Haddad já tirou dos carros até 716 km nas vias da capital para ampliar faixas de ônibus à direita e criar rede de ciclovias
Por Bruno Ribeiro
Os carros perderam na gestão Fernando Haddad (PT) até 716 quilômetros de faixas de rolagem, onde já se arrastavam a uma velocidade média de 22,8 km/h, ao menos no horário de pico da manhã. O espaço foi entregue aos ônibus, que circulam mais lentamente ainda em toda a cidade, a 16 km/h no mesmo horário, e também às ciclovias, instaladas de forma a implementar uma rede de 400 km até o fim deste ano. As faixas exclusivas de ônibus, segregadas à direita, abocanharam 476 km das vias, enquanto as estruturas vermelhas para as bicicletas ficaram com cerca de 240 km.
As medidas, como política pública de mobilidade, foram intensificadas após as manifestações de junho de 2013, quando as ruas de São Paulo foram tomadas por passeatas e atos de vandalismo contra o aumento da tarifa dos coletivos e pela redução de R$ 3,20 para R$ 3. Com isso, a meta de implementar 150 km de faixas de ônibus no mandato do petista já foi superada.
Entre a opinião de técnicos contra e a favor às mudanças, o morador do centro expandido da capital se pergunta se ficará preso cada vez mais tempo dentro de seu carro ou se vale a pena se espremer no transporte coletivo.
“Fizeram a faixa de ônibus para dizer que instalaram, e só. Essa é a impressão que eu tenho. Para quem anda de carro há muito tempo aqui, a rotina piorou bastante”, diz o advogado Marcelo Doria, de 38 anos. Há um ano, ele passou a conviver com uma faixa para coletivos a menos de 50 metros da saída de seu condomínio, no Itaim-Bibi, zona sul da capital.
Com o novo equipamento nas Ruas Brigadeiro Haroldo Veloso e Tabapuã, Doria diz que o tempo do percurso até o trabalho, na Rua Estados Unidos, dobrou. O advogado conta que usa atalhos por ruas menores do bairro para chegar ao escritório onde trabalha e, assim, evitar congestionamentos. “A ideia de colocar o espaço só para o ônibus não é ruim, mas faltou vir aqui antes para ver e fazer melhor. Faltou pensar. Fizeram em duas semanas e na seguinte o ônibus já estava correndo.”
O consultor e arquiteto Flamínio Fishmann, ex-diretor da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), critica as faixas exclusivas de ônibus. “Sou favorável às faixas, mas há um arsenal de soluções. Elas deveriam ser adotadas de forma integrada a outras opções. No momento em que se cria uma meta, uma quantidade de faixas a criar com foco no marketing político, acaba se fazendo uma série de bobagens, instalando faixas em locais em que elas não seriam a solução mais adequada”, diz.
MAPA COMPLETO DO CENTRO EXPANDIDO
Eficiência. Em relação às ciclovias, as dúvidas sobre a eficiência da proposta começam com a forma como elas são implementadas. “A primeira diretriz para a construção de uma ciclovia é abrir rotas principais de ciclovias, identificando os principais pontos de destino das viagens, os locais de trabalho. E o primeiro critério para definir essas rotas é escolher vias que não sejam partilhadas com os veículos”, diz o professor de Engenharia de Transportes da Universidade Presbiteriana Mackenzie Paulo Bacaltchuck.
“O segundo critério é que essas vias sejam suficientemente diretas, que não deem muita volta até o destino final”, afirma o professor, que trabalhou por 12 anos no Departamento de Trânsito de Melbourne, na Austrália, onde participou da construção de ciclovias.
As diretrizes que ele aponta se mostram diferentes das que se veem em São Paulo. As ciclovias daqui estão nas artérias do centro. “As vias principais talvez sejam o caminho mais direto, mas o risco de acidente aumenta porque há um volume veicular maior”, explica.
A discussão sobre essa implementação, no entanto, se mostra menor diante de uma pergunta central: o quanto as ciclovias podem melhorar o trânsito? Fishmann diz que “pouco”.
“A última Pesquisa Origem Destino do Metrô (raio X das viagens diárias feitas na cidade, realizado em 2012) mostra, em linhas gerais, que as viagens são feitas, em um terço, a pé, um terço de carro e um terço de transporte coletivo. As bicicletas são 0,6%. Se você conseguir dobrar a quantidade de viagens com elas, ainda será muito pouco. O que é preciso é mais investimento em transporte público”, afirma.
As ciclovias de Haddad enfrentam críticas também de paulistanos. “Um dos problemas é estacionar. Qualquer invasão à ciclovia rende multas. Já tive clientes multados, e a gente fica sem saber o que dizer para eles. Há alguns anos, tinham colocado Zona Azul aqui, o que já nos prejudicou, porque espantou a clientela. Depois, veio essa ciclovia. Você pode ficar aqui três dias, vai ver quatro bicicletas passando”, diz o comerciante João Bosco, de 55 anos, dono de um armarinho na Rua Pavão, em Moema, zona sul da cidade.
Responsável pela instalação das ciclovias, o atual diretor de Planejamento da CET, Ronaldo Tonobohn, defende as escolhas que foram feitas dizendo que “a linearidade ou o tipo de conexão e atendimento que a ciclovia oferece ganha uma escala maior dentro da matriz de decisão do que a aclividade da via”. Ou seja: para a CET, uma rua que tem uma subida maior ou um tráfego de carros mais pesado pode receber uma ciclovia caso ela se mostre uma opção mais viável para a integração das demais ruas que também têm ciclovia.
Cidade. As mudanças na ocupação do sistema viário da cidade têm, como pano de fundo, políticas que incluem a instalação de redes Wi-Fi em praças, parklets na frente de estabelecimentos comerciais, food trucks e fechamento de ruas para o lazer, como o Elevado Costa e Silva - o Minhocão - e a Avenida Paulista. Todas elas incluem a forma como a Prefeitura pretende melhorar o convívio na cidade.
“Há até alguns anos, não se questionava falta de planejamento ao se criar a Avenida Água Espraiada (hoje Jornalista Roberto Marinho). Ela vinha ao encontro com uma política pública que se pensava desde a época do (prefeito) Prestes Maia”, diz a socióloga Monica Muniz Pinto de Carvalho, do Observatório das Metrópoles da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Pensava-se naquele futuro distópico, de viadutos sobre viadutos, como em um filme de ficção científica”, afirma.
“Em uma análise a distância, há de se pensar que as ciclovias democratizam o espaço”, diz Monica. “É uma política que promove a convergência de pessoas das mais diversas classes sociais. Vínhamos falando, até agora, da explosão de condomínios fechados, com, por exemplo, o Shopping Cidade Jardim, onde a pessoa mora, trabalha e consome, segregada da cidade por muros. A cidade é, na verdade, o lugar de convivência das pessoas”, afirma.
CICLOVIAS + FAIXAS DE ÔNIBUS + PARKLETS
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Transporte público. Atento às mudanças que acontecem na cidade, o mercado imobiliário apresenta dúvidas sobre as melhorias na qualidade de vida vindas com as novas formas de ocupar o espaço público. “Há uma distorção de conceito que é a seguinte: a gente está desestimulando o uso do automóvel por uma série de medidas em vez de estimular o uso do transporte público. Esse é um foco que a gente precisa ter na cabeça. Temos de virar as baterias para estimular o uso do transporte público”, diz o presidente do Sindicato da Habitação (Secovi), Claudio Bernardes.
Diferença de Desempenho
“Você pega como exemplo a Avenida Paulista, que tem uma ciclovia agora que é de fato uma ‘ciclovia’. O resto são faixas pintadas na rua, em muitos casos com buraco e raiz de árvore, que não são adequadas”, diz Bernardes. Ele avalia, porém, que outras mudanças induzidas por Haddad têm eficácia mais segura. “A questão do adensamento ao longo dos eixos de transporte é correto. Só que isso ainda não tem reflexo nenhum porque ainda não foi aprovado nenhum empreendimento. As pessoas já estão demandando isso? Não estão, porque nem sabem que existe. As empresas estão hoje tentando decodificar essas regras do novo Plano Diretor Estratégico em um produto imobiliário que seja palatável para o consumidor”, afirma. / COLABOROU MARCO ANTONIO CARVALHO
Comércio troca vagas para carros nas ruas por 67 minipraças
Por Bruno Ribeiro
Os carros perderam espaço também para os parklets, como são chamadas as minipraças que pipocaram pela cidade. Desde a metade de 2014, comerciantes, principalmente nas zonas sul, oeste e região central, têm optado por retirar ao menos duas vagas de estacionamento da frente de seus estabelecimentos para instalar ali os novos equipamentos de convivência da capital.
Já são 67 parklets em operação ou à espera de autorização de subprefeituras para serem montados, enquanto a cidade discute se as minipraças melhoram o convívio coletivo ou se são uma forma de os comerciantes se apropriarem do espaço público para aumentar o tamanho de seus estabelecimentos.
“É muito mais agradável você ter as pessoas sentadas nas mesas esperando a vez do que em pé, parados na frente de carros”, diz Exupério Silva Neto, o Zupa, proprietário do Consulado da Bahia, bar na esquina da Rua dos Pinheiros com a Mateus Grou, em Pinheiros, zona oeste.
Zupa conta que chegava a ter cem pessoas na fila de espera e que o parklet, que começou a funcionar há algumas semanas, o agradou bastante. Trouxe, porém, novas preocupações. “Já fui muito avisado sobre a fiscalização. Não é permitido servir os clientes nas mesas”, diz. “O que acontece é as pessoas pedirem a bebida no balcão, uma caipirinha. Mas isso não tenho como impedir”, afirma.
Os equipamentos chegam a custar R$ 30 mil. Há ao menos três empresas especializadas na cidade, cujos serviços incluem a obtenção das autorizações necessárias. Todos os custos para a montagem do parklet são de responsabilidade dos comerciantes.
Se por um lado os equipamentos estão surgindo porque houve a regulamentação por meio de uma legislação que libera suas instalações, por outro, as regras da Prefeitura acabam por frustrar parte do mercado. “Há exageros nas exigências feitas pela Prefeitura. O material tem de ser desmontável, tem metragens pré-determinadas”, diz o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, Percival Maricato. “Mas apoiamos a medida”, afirma.
“Os bares também não perdem vagas de estacionamento. O cliente pode parar próximo. Nem sempre quem estaciona na frente de um restaurante é quem vai entrar nele.”