André Dusek/Estadão

Juros sobem, mas política fiscal dificulta queda da inflação

Anna Carolina Papp & Luiz Guilherme Gerbelli

Mesmo com a Selic no maior patamar em nove anos, desordem das contas públicas complica missão do Banco Central de barrar a alta de preços

Entenda a relação entre as políticas monetária e fiscal

Desde 2013, o Banco Central (BC) promoveu sucessivos aumentos de juros no País, o que levou a Taxa Selic ao maior patamar em nove anos: 14,25%. A inflação, no entanto, não perdeu fôlego – pelo contrário. Pressionado pelos preços administrados, o IPCA ultrapassou a barreira dos 10% no acumulado em 12 meses até novembro. Esse movimento agora levanta dúvidas sobre a eficácia da política monetária, ao mesmo tempo em que coloca o BC em uma encruzilhada.

LEIA A ANÁLISE: Quando a política monetária perde eficácia Há dois caminhos possíveis: elevar os juros e enfraquecer ainda mais a economia, que já enfrenta a pior recessão desde 1990, ou manter a Selic estável e perder de vista o centro da meta de inflação, que é de 4,5% ao ano.

Para complicar o cenário, o BC parece estar isolado nessa dura missão. A tarefa de controlar a inflação fica mais difícil por causa da piora do quadro fiscal. Entre janeiro e outubro, o resultado primário do governo central (aquele que leva em conta as receitas e despesas correntes do governo, sem incluir o pagamento de juros) foi negativo em R$ 33 bilhões. É o pior resultado da série histórica iniciada em 1997.

Crédito da foto: Paulo Giandalia O governo não pode ficar pendurado no Banco Central para controlar a inflação. É preciso que seja resolvido o lado fiscal da história também.

— Alessandra Ribeiro

economista da Tendências Consultoria Integrada

Segundo Caio Megale, economista do Itaú Unibanco, as políticas fiscal e monetária são como uma dupla de ataque: “A política fiscal sem dúvida nenhuma é uma parte fundamental do controle da inflação, pois também é política de controle e ajuste da demanda agregada.”

Para reequilibrar a questão fiscal no curto prazo, é preciso que o governo corte gastos e arrume a casa, colocando as contas públicas em ordem. Esse ajuste depende, porém, da aprovação de uma série de medidas no Congresso Nacional. Só que, com a crise política, o ajuste virou moeda de troca e ficou paralisado.

“O governo não pode ficar pendurado no Banco Central para controlar a inflação. É preciso que seja resolvido o lado fiscal da história também”, afirma Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria Integrada. “Ele terá de correr atrás para fechar esse rombo fiscal.”

A dificuldade do BC em controlar a inflação e fazê-la convergir ao centro da meta ressuscitou o debate sobre se a economia brasileira teria passado a sofrer da chamada “dominância fiscal”. Ou seja: se os juros perderam o efeito para domar a inflação e suas expectativas em meio à desordem das contas públicas (veja arte abaixo).

Toque nos círculos para detalhes

ciclo-mobile JUROS DÍVIDA DÓLAR INFLAÇÃO Política monetária podenão ser mais suficiente para domar a inflação ciclo-desktop JUROS DÍVIDA DÓLAR INFLAÇÃO Política monetária podenão ser mais suficiente para domar a inflação

Os economistas não entraram em um consenso sobre a tese. “O BC não vai ter como fugir e terá de subir os juros na próxima reunião, em janeiro”, afirma José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. “Eu acho muito difícil que a inflação venha para baixo, e o debate de dominância fiscal deve ganhar força”, afirma.

Futuro. Para 2015, não há volta: o IPCA, indicador que baliza as metas de inflação, vai ultrapassar os dois dígitos. Os olhos do governo e do mercado focam, então, em 2016: um índice mais elevado no ano que vem vai na contramão do que deseja a equipe econômica. Desde o início deste ano, o BC vem tentando ancorar as expectativas para o IPCA de 2016, na esperança de que uma inflação mais moderada ajude na recuperação econômica.

Inicialmente, a promessa era cortar a inflação quase pela metade: trazê-la ao centro da meta logo no ano que vem. No entanto, economistas já esperam que o IPCA supere o teto da meta, de 6,5%. No relatório Focus, boletim semanal do BC que colhe projeções de uma centena de analistas de mercado, os economistas esperam um índice de 10,44% para 2015 e de 6,7% para 2016.

Crédito da foto: Paulo Giandalia O sistema de preços no Brasil está desancorado. Temos visto uma dificuldade enorme do BC de se comprometer com o horizonte de tempo que será necessário para a convergência da inflação para 4,5%.

— José Júlio Senna

chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV

“O sistema de preços no Brasil está desancorado”, afirma José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV. “Temos visto nas últimas reuniões do Copom uma dificuldade enorme do Banco Central de se comprometer com o horizonte de tempo que será necessário para a convergência da inflação para 4,5%.”

Incertezas. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que decidiu pela manutenção dos juros em 14,25% ao ano, dois dos oito integrantes votaram por uma alta de 0,5 ponto porcentual da Selic, criando incertezas sobre os próximos passos da autoridade monetária. Na ata da reunião, o Banco Central, apontou para um possível aumento no encontro de janeiro. Essa indicação, somada ao resultado da inflação de novembro, que ultrapassou 10% em 12 meses, levou muitos economistas a revisarem suas projeções para o próximo ano, avaliando que o Banco Central deve subir ainda mais os juros.

“A estratégia do BC antes estava unânime de manter o juro parado”, diz Megale, do Itaú Unibanco. “Como houve uma alta adicional nas expectativas de inflação, por conta principalmente da revisão de administrados, houve essa divergência”, explica. Para ele, o que vai definir o rumo da política monetária são justamente as expectativas para o ano que vem. “Se elas chegarem a 7%, 7,5%, a ala do BC que achava que não era necessário subir mais o juro pode se convencer”, afirma. “Do contrário, se ficar mais claro que a recessão vai trazer a inflação para a meta em 2017, os juros ficam parados.”

Crédito da foto: Hélvio Romero O que vai definir para onde vai a política monetária são justamente as expectativas para o ano que vem.

— Caio Megale

economista do Itaú Unibanco

Para a consultoria Tendências, a autoridade monetária deve fazer dois aumentos de 0,5 ponto porcentual, em janeiro e em março, e um de 0,25 em abril “O BC até poderia optar por uma convergência mais longa, mas o fato é que ele se comprometeu a evitar o estouro da meta no ano que vem e em garantir a convergência para 4,5% em 2017”, diz Alessandra. “Diante desse compromisso, terá de subir juros. Não há alternativa”, afirma.

Tatiana Pinheiro, economista do banco Santander, acredita que a resposta também virá da política fiscal: “Se finalmente houver um plano de ajuste crível, viável, não é necessário um aperto adicional de política monetária. Na ausência disso, para ancorar as expectativas, tão importantes na formação de preços, aí haverá a necessidade de um aperto adicional.”

Quando a política monetária perde eficácia

José Paulo Kupfer Colunista de Economia do ‘Estadão’

Na prática, a teoria pode ser outra. Em economia, isso nem é tão incomum. A teoria segundo a qual a política monetária, com suas elevações ou cortes da taxa básica de juros, regula a trajetória da inflação, por exemplo, pode sofrer restrições do ambiente econômico e não funcionar como manda o livro-texto.

Em determinadas circunstâncias, altas nos juros, em lugar de conter a inflação, como seria a norma, pode potencializar exatamente o contrário do que reza a teoria, impulsionando os índices inflacionários. É exatamente o que muitos acham estar ocorrendo com a economia brasileira neste momento.

Constata-se, de fato, que elevações sucessivas nos juros não têm contido a tendência de alta da inflação. De abril de 2013 até hoje, as taxas decididas pelo Banco Central subiram de 7,5% ao ano até os atuais 14,25%. No mesmo período, a inflação, medida pelo IPCA, escalou, mês a mês, de 6,5% a 10,48%, no acumulado em 12 meses.

Essa dupla ocorrência na mesma direção tem levado muitos economistas a considerar a existência, na economia brasileira, de um estado de “dominância fiscal”. O fenômeno é resultado de uma situação em que contas públicas deficitárias, na ausência de ajustes que as reequilibrem, impulsionam uma dívida pública que já se encontra em níveis elevados.

Nesse tipo de situação, a elevação de juros determinada pelo Banco Central com o objetivo de conter a inflação leva a um aumento da dívida pública, o que piora a relação dívida/PIB e aciona alertas de possíveis problemas futuros de solvência. O aumento do risco de calote afugenta investidores, deprecia o valor dos ativos — o caso típico é o da depreciação da taxa de câmbio — e pressiona a inflação. Quando o processo completa seu ciclo, a alta dos juros resultou em alta da inflação.

Situações de dominância fiscal foram observadas em várias das crises de dívida vividas pela economia brasileira, nas décadas de 80 e 90, e novamente no início dos anos 2000, na passagem do segundo mandato presidencial de Fernando Henrique para o primeiro de Lula. Também teriam ocorrido episódios de “dominância fiscal” em economias maduras, de acordo com analistas, nos primeiros anos da grande crise global de 2008.

Taxa básica de juros do Banco Central em porcentagem ao ano

Fonte: Banco Central

Juros em alta. Para controlar a inflação, o Banco Central sobe a Selic, taxa básica de juros. Quanto maior a Selic, mais caro fica o crédito que os bancos oferecem aos consumidores – o que retrai a demanda. Com a menor procura por produtos e serviços, os preços tendem a cair

Dívida Bruta em porcentagem do PIB

Fonte: Banco Central

Aprofundamento da dívida. O aumento dos juros, no entanto, eleva o custo da dívida pública e piora o quadro fiscal do País. Caso as contas públicas já estejam desorganizadas, como é o caso atual, o desequilíbrio pode ser ainda maior

Dólar em reais

Fonte: Broadcast

Risco e câmbio. O aprofundamento da dívida e a desordem das contas públicas aumentam a percepção de risco em relação ao País, ampliando as chances de rebaixamento da nota de crédito e da perda de grau de investimento – o que leva a uma nova onda de desvalorização da moeda brasileira

Inflação IPCA acumulado em 12 meses, em porcentagem

Fonte: IBGE

Inflação volta. A alta do dólar em relação ao real desencadeia um novo aumento de preços. Assim, a alta de juros teria o efeito contrário ao pretendido. Em situações assim, portanto, toda a responsabilidade do ajuste recai sobre a política fiscal, ou seja: colocar as contas em ordem

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