Mel em casa - criação de abelhas nativas


Jerônimo Villas-Bôas


Mel genuinamente brasileiro

Texto: Taisa Sganzerla, especial para o Estado
foto: Oswaldo Cornetti/Estadão
Pouca gente sabe, mas nem toda abelha tem ferrão. Mais importante: as abelhas com ferrão que vemos por aí não são nativas das Américas. A espécie apis mellifera foi primeiro trazida para o Brasil por jesuítas interessados em utilizar sua cera para fazer velas. As abelhas brasileiras, cultivadas em uma escala muito menor do que as estrangeiras, produzem diferentes tipos de mel. O sabor de cada um varia, mas eles são menos doces, mais ácidos, mais translúcidos e menos viscosos que o tradicional mel das abelhas de ferrão, encontrado comumente no supermercado.

Jerônimo Villas-Bôas cria abelhas nativas desde 2002. Nos últimos anos, o mel produzido por ele tem despertado a atenção de chefs pelo potencial gastronômico. Mas ainda encontra resistência. “É que é muito líquido, não dá para passar no pão”, diz.

No seu sítio em Itapecerica da Serra, Villas-Bôas deu uma aula sobre todos os aspectos da meliponicultura – como é denominado o cultivo das abelhas nativas -, da construção da caixa ao comportamento das diferentes espécies. Como estas abelhas não tem ferrão, podem ser criadas por qualquer pessoa, em suas próprias residências.

Filho de antropólogos, Jerônimo cresceu na região do Alto Solimões, na Amazônia, em terras indígenas. Tomou gosto pela natureza cedo e se formou em ecologia na Unesp. Ele é um dos poucos meliponicultores do Brasil - ao contrário da apicultura, que é o cultivo da appis mellifera, a criação das nativas é feita basicamente por pequenos produtores e hobbistas. “Não sou contra a criação da apis, ela faz parte da realidade brasileira atual”, afirma Villas-Bôas, “mas sua grande proliferação pode causar desequilíbrio – a competição por alimento pode ameaçar as abelhas nativas. É necessário ter cuidado com isso”.

Nos anos 1970, a apis mellifera cruzou com uma espécie africana, gerando um híbrido altamente resistente e com grande capacidade de adaptação a diferentes meios – em apenas 40 anos, a abelha africanizada se espalhou por todo o continente americano. Tamanha abundância, aliada à sua alta produtividade de mel, possibilitou que a apicultura adquirisse escala industrial no Brasil.

Mas, segundo o ecólogo, é importante ressaltar que a apicultura não é a única ameaça à abelha nativa. “O uso de agrotóxicos prejudica as referências olfativas das abelhas. A monocultura, ao homogeneizar o ambiente, acentua a escassez de alimento”.

Assim como outras pequenas produções artesanais, a meliponicultura não é contemplada pela legislação sanitária. O problema é a umidade do mel produzido pelas abelhas brasileiras, que chega até a 35% - a lei de 1952 só permite que o mel tenha até 21% de água, pois a alta umidade favorece a fermentação. “Mas a fermentação faz parte das características naturais do mel”, diz Villas-Bôas. Segundo ele, há maneiras de controlá-la, como a refrigeração ou a pasteurização – mas estas duas técnicas, respectivamente, encarecem e descaracterizam o produto.

Outra dificuldade é quanto à colheita do mel, que, para a Anvisa, deve ser feita em local fechado, longe das caixas – uma característica da apicultura, cujo manejo das melgueiras é mais fácil. “Se eu posso coletar leite no estábulo, por que diabos não posso colher o mel no meliponário?”

Mas, para ele, o importante agora criar um trabalho de base, fortalecendo associações e conscientizando a sociedade. “São 364 espécies de abelhas nativas catalogadas, a variedade de méis é incrível, mas pouco se conhece sobre eles. É um mundo novo, incipiente”.