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Acabou o Sossego

Zona Corredor aumenta potencial de verticalização dos Jardins e deve gerar mais trânsito em bairros residenciais

Por Edison Veiga

“Moradores contra o zoneamento na Rua Estados Unidos.” Afixadas em prédios residenciais em Cerqueira César, zona sul da capital, faixas com este texto são um exemplo de como os ânimos dos moradores de diversos bairros paulistanos estão acirrados por causa do Projeto de Lei 272/2015, proposta da gestão Fernando Haddad (PT) para reorganizar o zoneamento urbano de São Paulo. A minuta da lei tramita na Câmara Municipal desde junho e deverá ainda passar por 48 audiências públicas antes de seguir para a votação.

Entre os bairros residenciais, o ponto mais polêmico do “novo zoneamento” é a permissão, pela primeira vez, de Corredores Comerciais (ZCor) dentro de Zonas Estritamente Residenciais (ZER) - até o momento, estabelecimentos dessa natureza são liberados apenas em grandes vias que circundam esses bairros.

No caso da Rua Estados Unidos, limite entre o adensado Cerqueira César e os Jardins, onde só são permitidas residências unifamiliares, a polêmica ganha ainda outros contornos. Isto porque, desde 1972, ali foi prevista uma “zona de amortecimento” entre as duas áreas. Ou seja: há uma faixa virtual de 40 metros do lado “Cerqueira César” onde são vetadas, até hoje, construções acima de dois andares. Pela nova proposta em tramitação, este limite deixa de existir, devendo apenas ser respeitado o lote lindeiro - aquele cuja frente é para a Estados Unidos.

Logo, aqueles imóveis com saída para as vias laterais, ainda que dentro da margem dos 40 metros, estarão livres para receber novos espigões. “A Rua Estados Unidos, em seus 2,2 km, tem 18 quadras, então, em uma estimativa conservadora, estamos falando de 80 novos prédios em potencial”, diz a arquiteta Regina Monteiro, presidente do Instituto das Cidades e conselheira do Movimento Defenda São Paulo. “Seriam 160 mil metros a mais de área construída, em uma região já adensada.”

O caso da rua Estados unidos

Fonte: SAMORCC

Regina foi contratada pela Sociedade dos Amigos e Moradores do Bairro Cerqueira César (Samorcc) para avaliar o impacto que tal legislação teria na região. “Com o aumento dos carros, seria necessária uma hipotética quarta faixa (a via tem três) para manter os níveis de congestionamento atuais”, afirma a especialista. Isto porque passam hoje pela Estados Unidos, em média, 1,2 mil veículos por hora em cada uma das três faixas - e, de acordo com o estudo, a mudança de zoneamento acarretaria em um aumento de 400 carros por hora em cada faixa.

Trânsito já é problema para moradores da região. “Em horários de pico, a fila começa na garagem do meu prédio. Porque a Estados Unidos é escoadouro natural”, diz o empresário Luiz Eduardo Vieira D’Almeida, de 48 anos, morador há 12 de um edifício na paralela Rua Caconde.

Polêmica nos jardins

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No caso de D’Almeida, com o fim da faixa de proteção de 40 metros, o prejuízo estaria, literalmente, ao alcance dos olhos. “Todas as construtoras desses ‘últimos’ prédios de Cerqueira César venderam também a vista, é claro”, reconhece. E ele teme perdê-la. “Mas este é o menor dos problemas. Há uma questão ambiental, de infraestrutura mesmo: o bairro não suportará, com qualidade, uma mudança dessas.”

Sem estudo. “O que nos parece é que a proposta de lei foi encaminhada à Câmara sem um estudo técnico sério”, diz a fundadora e vice-presidente da Samorcc, Célia Marcondes. Não é uma queixa isolada, aliás. Discursos semelhantes são ouvidos por dirigentes de associações de diversos outros bairros, também contrários às mudanças no zoneamento.

“Queremos que o zoneamento fique como está”, diz o presidente da Associação dos Moradores e Amigos da Vila Paulista (Sovipa), Sérgio Reitzfeld. A transformação em ZCor mesmo de vias já, em certo ponto, comerciais, como a própria Estados Unidos, a Alameda Gabriel Monteiro da Silva ou a Rua Bento de Andrade, significaria, no entendimento desses dirigentes, um aumento maior de barulho, trânsito e problemas.

“Usos restritos como clínicas, escritórios pequenos e showrooms são suportados pelo bairro. Mas uma ZCor, ainda que no modelo mais restritivo, permitiria até um hotel ou um centro de convenções”, diz Reitzfeld. “As vias do entorno não seriam capazes de suportar o tráfego mais intenso e não haveria nem vagas de estacionamento.”

“Parece que uma mudança dessas só interessa a dois grupos: àqueles que têm imóveis nos bairros e pretendem dar a eles destinação comercial e aos que já estão operando irregularmente e verão a lei como uma espécie de anistia”, afirma o diretor executivo da Associação AME Jardins, João Maradei Júnior.

A rua Estados Unidos vai à guerra

Nova lei de zoneamento, em tramitação na Câmara, deixa moradores da região apreensivos

Tranquilidade. Para o morador D’Almeida, é importante manter a tranquilidade. “A Prefeitura diz que mais comércio trará vitalidade para o bairro, mas não precisamos disso, não queremos mais adensamento”, diz.

“Caso o projeto de lei seja aprovado nos termos em que se encontra, em poucos anos o bairro da Cidade Jardim ficará irreconhecível, totalmente descaracterizado. Será o fim do Cidade Jardim tal como o conhecemos hoje, um bairro residencial”, afirma o presidente da Sociedade Amigos da Cidade Jardim (SACJ), Marcelo Gatti Reis Lobo. “Toda a estrutura do bairro, água, luz, trânsito, tudo foi concebido para residencias unifamiliares. Se corredores comerciais forem criados no interior do bairro, em pouco tempo a situação se tornará inóspita.”

Metodologia ultrapassada. O arquiteto e urbanista Valter Luis Caldana Junior, coordenador do Laboratório de Projetos e Políticas Públicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, avalia que o projeto de lei de Haddad tem avanços, mas foi concebido sob uma metodologia ultrapassada. “É uma dicotomia grave entre forma e conteúdo. A lei avança no sentido de permitir novos usos para determinadas regiões. Porém, ainda se apoia em uma lista do que pode e do que não pode”, afirma. “Muito mais moderno e simples seria que os limites fossem determinados por meio de padrões objetivos de incomodidade.”

De acordo com essa ideia, cada região teria, preestabelecidos, os máximos permitidos de barulho, emissão de gases e potencial gerador de tráfego dos estabelecimentos, por exemplo. “Esses parâmetros dariam segurança ao morador da vizinhança, pouco importando quais atividades seriam realizadas em seu bairro.”

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