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Aumento de custos sufoca a produção industrial

Hugo Passarelli & Laura Maia

Alta da energia elétrica e dos insumos importados coloca pressão extra sobre um setor já fragilizado

Alta do dólar e aumento da energia encarem as matérias-primas

A planilha de custos da indústria brasileira engordou. O aumento da energia elétrica e a subida de preço dos insumos importados chegaram para complicar a situação de um setor que já sofre com a queda da produção e das vendas, em meio a um cenário recessivo.

LEIA A ANÁLISE: É preciso resgatar a estabilidade dos preços No terceiro trimestre deste ano, ficou 12,8% mais caro produzir no Brasil em relação ao mesmo período de 2014, como aponta o último levantamento divulgado pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI).

Nesta cesta de custos, destacam-se a energia elétrica, que subiu 43,9% e os bens intermediários importados (insumos que uma empresa compra de fora do País para fabricar seus produtos), que estão 46,4% mais caros, principalmente por conta da valorização do dólar. Além deles, uma velha fonte de reclamação dos industriais também aparece com impacto relevante: o gasto com pessoal, com alta de 9,1%.

Enquanto a alta de preço dos bens intermediários impacta com mais força os industriais que trabalham com itens importados, o encarecimento da energia elétrica tem um efeito bem mais difuso, que vai se multiplicando por toda a cadeia.

Indicador de custos industriais em pontos, dessazonalizado (média de 2006 = 100)

Fonte: CNI

O presidente da fabricante de válvulas industriais SMV, Erfides Bortolazzo, de Rio das Pedras, interior do Estado de São Paulo, observa que a energia elétrica ficar tão mais cara é “uma injeção de inflação na veia” no seu negócio. “Essa conta mais alta atinge diretamente os nossos fornecedores, que precisam de muita energia para produzir itens como aço ou inox fundido”, explica.

Também por tabela, a SMV sente os efeitos de um real desvalorizado, porque compra de quem depende de produtos do exterior como, por exemplo, de resina usada na produção de ligas metálicas. “Não tive alternativa senão aceitar a elevação de preços. Repasso o que é possível”, diz Bortolazzo. Segundo o empresário, um aumento de 10% nas matérias-primas acaba elevando em até 6% o preço de seu produto final.

Com essa combinação de dificuldades, a projeção de faturamento é de R$ 5 milhões em 2015, contra R$ 25 milhões em 2010 (quando a economia brasileira cresceu 7,5% e a inflação fechou o ano em 5,91%). Nesses últimos cinco anos, o empresário viu seu quadro de funcionários reduzir de 180 para 30.

Crédito da foto: Divulgação A energia elétrica mais cara é injeção de inflação na veia para o meu negócio.

— Erfides Bortolazzo

presidente da fabricante de válvulas industriais SMV

Lá vai o dólar. O efeito cambial, apesar de um pouco mais restrito, sacode toda a estrutura de custos dos segmentos dependentes de componentes importados. No setor de informática, eletrônicos e ópticos, por exemplo, chega a 56% a parcela de bens intermediários que vêm de fora, de acordo com as estatísticas da CNI.

“O repasse ao consumidor nesses setores é quase inevitável, mesmo numa situação de declínio no mercado consumidor”, afirma Julio Gomes de Almeida, ex-Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

O diretor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do grupo de pesquisa em Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ), David Kupfer, concorda. Ele avalia que, hoje, só o setor de serviços poderia absorver na margem de lucro esse aumento de custos. “A indústria, como um todo, está sem gordura nenhuma para queimar, já está com a rentabilidade baixa e, por isso, não há como não repassar”, observa.

O problema é que aumentar o preço de produtos em um quadro de contração econômica como o vivido hoje pelo País fica cada vez mais difícil. O empresário industrial Corrado Vallo, sócio da Omel Bombas e Compressores, que fabrica equipamentos de bombeamento – sobretudo para a indústria petroquímica – reclama que está vendo os custos da sua produção subirem dia após dia, mas que tem dado “até descontos” para conseguir vender.

‘Nem que a vaca tussa consigo repassar a alta de preços’, diz o empresário Corrado Vallo

“Os funcionários vão ter um aumento em torno de 10% esse ano, o preço da nossa matéria-prima (aço, ferro fundido e bronze) subiu por volta de 15% nos últimos meses, a conta de luz aumentou bastante e eu não consigo repassar isso para os preços nem que a vaca tussa”, relata.

Para cortar despesas, Vallo conta que trocou todas as lâmpadas de sua fábrica em Guarulhos, na Grande São Paulo, pelo modelo tipo LED, demitiu 50 funcionários (dos 189 que tinha), proibiu horas extras e “negocia exaustivamente” com os fornecedores. “Tenho 55 anos no ramo e não me lembro de uma situação tão difícil”, afirma o empresário ao se referir à dobradinha: queda de vendas (por conta da recessão) e aumento desenfreado dos custos.

Na porta da fábrica Índice de Preços ao Produtor Variacão em porcentagem ante mês imediatamente anterior

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VARIAÇÃO ACUMULADA EM 2015

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Fonte: IBGE

Analgésico da exportação. Apesar de encarecer os insumos importados, a disparada do dólar em relação ao real torna a produção nacional mais competitiva para a exportação. Isso acontece porque, comparado há um ano, o comprador de fora precisa de menos dólares para adquirir um mesmo produto brasileiro. A mudança cambial é uma boa notícia em um momento em que todos os segmentos da economia estão emperrados, mas os especialistas alertam que os benefícios são limitados.

O diretor do BricLab (centro de estudos sobre Brasil, Rússia, Índia e China) da Universidade de Columbia, em Nova York, Marcos Troyjo, explica que a desvalorização do real acaba por não compensar outros ‘fantasmas’ do setor industrial brasileiro, como a falta de acordos comerciais internacionais. “Infelizmente, o horizonte da indústria brasileira ficou muito resumido ao mercado interno. Muita gente pensa que com a depreciação cambial a indústria vai aumentar a exportação, mas o Brasil não costurou acesso privilegiado aos grandes mercados”, afirma Troyjo.

O economista Kupfer também ressalta que outros fatores pesam mais na situação atual do setor do que o patamar do câmbio. “Nas condições concretas de competitividade, capacidade de investimento e de apoio da política pública, não acredito que a exportação seja um alívio. É um analgésico, reduz a dor, mas não cura o problema”.

Ressabiada Evolução do Índice de Confiança da Indústria (ICI) em pontos

Fonte: FGV

Investimento. Para Troyjo, a mensagem que a inflação nesse patamar de dois dígitos passa para os empresários industriais é: não invista em seu negócio. Ele explica que a remuneração acaba sendo maior no mercado financeiro do que na “economia real”. “Há uma espécie de transposição dos recursos disponíveis no mundo da indústria para o mundo das finanças”, observa.

O segmento de máquinas e equipamentos, que fornece para o restante da indústria (e, portanto, acaba sendo um termômetro do investimento) acumula até outubro de 2015 uma queda de 9,1% no faturamento. Os dados são da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).

“Tudo o que o nosso setor produz e vende é investimento. Por definição, investimento é a primeira coisa que as empresas cortam ou seguram em épocas de recessão e incertezas”, diz Carlos Pastoriza, presidente da Abimaq.

Para piorar, a associação estima que cerca de 30% dos componentes usados no segmento de bens de capital são importados. E, por ora, não há indicação de que produtores nacionais possam suprir essa demanda.

“Nesse processo de dólar baixo dos últimos anos, os insumos nacionais diminuíram bastante a participação na produção industrial. Criaram-se buracos no tecido industrial brasileiro que vão demorar a ser retomados, se é que isso vai acontecer”, diz Pastoriza.

É preciso resgatar a estabilidade dos preços

Robson AndradePresidente da Confederação Nacional da Indústria

Os empresários acompanham com preocupação a permanência da inflação em nível além do tolerável.

Apesar do aumento dos juros, da desaceleração da produção, da queda do emprego e da perda da renda dos trabalhadores, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechará o ano com uma inflação próxima de dois dígitos.

Reflexo dos desequilíbrios da economia brasileira, o aumento constante dos preços pressiona os custos e tira a competitividade das indústrias. A sondagem industrial da CNI mostra que os preços dos insumos e da energia não param de subir e viraram uma fonte constante de preocupação para os empresários.

Em um ambiente de retração do consumo interno, a elevação dos custos acaba comprometendo as finanças das empresas e vira motivo de preocupação. Prova disso é que a insatisfação dos industriais com a situação financeira de suas empresas aumentou significativamente ao longo deste ano e alcançou o pior índice desde 2007, como mostra a sondagem industrial.

Além disso, a inflação alta alimenta as expectativas negativas e inibe os investimentos na produção. É por isso que o Brasil precisa criar, com urgência, as condições para o controle efetivo e duradouro dos preços. O caminho para o restabelecimento da estabilidade e a superação da crise atual passa, necessariamente, pelo ajuste das contas públicas.

A equação do problema fiscal brasileiro resgatará a confiança dos empresários, abrirá caminho para o controle dos preços e a queda dos juros, criando as condições necessárias ao investimento, ao crescimento econômico e à geração de empregos.