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Especialistas e moradores se dividem entre demolir elevado e transformá-lo em parque suspenso; Prefeitura prevê desativação

Por Mônica Reolom

Os 3,4 quilômetros de extensão do Elevado Costa e Silva, o Minhocão, na região central de São Paulo, sintetizam a polêmica de fechamento de vias para carros na cidade. Erguido há 44 anos, durante a gestão Paulo Maluf, o elevado traz discussões acerca de seu propósito desde aquela época. Em dezembro de 1970, o Estado publicou uma reportagem intitulada “Elevado, o triste futuro da avenida”, ressaltando a degradação que já se estabelecia ali.

“Depois de passar a euforia da novidade”, diz o texto, “os técnicos e urbanistas da cidade poderão analisar friamente o que foi feito de uma das maiores avenidas de São Paulo”. Dias antes da inauguração, em 25 de janeiro de 1971, o Estado voltou a questionar: “Quem diz que o Minhocão é útil?”

Sua eficiência está sendo debatida com intensidade renovada desde julho de 2014, quando o prefeito Fernando Haddad (PT) sancionou o Plano Diretor. Em três linhas, o artigo 375 do texto prevê que uma lei específica deve ser elaborada “determinando a gradual restrição ao transporte individual motorizado” no Minhocão e “definindo prazos até sua completa desativação como via de tráfego, sua demolição ou transformação, parcial ou integral, em parque”.

A desativação do elevado, segundo especialistas, passa por três questões: é viável fechá-lo? Se sim, é melhor repaginá-lo ou demoli-lo? E, por fim, o que acontecerá com quem já vive na região se o elevado deixar de existir para carros?

Entre os paulistanos, o fechamento não é uma unanimidade. “Eu gostaria que não desativasse. Estou tão acostumado a usar que não saberia para que lado ir”, diz Ubirajara Ribeiro Sodré, aposentado de 70 anos. “Vai ficar um caos embaixo se ele não existir mais”, diz o taxista Eder Aparecido, de 32. Já a aposentada Elca Cartum, de 89 anos, que mora em um apartamento no segundo andar de um prédio de frente para o elevado, diz que “ninguém quer” que continue como está. “Tem de tirar ou transformar em parque”, afirma.

Minhocão: 44 anos de polêmica

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A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) tem estudo que mostra que inativá-lo não influenciaria no trânsito da região. No horário de pico, são cerca de 6 mil veículos nos dois sentidos - 3 mil continuariam no eixo, ou seja, no entorno. “Esse volume seria praticamente todo absorvido hoje”, explica o superintendente de Planejamento e Projetos da CET, Ronaldo Tonobohn. “Essa ligação de longa distância leste-oeste, do ponto de vista prático de velocidade, é muito melhor se puder ser feita pela Marginal do Tietê.”

Segundo Tonobohn, com a ampliação da Marginal do Tietê, em 2010, parte das viagens que eram feitas pelo elevado migrou para a via expressa. “Se o Minhocão fosse excluído como via de tráfego, o impacto seria mínimo e tende a ser minimizado com o tempo em função de outros investimentos”, afirma. “O conceito de que o elevado pode ser destruído como sistema viário já está consolidado.”

Redistribuição. O engenheiro Horácio Augusto Figueira, especialista em Transportes, concorda que a diluição do trânsito será simples. “Qualquer faixa exclusiva de ônibus, como no corredor da Avenida Ibirapuera, transporta 8 mil pessoas por hora no horário de pico. Considerando que são entre 6 e 7 mil pessoas no Minhocão no horário de pico, o impacto em termos de redistribuição dessa demanda é perfeitamente cabível”, diz. Figueira propõe, no entanto, que a Prefeitura faça um teste em um dia útil para “acabar com a polêmica”.

Luiz Célio Bottura, engenheiro de tráfego, critica a falta de levantamentos mais detalhados da CET. Em junho e julho, a empresa municipal fechou o elevado por dois sábados para testar o fluxo de carros nos arredores e concluiu que não houve impacto significativo no trânsito. “Virada Cultural e feriado são dias atípicos. Quero ver testar em alguns sábados, não em um ou dois, em dias de semana, com chuva e com sol”, diz.

Bottura afirma que, embora seja favorável à desativação do Minhocão, as possibilidades de tirá-lo dali são “demoradas e onerosas”. “Tem de arrumar uma solução. Simplesmente em um passo de mágica eliminar uma via que tem 80 mil veículos por dia é arriscado. Teria de fazer uma remodelação do entorno”, afirma. Não há, hoje, estimativa de custos para uma eventual desativação do elevado.

Impacto

Fonte: Companhia de Engenharia de Trafêgo (CET)

Já João Sette Whitaker, professor de Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), inverte a lógica para fazer sua avaliação. “O colapso dos automóveis já existe há décadas. Nessa situação de absoluto colapso, ao abrir uma via aumenta-se a quantidade de carros imediatamente – como quando houve a ampliação da Marginal do Tietê – e, ao tirar uma via, como o Minhocão, o movimento automaticamente se dilui no resto da cidade”.

Transformação. A discussão sobre o futuro do Minhocão está sendo feita em audiências públicas promovidas pela Câmara Municipal e entre os moradores e frequentadores da região, que se dividem entre a possibilidade de demoli-lo e de transformá-lo em um parque suspenso.

Francisco Gomes Machado, um dos diretores do Movimento Desmonte do Minhocão, deseja que a estrutura seja desmantelada. “O Minhocão é uma aberração urbanística. Ele foi construído no meio de prédios residenciais e contra a legislação, que estabelecia 15 metros de distância dos imóveis. Tem locais em que a distância chega a cinco metros”, diz.

Noêmia Maria Correia Laranjeira, de 78 anos, comprou seu apartamento na Avenida São João em 1968. Dois anos depois, começaram a construir o elevado. “Quando eu me mudei, não sabia que iriam construir o Minhocão, foi horrível. Acordo com o nariz entupido de tanto pó”, diz. “Quando ele não existia, passava escola de samba, bonde, era uma região alegre. Precisa demolir”, afirma.

Um dos idealizadores da Associação Parque Minhocão, o engenheiro Athos Comolatti, tem outro ponto de vista. “A estrutura já mostrou a sua vocação como área de lazer. Para a Prefeitura, sempre foi uma via expressa com horário de funcionamento, mas virou área de lazer, e não foi por causa da nossa associação”, diz. “Quanto mais se falar nesse assunto, mais as pessoas se interessam. O movimento nos fins de semana tem aumentado. Abrir aos sábados, para nós, já é uma vitória”, diz. Desde 11 de julho, o elevado está bloqueado para veículos a partir das 15 horas de sábado - e só reabre na segunda-feira de manhã.

Mercado imobiliário espera por valorização da região

Outro debate que se abre com a transformação do elevado é o possível encarecimento dos imóveis da região a partir do momento em que ele for desativado.

O professor de Urbanismo da FAU João Sette Whitaker diz acreditar que esse deva ser o foco da Prefeitura ao fechar a via. “Quando retirar a estrutura ou virar parque, vai valorizar em duas, três, quatro vezes os imóveis na área e haverá uma expulsão forçada de uma população que aguentou 40 anos de gás carbônico na cabeça, o que seria muito injusto e promoveria uma nova elitização do centro, porque as pessoas voltariam a procurar lugar na periferia”, diz o professor.

Para Whitaker, a Prefeitura precisaria criar instrumentos para garantir o direito à permanência dos moradores e para conter a valorização exagerada.

O arquiteto e urbanista Valter Luis Caldana Junior, coordenador do Laboratório de Projetos e Políticas Públicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, um dos defensores da demolição, diz que é possível evitar a especulação imobiliária.

“A demolição gera necessariamente uma reorganização dos espaços públicos e privados da região. Isto é objeto de lei e o próprio Plano Diretor tem um instrumento chamado cota de solidariedade, que, se bem aplicado, garante um uso misto da cidade, não apenas do ponto de vista funcional, mas também socioeconômico e cultural”, diz.

ACERVO: VEJA COMO ERA SÃO PAULO SEM O MINHOCÃO

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