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Ator, cantor, compositor,
provedor de roteiros e falastrão num monte de documentários: o guri marca sua presença
Luiz Carlos Merten
Chico no cinema é, principalmente, o autor de trilhas antológicas – Jeanne Moreau cantando Joanna Francesa (Quem me enfeitiçou/o mar, maré, bateau/tu as le parfum/de la cachaça e de suor), Bye Bye Brasil, ambos de Cacá Diegues. Mas o jovem Chico também foi ator – para Cacá Diegues, em Quando o Carnaval Chegar. Na idade madura, escritor consagrado, viu (quase) todos os seus livros serem adaptados para as telas – Estorvo, Benjamim, Budapeste.
Do jovem Chico se poderia dizer que assolou como um furacão o imaginário dos brasileiros em meados dos anos 1960, mas a metáfora não cabe porque Chico era tímido, desajeitado. Foi assim que, em parceria com Nara Leão, fez história com uma música singela – A Banda. Nara foi mulher de Cacá Diegues, Chico casou-se com Marieta Severo. Em seu livro de memórias, Vida de Cinema, que será lançado em julho, Cacá conta como os casais se encontraram no exterior, nos respectivos exílios, em Roma e Paris.
Em plena repressão da ditadura militar, o apelo poético de Chico calou fundo no público – Estava à toa na vida... Naqueles dias e anos de chumbo, ninguém andava à toa na vida e o próprio Chico foi mudando seu discurso. Virou Julinho da Adelaide, chamando o ladrão porque com a polícia a repressão baixava com tudo. Cantou o eterno feminino e antecipou que aquilo tudo ia passar. No livro de memórias, Cacá conta como foi acompanhar a Copa de 1970 na TV. E daí que a ditadura militar estava querendo se apropriar do feito da seleção? Alas da esquerda radical pregavam o boicote à Copa, mas os exilados se reuniam em Paris, em Roma para ver os jogos. Vibravam com os gols. E tinham saudades do Brasil.
Cacá já trabalhava no projeto de Joanna Francesa, escrito para Jeanne Moreau, quando regressou ao Brasil com a mulher (Nara) e a filha (Isabel, que tendo nascido na França só por muita briga dos pais não virou Isabelle). Rapidamente, bolou sua chanchada intelectual. Ia se chamar Tudo Legal, mas já havia outro filme assim chamado. Virou Quando o Carnaval Chegar. Chico Buarque, Nara Leão, Maria Bethânia. São artistas itinerantes. levam a vida a cantar, como os antigos ídolos do rádio. E esperam pelo mítico carnaval.
Chico cantou o carnaval – Vai passar nessa avenida o samba popular... Cacá, expoente do Cinema Novo, quis casar o nacional e o popular. O filme era para ser brechtiano, mas como fazer um filme à Brecht com não atores e muita improvisação? O filme foi quase todo rodado no Hotel Quitandinha, onde se haviam passado tantas chanchadas da Atlântida. Cacá e Nara, Chico e Marieta, Bethânia, todos se hospedaram no próprio local da filmagem. Foi um estação no paraíso. Hoje, Cacá sabe que o fato de ter-se divertido tanto não significava que o público iria se divertir também.
Quando o Carnaval Chegar desagradou a todo mundo. O diretor admite que não conseguiu transformar seus três artistas iluminados nos personagens que deveriam nascer espontaneamente, sem psicologia nem recursos dramatúrgicos. Para a esquerda, a alegria pregada pelo filme (em 1972!) era de direita. Para a contracultura, o povo não existia. Rever o filme hoje pode expor os limites do projeto de Cacá, mas é uma das mais belas trilhas do cinema brasileiro. Um filme encantado. Outra grande trilha é a de Bye Bye Brasil. O curioso é que Cacá teve a ideia do filme ao rodar Joana Francesa no interior das Alagoas. A equipe voltava para o hotel, uma noite, quando ele viu, a distância, aquele brilho prateado. Era disco voador? Não, era o povo reunido na praça para ver TV. O Brasil estava mudando. Cacá – e Chico na sua canção – despediram-se de um Brasil para saudar outro.
Como compositor, Chico contou magníficas histórias – de amor, principalmente. Sua literatura não conta histórias. Quer dizer, até conta, mas é uma literatura em processo, fascinada pela própria escrita. Ruy Guerra percebeu isso em Estorvo, ele que já tinha sido parceiro de Chico no teatro e adaptou A Ópera do Malandro. Monique Gardenberg e Walter Carvalho (com roteiro de Rita Buzar) buscam as histórias em Benjamim e Budapeste. E Chico, o tímido, virou um falastrão – não para de dar depoimentos num monte de documentários. Uma Noite em 67, O Sol, Oscar Niemeyer, Raízes do Brasil, Vinicius. O tempo passa, Chico chega aos 70. Esse guri, ao contrário do que cantou, nunca esteve à toa na vida.