SUMMIT IMOBILIÁRIO 2018

O dilema dos distratos assombra as empresas

Apesar de em número menor, disputas envolvendo cancelamento de compra são resolvidas na Justiça

Cabo de guerra. Número de distratos caiu, mas empresas ainda tentam regulação mais favorável no Congresso Gabriela Biló/Estadão
por Gustavo Zucchi

A crise econômica que atingiu o Brasil nos últimos anos expôs um racha no setor imobiliário. De um lado, as incorporadoras e, do outro, consumidores e entidades que os defendem. No meio dessa briga estão os distratos. O número de rescisões de contratos firmados em imóveis na planta assombrou o mercado nos últimos anos. Em 2015, segundo a agência de risco Fitch, de cada 100 apartamentos na planta comprados no País, 41 foram devolvidos. Os vilões eram a alta taxa de juros, o aumento do desemprego e até mesmo a desvalorização dos imóveis, que muitas vezes passavam a valer menos já prontos do que no contrato feito na planta.

Dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc)em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) mostram uma queda no número de distratos. Em 2016 a média mensal foi de 3.685 unidades distratadas. Em, em 2017 esse número caiu para 2.882 unidades. Se considerados os distratos como proporção das vendas, por trimestre, as unidades lançadas no primeiro trimestre de 2014 apresentam a taxa de distratos mais elevada da série histórica (27,7%), enquanto quarto trimestre de 2017 teve apenas 0,1%.

Entretanto a queda no número de desistências por parte de compradores não acalmou os ânimos. Hoje o entendimento da Justiça sobre a situação é favorável ao consumidor. Dependendo do caso, quem pede o distrato consegue recuperar entre 80% e 90% do valor pago à incorporadora. “Eu fico um pouco espantado quando vejo associações que protegem os consumidores não se preocuparem com o conjunto dos consumidores de determinado empreendimento, mas só com aqueles que querem distratar”, explica o economista do Fipe-Zap e FGV, Eduardo Zylberstajn. O problema é que, ao comprar um imóvel na planta, o dinheiro vai para a obra. Assim, custo do distrato sai do bolso da incorporadora. “Vimos algumas incorporadoras quebrarem. E isso vira um problema para o mercado e para todos os consumidores”, diz.

Um exemplo dessa disputa judicial aconteceu com Osanira Fernandes Salvador, de 32 anos, e seu marido Ronaldo Salvador, de 52. Moradores de Osasco, eles compraram um apartamento na planta em Barueri. Após dois anos pagando os valores firmados em contrato, eles decidiram permanecer onde estavam e pediram o distrato. “Ligamos para a construtora para ver o que poderiam fazer. Não queriam devolver nem metade do que foi pago, nem mesmo 20%. Aí, procuramos um advogado”, contou Osanira. Em poucos meses, receberam de volta 80% do que haviam pago. “Foi justo”, afirma. “A possibilidade de rescisão contratual com devolução e a falta de regulamentação dessa devolução fazem do Brasil um dos países com maior insegurança jurídica neste segmento”, defende o presidente da Secovi-SP, Flavio Amary.

Do outro lado da questão, Marcelo Tapai, vice-presidente da Comissão Permanente de Defesa do Consumidor da OAB/SP diz que é inconstitucional mudar a jurisprudência: “A partir do momento que o consumidor tem um ganho, já tem um direito garantido. E isso não pode retroceder desse jeito”,diz.

Financiamentos voltarão a crescer

Crescimento do PIB, inflação estável e esboço de melhora econômica devem alavancar crédito em bancos privados

Crédito. Habitações de interesse social representam 80% dos financiamentos da Caixa
por roberta cardoso

Lentamente, os financiamentos imobiliários devem voltar a crescer. E os principais fatores para retomada são a saída de um período de muita instabilidade no mercado imobiliário, seriamente afetado pela diminuição dos postos de trabalho e pelo cenário político conturbado.

Mas, principalmente, porque o País tem demanda reprimida pela casa própria. “A gente passou três anos no escuro, com muitos fatores incidindo diretamente nesse mercado”, explica Marcelo Motta, analista da J.P Morgan. “Mas com a inflação se mostrando mais estável e o PIB crescendo, ainda que pouco, podemos projetar uma recuperação. Mas para ela se concretizar, os cenários políticos e econômicos precisam ajudar”, ressalta Motta. “Os distratos devem diminuir, os preços dos imóveis estão acomodados há mais ou menos dois anos e o índice de desemprego começa a cair. Com isso, financiar volta a ser uma meta de quem conseguiu se manter no mercado”, afirma o analista.

Mercado. Outro ponto que favorece a possível melhora é a disposição dos bancos privados em aumentar o volume de crédito para financiar imóveis. “Ainda que tenhamos apenas cinco grandes players no mercado – Bradesco, Santander, Banco do Brasil, Itaú e Caixa -, não atingimos o pico de financiamentos, estamos em 40%, 50%, ou seja, existe uma demanda reprimida”, explica o professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP), Alberto Ajzental.
Para o professor do Departamento de Economia de São Paulo (FEA) e chairman da DataZAP, Danilo Igliori, o mercado de financiamento imobiliário passa por uma readequação. O desempenho fraco nos últimos três anos não sinalizam um retrocesso. A Caixa Economica, responsável por 70% dos financiamentos para a baixa renda, perdeu participação por causa de reestruturações internas que ainda estão em curso. Porém, o mercado, com o tempo, deve absorver esse contingente. “O eventual reposicionamento da Caixa no mercado imobiliário, reduzindo sua participação, terá certamente impacto na disponibilidade de financiamento. Entretanto, se a economia continuar a se recuperar e o país entrar em uma trajetória sustentada de crescimento, os bancos privados e o Banco do Brasil deverão ocupar esse espaço. Claro que levará algum tempo mas deverá ocorrer”, finaliza.