Jovem pinta uma roupa com tinta e pincel.
Joana Uchoa, de 22 anos, é uma das jovens adeptas ao consumo sustentável | Foto: Joana Uchoa/Arquivo Pessoal

Peças pouco sustentáveis perdem espaço no guarda-roupa dos jovens

Novas gerações estão cada vez mais atentas e preferem marcas que tenham responsabilidade social e ambiental, segundo pesquisa da Euromonitor

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Roupas feitas com trabalho escravo ou produzidas causando danos ao meio ambiente ficam fora das prateleiras de um número cada vez maior de jovens. São pessoas que procuram nas etiquetas bem mais do que a forma correta de lavar as peças: querem saber se elas foram feitas de forma sustentável, social e ambientalmente. Isso fica claro na últimas pesquisas do instituto internacional Euromonitor, divulgadas no início do ano, que mostraram que as gerações Y (millennials) e Z priorizam a compra de marcas éticas e transparentes.

“Não quero usar roupas que geraram sofrimento em outras pessoas”, diz a publicitária Raquel Luiza, de 26 anos, que não compra roupas de marcas que foram acusadas de trabalho escravo. Já a artesã Estella de Andrade, de 28, foi influenciada por uma amiga a consumir de forma mais sustentável, e preza por responsabilidade ambiental. “A gente não precisa de tantas coisas para viver, não é necessário comprar tanto.”

O consumo consciente é especialmente debatido no mundo da moda em decorrência dos conhecidos impactos causados pela indústria têxtil. O tingimento e o tratamento dos tecidos, por exemplo, responde por 20% da poluição industrial da água no mundo. O dado é da Fundação Ellen MacArthur, que promove o conceito de economia circular, em que se valoriza a reciclagem, a reutilização, a redução e a recuperação dos recursos.

Combater esses impactos nocivos está entre as metas do movimento global Fashion Revolution, criado na Inglaterra em 2013, após um acidente que matou mais de mil pessoas num prédio que abrigava diversas confecções em Bangladesh. “É preciso conscientizar sobre os impactos ambientais e sociais da cadeia da moda, exigir transparência e fomentar a sustentabilidade na moda”, diz a coordenadora do movimento no Brasil, Fernanda Simon.

O Fashion Revolution chegou ao País em 2014 e Fernanda diz que dessa época para cá ela sente bem a mudança de comportamento dos consumidores e das empresas. “Grandes varejistas estão revendo posicionamento e valores. E marcas começam já com essas raízes ecológicas ”, diz.

Para o professor do curso de Moda da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Marcos Andreoni, a revolução na moda também está ligada ao consumo mais consciente. “Um dos pilares é a ideia de reciclagem, de reuso, de upcycling, ou seja, como você ‘retransforma’ o material para que ele não impacte na natureza.”

Essa cultura da reciclagem entrou em cheio na vida da estudante Joana Uchoa, de 22, que há dois customiza e as pinta roupas que compra em brechó. “Dessa forma, não incentivamos a produção de tecidos e todos os impactos sócio-econômico-ambientais que esse mercado traz nas costas.”

Em seu Instagram, ela coloca informações sobre o assunto, incluindo indicações de brechó e textos com pesquisas sobre consumo. Assim, consegue impactar amigos e desconhecidos. “É a forma que uso para incentivar a cultura do brechó e da moda consciente.”

Comprar peças antigas e reutilizar tecidos também faz parte da rotina da fundadora da marca Think Blue Upcycled, Mirella Rodrigues, de 32. “Garimpo jeans em bazares, lavo, passo, tiro a costura e o molde, corto a peça e envio para a costureira”, diz Mirella, que depois vende sua produção em feiras de moda independentes no Rio, em multimarcas e no seu site. “Quis trabalhar com o jeans de maneira diferente, sem criar um tecido novo, pois sua produção já tem muito impacto. O processo de lavagem do jeans é muito pesado, faz mal para quem trabalha com isso.”

Trabalho escravo

Consumo consciente não significa só preocupação com poluição e recursos naturais. Os jovens também estão atentos às relações de trabalho no varejo e na indústria. “Todos já ouvimos escândalos em gigantes varejistas, principalmente na Ásia, com condições péssimas de trabalho e exploração infantil”, diz o professor Andreoni, da Faap.

No caso da moda, denúncias de trabalho análogo ao escravo nas confecções são comuns. Há inclusive um “lista suja”, divulgada pelo Ministério do Trabalho com empresas que submeteram funcionários a condições análogas à escravidão. Mas é preciso ficar de olho, principalmente nas grandes confecções. “Empresas grandes, que têm dinheiro para contratar excelentes profissionais da advocacia, muitas vezes conseguem protelar essa inclusão na lista suja até que ela prescreve e elas são necessariamente excluídas”, diz Ulisses de Carvalho, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) e vice-coordenador nacional do Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete).

Em 2013, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou uma lei de autoria do deputado estadual Carlos Bezerra (PSDB), que impede pessoas e empresas condenadas em segunda instância de exercerem o mesmo ramo de atividade e de entrarem com pedido de inscrição de nova empresa por dez anos. Segundo o deputado, em grandes centros urbanos, como São Paulo, uma das maiores incidências de trabalho em condição análoga à escravidão está na indústria têxtil. “Essa decisão sinaliza que não há mais espaço para esse tipo de exploração, que nós estamos trabalhando com outro patamar civilizatório de negócio, onde o lucro jamais vai ter mais valor que a vida humana”, concluiu o deputado.