Dinheiro virtual atrai dinheiro real e investidor
Mateus Fagundes e Sirlene Farias
Uma moeda digital, negociada apenas no universo da internet, atraiu a atenção de investidores no último mês. Os gêmeos Winklevoss, conhecidos por disputarem a concepção do Facebook com Mark Zuckerberg, anunciaram a criação de um fundo de negociação de índices (ETF, na sigla em inglês) em bitcoin, moeda virtual colaborativa sem lastro e livre do controle de um banco central. A aposta pode trazer para o mercado financeiro tradicional uma forma de investimento, existente há quatro anos, que já movimenta US$ 1,1 bilhão apenas na rede.
O fundo dos irmãos Winklevoss ainda depende de autorização do órgão regulador do mercado de derivativos dos Estados Unidos, mas os gêmeos já detêm cerca de US$ 11 milhões em bitcoins. A moeda oferece a chance de ganhos rápidos por causa da volatilidade elevada: em menos de sete meses, subiu 650%. Cada bitcoin, que começou o
ano negociado a US$ 15, valia US$ 96 na última quarta-feira, sendo que atingiu o pico em abril, a US$ 237.
Além de negócios milionários, a moeda atrai também pequenos investidores, inclusive no Brasil. "Gosto da ideia de ter controle sobre meu dinheiro, sem intermediários", afirma o empresário Henrique Matos, de 34 anos. O investimento inicial feito por ele em 2011 já rendeu retorno de 1.800%.
Existem três maneiras de adquirir bitcoins: por meio de casas de câmbio, de transações diretas com usuários da moeda ou de um processo chamado mineração (VER BOX). Assim como as moedas físicas, cada bitcoin tem um código único que o identifica, semelhante ao número de série das cédulas reais. As transações são registradas em um livro-caixa digital, que pode ser consultado por qualquer pessoa e coíbe a falsificação da moeda. A identificação dos investidores, no entanto, não pode ser rastreada, o que já deu margem para os primeiros problemas.
Lanchonete Room 77, em Kreuzberg (Berlim); bairro reúne alguns estabelecimentos que aceitam pagamento em bitcoin. FOTO: CARLA MIRANDA/ESTADÃO CONTEÚDO
Em 2011, a Agência Antidrogas americana descobriu que a moeda virtual foi utilizada no site Silk Road, conhecido pela venda de substâncias ilícitas, resultando nas primeiras apreensões de bitcoins nos Estados Unidos. O caso aumentou a discussão, principalmente pelo governo local, sobre a necessidade de regular o bitcoin.
Regulação. O Brasil também não tem uma legislação específica para o uso de moedas virtuais. Em maio, o Banco Central enviou ao Congresso a Medida Provisória (MP) 615/2013, que sistematiza as formas de pagamento móvel, mas não contempla o uso de moedas virtuais. Procurado, o BC não se pronunciou sobre o assunto.
Na opinião do advogado especialista em direito financeiro Ricardo Macedo, para as leis brasileiras o bitcoin se classificaria como um ativo financeiro comparável a uma casa ou um carro, que pode ser negociado e tributado. "O pagamento de impostos não incide apenas se houver pagamento em dinheiro."
Para especialistas, se for regulado, o bitcoin perderia sua característica de independência e se contaminaria com práticas do sistema financeiro tradicional. "O governo elimina as chances de uma moeda como o bitcoin dar certo porque impõe regras de utilização, identificação de quem usa e cobrança de impostos", afirma o professor de economia digital da Universidade de São Paulo (USP) Fábio Kanczuck.
Executivos que negociam a moeda acreditam que o bitcoin é um meio de pagamento online. Para eles, a MP é um passo rumo à regulação. "Desde que não restrinja as transações, a regulação é extremamente positiva. Se o bitcoin for proibido, as pessoas vão utilizá-lo ilegalmente", afirma o empresário Rodrigo Batista, executivo do Mercado Bitcoin, casa de câmbio que faz a transação da moeda no Brasil.
Para especialistas, as moedas digitais devem ser cada vez mais aceitas. "É difícil dizer se será o bitcoin ou outra moeda (digital), mas seu uso vai ganhar cada vez mais relevância. O bitcoin é dinheiro aplicado à lógica da internet", afirma o economista do Instituto Mises Brasil, Fernando Ulrich, que também usa a moeda.
De olho no potencial do bitcoin, estabelecimentos do bairro de Kreuzberg, em Berlim, na Alemanha, adotaram o uso alternativo da unidade monetária. No Brasil, apenas dois estabelecimentos aceitam o bitcoin como forma de pagamento.
O bar Las Magrelas, na Vila Madalena, em São Paulo, adotou em maio o uso complementar da moeda digital e fez até hoje três operações. Já a pousada Kyrios, em Maresias, litoral paulista, possibilita que se pague as diárias com bitcoins desde o início do ano, mas ainda não houve nenhuma transação. "Mesmo que a gente não tenha recebido ninguém que pagou com a moeda, já houve alguns interessados que nos ligaram. Somos otimistas e continuaremos a oferecer esta forma de pagamento", afirma a dona da pousada, Elisabete Martins.
Bitcoins by FOCAS 2013
Máquina de fazer dinheiro
A característica mais polêmica do bitcoin é a de que ele pode ser "fabricado" em casa. O interessado deve ter uma carteira digital de bitcoins e um computador com acesso à internet, no qual esteja instalado um mining pool, software que cria bitcoins e permite que a moeda seja negociada. Com esse programa, o usuário passa a fazer parte de uma rede que garante a sobrevivência da moeda digital. Esse processo é chamado de mineração.
O sistema matemático no qual se baseia a moeda permitirá a criação de 21 milhões de bitcoins até 2030. A cada dez minutos, são emitidos 25 bitcoins, divididos entre "mineradores" espalhados pelo mundo inteiro. Quanto mais recursos de rede disponibilizados, mais bitcoins o minerador recebe – a moeda pode ser fracionada em até oito casas decimais. "A mineração é um incentivo financeiro para as pessoas fornecerem recursos de computação para manter a rede", explica o executivo do Mercado Bitcoin, Rodrigo Batista.