Uma mão segura cinco cartões de crédito.
Elias e seus cinco cartões: endividamento foi mistura de limite alto, descontrole e desemprego | Foto: Elias dos Santos/Arquivo Pessoal

Quase 9 milhões de jovens estão enrolados com dívidas no Brasil

Dezoito porcento das pessoas de até 20 anos estão com o CPF “sujo”; veja dicas de especialistas para não entrar nessa fria

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Primeiro, foi o casamento, seguido de uma lua de mel no Chile. Na sequência, uma viagem para Gramado (RS) e, na volta, um iPhone de presente para a mulher. A situação de Elias dos Santos, de 25 anos, já estava enrolada no banco. Mas piorou realmente quando ele perdeu o emprego. Hoje, Elias faz parte dos 8,6 milhões de jovens inadimplentes entre 18 e 25 anos, segundo dados do Serasa Experian divulgados em maio.

O número caiu 0,5% em relação ao ano passado, no auge da crise, mas ainda preocupa. “Eles continuam com os mesmos hábitos, muitas vezes ruins, de 10 a 15 anos atrás. O problema no caso dos jovens é que são gastos relacionados à autoestima, que acabam deixando as pessoas inadimplentes”, explica a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti.

Jovens não têm maturidade para gerir o próprio dinheiro e se empolgam com as ofertas”, diz Marcela Kawauti, da SPC Brasil

Por trás do endividamento, segundo os birôs de crédito, estão o uso excessivo do cartão de crédito e do cheque especial. Elias utilizou os dois e se atolou nas dívidas. “Se você decide ter um cartão de crédito, é melhor começar com um limite muito baixo, porque o tamanho do descontrole fica limitado”, alerta Marcela.

Há ainda uma parcela de jovens superendividados, que comprometeram mais de 50% do orçamento e não conseguem sair da dívida sem ajuda externa. Entre o total de pessoas atendidas pelo Programa de Apoio ao Superendividado do Procon, 7,23% são jovens de até 25 anos. Pode parecer pouco, mas é o indício de algo sério, segundo especialistas.

“Chama a atenção que pessoas tão novas, no começo da vida adulta, já estejam com superdívidas, mesmo sem ter grandes responsabilidades financeiras”, ressalta Diógenes Donizete, coordenador do programa. Para ele, a culpa pelo endividamento não é só dos jovens: as instituições financeiras têm uma parcela de responsabilidade, quando oferecem cartões e empréstimos a quem tem pouca renda mensal. “É a ilusão do dinheiro. Eles não têm maturidade para gerir o próprio dinheiro e se empolgam com as ofertas”, diz. Marcela, da SPC Brasil, ressalta que o consumo dos jovens costuma estar relacionado à autoestima.

O problema de Elias tem solução, na opinião de consultores de finanças. Assim como o da estudante Jéssica Lima e da cabeleireira Thalita Costa, que estão com o CPF negativado. De acordo com uma pesquisa do Boa Vista SPC, 18% dos jovens até 20 anos estão com o nome “sujo” na praça. Confira abaixo a história deles – e as dicas para sair do drama.

Elias dos Santos, de 25 anos, auxiliar administrativo

“Como perdi o emprego, não tinha possibilidade de pagar minhas contas (casamento, viagens e celular caro) e fiquei exposto a juros. Estou tentando resolver parcelando a dívida e negociando com o banco. Até o momento, não houve problemas significativos, mas sempre chegam mensagens sobre o atraso dos pagamentos e negativação do nome no SPC e Serasa. Creio que três coisas levaram a essa situação: meu limite era alto, me descontrolei com o consumo e perdi o emprego.”

Como sair desse enrosco

Bruno Chacon, conselheiro fiscal da Associação Brasileira dos Educadores Financeiros (Abefin):
“Primeiramente, é recomendado fazer um diagnóstico financeiro, saber tudo o que você tem de receita e o quanto tem de dívidas, não só do cartão, mas de consumo diário dentro de seu padrão de vida. Assim, você consegue identificar onde gasta além do necessário. Antes de fazer renegociação, é necessário verificar se a parcela de fato cabe no bolso. Não adianta renegociar se o valor não couber no orçamento, pois você continuará endividado. Se tiver acesso a crédito pessoal e consignado, um dos mais baratos que existe, seria o ideal. Recomendo ver o aplicativo e-Serasa, que acha linhas de crédito mais em conta no mercado de acordo com o seu score (pontuação).”

Thalita Costa, 25, cabeleireira

“Antes de me mudar para o Estado de São Paulo, fiquei sozinha em Itabuna, na Bahia, e tive de me virar com muito pouco. Ao chegar a São Sebastião, trabalhei como babá, vendedora e atendente. Quando finalmente consegui um emprego assinado em carteira, tive de fazer uma conta no banco e ganhei um cartão de crédito. Meu salário era de R$ 2 mil por mês e eu tinha um limite de crédito também de R$ 2 mil. A partir de então, fui comprando muitas coisas, tanto para a minha casa quanto para mim, além de pagar aluguel, contas da casa, passagem e todas as despesas fixas do mês. Comecei, então, a usar o cartão de crédito para pagar contas essenciais, compras no mercado, roupa, tudo o que eu precisasse. Quando fui mandada embora, não consegui pagar as contas. Há cinco anos estou devendo para dois bancos por conta de cartão de crédito. São R$ 7 mil para o Santander e R$ 5 mil para a Caixa. Hoje, estou com o nome sujo e não tenho mais cartão.”

Como sair desse enrosco

Diógenes Donizete, coordenador do Programa de Apoio ao Superendividado do Procon:

“Em uma situação de superdívida, você não vai conseguir resolver seu problema sozinho. Você deve buscar a ajuda de um profissional que esteja fora da situação e consiga negociar com os credores. A orientação pode ser gratuita, inclusive, como por exemplo o serviço oferecido pelo Procon.” Trata-se do Programa de Apoio ao Superendividado (PAS), do Procon, que dá assessoria a consumidores. A inscrição é online e gratuita. Você pode encontrar mais informações no site do PAS.

Jéssica Lima, 21, estudante

“Cheguei a ter cinco cartões e gastava nos cinco. O problema é que ganhava muito pouco e os gastos eram maiores do que o meu salário. Em 2016, quando saí do meu emprego, fiquei com uma dívida de aproximadamente R$ 800 em um dos cartões e não conseguia mais pagar. A dívida se estendeu por mais de um ano, os juros foram rolando e o valor ultrapassou os R$ 2 mil. O Itaú me ligava todos os dias, me mandava e-mail e eu bloqueava o número, porque já sabia quem era. Por iniciativa própria, após conseguir outro estágio, entrei em contato com o banco para renegociar a dívida e eles me ofereceram um acordo para o pagamento de 24 parcelas de cerca de R$ 200. Não aceitei. Em 2018, o banco entrou em contato novamente, por e-mail, com uma proposta de pagamento de 4x de R$ 179, totalizando R$ 716. Achei vantajoso e comecei a pagar. No entanto, mês passado a fatura do cartão de crédito do Santander, banco no qual tenho conta corrente, veio R$ 400 e eu não consegui pagar. Agora, estou esperando encerrar a parcela do acordo anterior para fazer um acordo com esse outro cartão do Santander.”

Como sair desse enrosco

Luiz Correia, planejador financeiro do Planejar – Associação Brasileira de Planejadores Financeiros:

“O combo infalível para lidar com uma situação como essa é cortar gastos e aumentar a renda. Aqui, você pode cortar as despesas não essenciais e economizar nas essenciais, como conta de luz, água, transporte e alimentação. Para aumentar a renda, você pode procurar bicos, aumentar a carga horária no trabalho ou mesmo arranjar uma segunda ocupação.”