. Mas não gosto de sair pedindo. Não sou ‘entrão’. Sou tímido com meus ídolos. E Chico é um deles. Nem sei como tive coragem de perguntar se eu podia mandar um samba pra ele.
TOQUINHO
MÚSICO
Conheci o Chico na década de 1960 em festas na casa de amigos, em São Paulo. Carregávamos a indiferença pelos compromissos e as improvisações da juventude. O Chico ainda não era o Chico, era o Carioca, que começava a surgir com seu acanhamento e seu violão. Não pude deixar de atender ao chamado dele, em 1969, quando ficou exilado na Itália, me convidando para trabalhar com ele em shows. Chegando a Roma, não tinha show nenhum, e ainda dei um dinheiro para o Chico saldar umas dívidas. Permaneci seis meses com ele na Itália, vivendo juntos momentos nem sempre animadores. Dois dias antes de voltar ao Brasil, deixei com ele um tema de despedida para que ele colocasse letra, consolidando o tempo que passamos juntos. Havia se iniciado, em Fiumicino, pela última estrofe, o que, dois anos depois, seria concretizado como Samba de Orly, já com a sutil intervenção de Vinicius de Moraes. Porque Orly era aeroporto no qual desembarcava a maioria dos brasileiros perseguidos pelo regime militar. Já éramos parceiros desde Lua Cheia, minha primeira composição. Depois fizemos Samba pra Vinicius. Recentemente, deixei com ele um tema, quem sabe não seja o prenúncio de uma nova canção. Mas nossa mais autêntica parceria é a amizade e a confiança que depositamos um no outro.
CARLINHOS VERGUEIRO
ATOR
Eu fico muito feliz de ver o Chico fazer 70 anos fazendo música, jogando bola e escrevendo. Ele está em plena forma. Tenho a impressão que é redundante falar da importância do Chico, já que ele continua mobilizando as pessoas. Quando vou a shows dele, sempre vejo uma quantidade enorme de gente muito jovem conhecendo o que ele tem feito atualmente e se surpreendendo com as músicas mais antigas. É muito bom ver que ele continua aí, trabalhando bastante. Eu o conheci em 1975 e a partir daí passamos a jogar futebol juntos. Prometemos jogar bola até o ano 2000, quando tínhamos a impressão de que estaríamos bem velhos e não aguentaríamos mais nada. E continuamos jogando, às vezes até duas vezes por semana. Fizemos duas músicas, Nosso Bolero, que entrou em um disco que gravei em 1986, e Leve, que fiz para minha filha Dora Vergueiro gravar, e ele regravou no disco Carioca. Ele demorou um pouquinho a entregar a letra, porque ele busca sempre aprimorá-la. Vários projetos que fiz, entre eles a produção do último disco de Nelson Cavaquinho, ele esteve presente. É um grande amigo, que me deu a honra de participar do disco Almanaque, cantando com ele Amor Barato. Muita gente pensa que essa música é minha, e quase sempre ela é pedida nos meus shows.
MARIA BETHÂNIA
CANTORA
Chico Buarque é um dos maiores compositores do Brasil. É meu grande e querido amigo, muito bom de ter. Quieto e respeitador. Profissional extraordinário, estudioso, firme. É um homem lindo, maravilhoso, cavalheiro e deslumbrante. Comigo, é uma flor. Não poderia ser mais suave, amoroso e cuidadoso. Das canções que ele fez para eu cantar, não posso escolher uma. Todas são deslumbrantes. Estarão para sempre entre as melhores da minha vida. Isso já é um presente muito grande. Sou grata. Apaixonada por ele. E sua música alcança nobremente a todos. Com o melhor português, a melhor música, a melhor harmonia. Por isso é hora de parar de dizer que brasileiro tem ouvido burro. O brasileiro é sensível e sabe o que é bom. Chico faz aniversário um dia depois de mim. Sou do dia 18 de junho e ele, do dia 19. Quando a gente estava fazendo o show de Chico& Bethânia, no Canecão (no Rio, em 1975), era um sucesso! Ficamos meses em cartaz. Estávamos no palco e resolveram fazer uma homenagem. No final do show, para tudo e entram as ‘canequetes’, de tapa sexo, cada uma com uma TV imensa e oferece para a gente. Chico me olhou e disse: ‘Nunca mais faço aniversário!’ Que vergonha que a gente passou! Mas ele é geminiano, adora fazer aniversário. Este ano ele não está aqui para eu dar um beijo nele. Mando de longe! Chico é tudo. É o máximo.”