Harmonização de cerveja


Paulo Leite


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texto: Daniel Telles Marques
foto: Filipe Araújo/Estadão
"Meu nome apesar de ter leite, não tem muito a ver com meu trabalho", disse Paulo Leite, sommelier de cervejas e proprietário do Empório Sagarana, ao se apresentar. Harmonizações são badaladas no mundo gastronômico. Alguns gostam de regras, Leite disse que não. "Vou conduzir vocês por uma harmonização", falou. "Eu acho que harmonia acontece quando o ambiente favorece, quando as pessoas que você está são agradáveis, os ingredientes, as cervejas ou seja lá o que for aconteçam com comidas de uma maneira agradável".

Harmonizar segue dois caminhos: similaridade ou contraste. Leite optou pela similaridade. Começou com uma cerveja discreta, a gaúcha Abadessa Slava, uma pilsen de baixa fermentação, com leveduras vivas na garrafa. Propôs uma combinação quase neutra, queijo da Serra da Canastra fresco. "É uma cerveja muito delicada, por isso pensei numa harmonização simples, discreta", explicou.

A delicadeza evoluiu para o condimentado da Backer Três Lobos Exterminator, uma witbier temperada com capim limão. O queijo fresco voltou à mesa, desta vez em espetinhos, acompanhado de tomate sweet e pimenta biquinho. "O cítrico, herbal e floral da cerveja cansam com o dulçor do tomate, o salgado do queijo e a acidez da pimenta".

Cresceram os gostos das cervejas e o cheiro defumado tomou o ambiente antes da bebida chegar aos copos. A Bamberg Rauchbier, cerveja feita com maltes defumados, tinha uma redundância intencional com o prato proposto. Tilápia pescada no sul de Minas Gerais, defumada pelo próprio pescador. "Tilápia é um peixe tinhoso, se chove não tem porque ela não gosta de água suja, se não chove, a água baixa e ela some". Na boca, o peixe não sumiu. Apesar dos aromas fortes da cerveja, o corpo não tomava toda a boca, o defumado de um ajudou o do outro, completando-se.

Bacon da defumação da cerveja reapareceu novamente. Na panceta -- aqui não é pancetta (disse com sotaque italiano) é panceta (com sotaque português) porque esse porco é mineirissímo", brincou. Para a barriga frita, uma Imperial India Pale Ale, a Perigosa, da Bodebrown. Superlupulada, mas doce. "Combinação perfeita", disseram da platéia. "A gordura da carne pede um corte na boca e o lúpulo corta a gordura. Ao menos tempo que o lúpulo seca, e a gordura hidrata", analisou Paulo.

Paulo sacou um coringa para o final "Para quem acha que cerveja não orna com sobremesa", disse. Puxou uma Wäls Petroleum, Russian Imperial Stout, carregada no cheiro de chocolate, casando perfeitamente com o doce de leite com marolo (Annona crassiflora), uma fruta típica do cerrado mineiro. "A ideia é ter essa conversa de chocolate e leite, mais uma harmonização por similaridade", terminou.