Colômbia precisa evitar que outros grupos ocupem lugar das Farc
Especialistas defendem desenvolvimento da economia para conter criação de outros grupos
Fernanda Simas
Ao assinar o acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o governo do presidente Juan Manuel Santos terá obtido seu grande êxito em política nacional, mas obstáculos precisarão ser ultrapassados e já são temas discutidos na mesa de negociações em Havana, Cuba. O maior deles, segundo especialistas e políticos, será garantir que a violência não volte após a desmobilização dos guerrilheiros.
“Se errarmos, uma violência será substituída pela outra. Esse é o principal problema que não está resolvido. O governo gastou mais tempo com as negociações de paz do que com a preparação do que deve ser feito depois que as Farc deixarem as armas”, afirma o senador Antonio Navarro Wolf, da Alianza Verde e ex-integrante da guerrilha M-19. “Se não mudarmos a prioridade, teremos a substituição das Farc por outros grupos criminosos e o crescimento do Exército da Libertação Nacional (ELN).”
Essa questão está presente no tema central da discussão atual entre os negociadores do governo colombiano e das Farc: as zonas de concentração da guerrilha, onde ocorrerá o desarmamento.
Segundo o assessor para a paz territorial e arquitetura institucional do Escritório do Alto-Comissariado para a Paz do governo, Diego Bautista, o essencial é retomar a presença do Estado em áreas mais afetadas pelo conflito. “O desafio imediato é a definição da nova arquitetura institucional que será responsável pela implementação dos acordos. Isso inclui um regime excepcional nos territórios onde o conflito esteve mais evidente.”
O senador Navarro, que participou do primeiro processo de paz colombiano, em 1990, ressalta que todas as regiões uma vez ocupadas pelas Farc passarão, após o acordo de paz, por um vazio de poder. “Esse vazio precisa ser preenchido pelo Estado, com o que estamos chamando de Presença Integral do Estado no Território, pois se não for o Estado, serão outros grupos armados criminosos, porque há estímulos para a presença desses grupos ilegais, principalmente pelo cultivo de coca e mineração do ouro ilegal.”
Para evitar a “transferência” da violência, Navarro diz que é preciso desenvolvimento econômico, uma política de substituição de cultivos e a presença da Justiça e da Segurança. Nesse ponto, Bautista explica que durante a transição das Farc para a legalidade “haverá desequilíbrios iniciais” e, por isso, serão realizadas “ações para assegurar as condições de segurança, justiça e infraestrutura básica”.
O assessor para a paz territorial cita ainda processos participativos com governos locais, sociedade civil e líderes comunitários nessas regiões que já estão sendo iniciados, como a “definição de mecanismos de participação e decisão pelos quais será feita a implementação dos acordos nos territórios”.
O coordenador da Fundação Ideias para a Paz (Fip), que estuda as negociações entre Bogotá e o grupo guerrilheiro, Sergio Guarín, concorda que é essencial “fomentar condições para a criação de mercados locais” que sejam “alternativas viáveis” aos mercados criados pelas economias ilegais.
Guarín considera que o trabalho com a comunidade é o tema mais difícil sobre as zonas de concentração das Farc, mas que deve ter êxito. “Não estão sendo criadas (as zonas de concentração) para a realização de uma negociação, mas para levar adiante o fim do conflito. Já tivemos boas experiências com o EPL e o M-19”, afirma.
Política. Durante as negociações de paz, iniciadas no fim de 2012, o presidente Santos afirmou que era preciso “desmembrar” as Farc para que a guerrilha pudesse deixar as armas e ser reincorporada à sociedade. Navarro discorda da premissa.
“É preciso mantê-las unidas, desarmadas, claro, mas unidas, porque são 7,5 mil homens e mulheres que sabem usar armas, têm experiência em combate. Se não estiverem unidas, pode haver o recrutamento por parte de outros grupos”, argumenta o senador, acrescentando que o caminho para isso é a participação política dos chefes guerrilheiros.
A Fip, em um estudo realizado a partir de processos de paz em outros países e de tentativas anteriores na Colômbia, considera que a estabilização é a chave para criar condições territoriais que evitem a violência e, para isso, sugere a existência de medidas de estabilização provisória. “Trata-se de conservar as unidades de guerrilheiros e transformar seu caráter militar em outro mais civil. A ideia é que assim se garante a unidade do grupo e se melhoram as condições do desarmamento”, explica Guarín.
A assinatura do acordo de paz poderia ocorrer nesta quarta-feira, segundo data estabelecida por Santos e pelo líder das Farc, Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como “Timochenko”, durante encontro histórico dos dois em Havana, em setembro, mas pode ser adiado justamente pelas questões pendentes no tema das zonas de concentração das Farc.
Por outro lado, a certeza de que o atual processo terminará em acordo é cada vez maior, diferente de ocasiões anteriores e, para Navarro, isso se deve à vontade do governo de “evitar mais 10, 15 anos de conflito”, mas também a uma mudança de visão do grupo guerrilheiro. “As Farc perceberam que o conflito armado não tem possibilidade de vitória. É um caminho fechado.”
(Matéria publicada em O Estado de S. Paulo em 21 de março de 2016)