Corredor de um dos prédios da Escola de Comunicação da UFRJ. O corredor é alto, de um prédio antigo. Ao fundo, duas estudantes caminham, de costas para a lente da câmera. Um estudante, um pouco mais a frente, está sentado num banco de madeira lendo. Outra pessoas mais ao fundo, mas pouco visíveis.
Só no primeiro semestre de 2017, cerca de 21 mil dos 154 mil alunos inscritos no Sisu se mudaram de região | Foto: Fabio Motta/Estadão

Passou, vazou: quando ser aprovado no Enem vira motivo para sair de casa

Em oito anos, pelo menos 130 mil jovens trocaram de Estado para estudar em faculdade pública, mas permanecem dependentes financeiramente da família

Matéria anterior Próxima matéria

Letícia trocou São Bernardo do Campo (SP) pela capital catarinense, Florianópolis. E Marina deixou a família em Vitória, no Espírito Santo, para viver em São Paulo. As duas têm origens e destinos diferentes, assim como são distintas as profissões que escolheram. Mas suas histórias se unem às de milhares de estudantes que todos os anos saem de casa para fazer uma universidade pública fora de seu Estado, graças ao Sistema de Seleção Unificado (Sisu). Só no primeiro semestre de 2017, o último dado disponível, o número chegou a 21 mil. Se essa possibilidade está em seus planos, melhor se preparar. Você vai ter de cuidar das contas e de outros detalhes que antes só ocupavam a cabeça da sua família.

Foi o que Letícia Silva, de 19 anos, acabou descobrindo. Aprovada na Universidade de Santa Catarina pelo Sisu, em 2016, ela precisou fazer a mudança em um momento que não era dos mais propícios para família: seu pai havia acabado de perder o emprego. No primeiro ano fora, ficou hospedada na casa de parentes em uma cidade próxima a Florianópolis.  Naquela época, ela calculava os gastos com transporte e alimentação, e seus pais enviam a quantia necessária. A família ainda ajudava com as contas da casa dos parentes.

Com a situação menos complicada na casa em São Bernardo do Campo, a estudante de Jornalismo pode novamente contar com apoio da família para alugar um apartamento com uma colega e arcar com as demais contas. Ainda conseguiu isenção de custos no restaurante da faculdade. “Depois que arranjei o estágio, no último ano, as contas do dia a dia ficaram mais leves.”

Para o planejador financeiro Jaques Cohen, da consultoria Laboratório do Valor, os jovens  adquirem mais responsabilidade financeira quando deixam a casa dos pais. “Sair de perto da família, por si só, é um momento marcante. Mas se preocupar em administrar uma casa, entre outras coisas, muda a vida financeira de um jovem.” Segundo Cohen, isso vale também para os que não geram receita — como é o caso de Letícia —, mas administram o dinheiro.

A estudante de Relações Públicas Marina Morena, de 19, encara diariamente esta realidade. São seus pais que enviam de Vitória (ES) os recursos que garantem sua permanência em São Paulo. O que não isenta a estudante da USP de pensar duas vezes no valor do dinheiro, toda vez que precisa comprar algo.  “Alimentação na cidade de São Paulo é muito mais cara, assim como o aluguel”, conta Marina. “Meus pais me ajudam, mas não posso sair gastando o dinheiro sem pensar.” Um esforço que, segundo ela, vale a pena para ter a formação da USP.

Em números

De 2010 até o ano passado, em todo o País pouco mais de 130 mil jovens trocaram de Estado para fazer uma graduação numa instituição pública. Só no primeiro semestre de 2017, cerca de 21 mil dos 154 mil alunos inscritos no Sisu se mudaram de região, o que corresponde a 13% do total. Isso sem considerar os estudantes que mudam de cidade. Os dados levantados pelo Ministério da Educação (MEC) a pedido do Estado levam em conta apenas o primeiro semestre de cada ano, quando o número de inscrições é maior. A mobilidade é pensada em relação ao Estado em que o aluno fez o Enem, não aquele em que nasceu.

Proporcionalmente, Santa Catarina é o Estado que mais recebe alunos de outros locais. No primeiro semestre de 2017, 37% dos universitários aprovados pelo Sisu vieram de fora. Em seguida, aparecem Tocantins (30%) e Paraná (28%).  Em números totais, a liderança do ranking fica com a Paraíba: 2,7 mil dos 12 mil alunos do Estado. São Paulo tem 10 mil matrículas, mas apenas 665 vieram de fora da região.

Mapa de calor mostra quais são os Estados que mais recebem estudantes de fora, proporcionalmente. Santa Catarina é o mais quente. Santa Catarina (37%), Tocantins (30%) e Paraná (28%) aparecem num tom mais forte de azul. Em último, em tons mais amenos, estão Pará (2%), Ceará (3%) e Rondônia (5%). São Paulo tem 7%.

A proporção baixa de estudantes de fora em São Paulo é uma constante desde 2010, quando o Sisu começou a ser adotado, assim como o número é alto desde aquele ano em Santa Catarina. A UFSC reserva 30% das vagas ao sistema, mas cada universidade adota o Sisu de forma diferente. Algumas nem participam da modalidade. No primeiro semestre de 2017, 100 instituições federais usaram em alguma proporção o SISU em sua seleção. Ao todo, são 107, sendo 63 universidades e 40 institutos. Há ainda as faculdades e centro universitários que completam esse número.

Para o pró-reitor de Assuntos Estudantis da UFSC, Pedro Luiz Manique Barreto, a opção dos estudantes pela instituição local tem a ver com as condições geográficas de Florianópolis, a capital — cidade turística composta, em parte, por uma ilha. “Santa Catarina é um Estado pequeno e com uma qualidade de vida alta. Isso também influencia”, analisa. Florianópolis tem o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as capitais: 0,847, em 2010, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ajuda do governo

Alunos de universidade pública ainda têm a opção de solicitar bolsa ou auxílio da instituição. Desde 2008, o governo intensificou as estratégias de permanência do estudante com o Programa de Assistência Estudantil (Pnaes), que destina às universidades recursos exclusivos para assistências como moradia estudantil, alimentação, transporte e saúde,  entre outros. Cada instituição tem autonomia para executar essas ações e priorizar determinadas demandas de seus alunos.

Em números absolutos, o investimento só faz crescer desde 2010: de R$ 307 milhões naquele ano, foi para R$ 957 milhões em 2018. Apesar disso, o pró-reitor de Assuntos Comunitários e Estudantis da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), João de Deus Mendes, diz que o número de estudantes que precisam de auxílio e não conseguem é alto. Segundo Mendes, com a lei das cotas e a crise financeira, a instituição tem aumentado a demanda por assistência num volume que os valores do Pnaes não acompanham.

“Mais estudantes das classes C, D e E entraram para a universidade nos últimos anos e a demanda por investimento só aumentou”, diz Mendes.  Barreto, da UFSC, segue na mesma linha: “Para solucionar o problema, tiramos do custeio para complementar a assistência”. Segundo o MEC, cada instituição tem autonomia para gerir seus valores e não há um estudo recente sobre o Pnaes em todas as universidades, informa a assessoria do ministério.

Gráfico compara o número de matriculados no SISU, de 2010 até 2017. No início, uma linha azul mostra o número total de matriculados: 33 mil. A linha vermelha mostra os estudantes que ficaram no próprio estado, 24 mil em 2010. E a linha amarela, dos estudantes que se mudaram, 8,5 mil em 2010. Em 2017, esses valores vão para, respectivamente: 154 mil, 133 mil e 21 mil.

A diferença em como as instituições gerem os auxílios foi percebida por Brenda Xavier, de 24 anos. Seis anos atrás, ela saiu do Espírito Santo para estudar no Rio de Janeiro. A Federal do seu Estado oferecia auxílio moradia, transporte, alimentação, auxílio material didático e auxílio educação infantil — cada modalidade com critérios para concessão e valores diferentes. Para moradia, por exemplo, seriam R$ 200 mensais. Quem consegue o auxílio de material didático recebe R$ 50 por mês.

Na UFRJ, onde Brenda foi estudar Letras, são oferecidos auxílio moradia e uma bolsa auxílio que inclui R$ 460 para despesas gerais, mais R$ 150 de vale-transporte. Essa bolsa é dividida para três públicos: geral; para quem tem filho; e para quem tem alguma deficiência. Todas as categorias têm um critério em comum: é preciso estar em fragilidade socioeconômica, o que é definido em decreto do Pnaes como renda bruta familiar per capita de no máximo 1,5 salário mínimo. Isso significa que, somados os salários de todos os membros da família e divididos pelo número de pessoas, o valor não pode passar de R$ 1,431 mil.

Brenda não preenchia esses critérios seis anos atrás. Mas conseguiu o Bilhete Único Universitário, que cede gratuidade no transporte público. Apesar da ajuda, o aluguel, a alimentação e outras despesas ficavam mesmo a cargo da família, que mora em Itapemirim (ES). Hoje, ela permanece equilibrando as contas, sem bolsa, como aluna de mestrado em Educação. “Não fossem meus pais, não teria como continuar estudando aqui”, diz.

Como pedir auxílio estudantil para universidades públicas

Programa de Assistência Estudantil (Pnaes)

O que é: Assistência à moradia estudantil, alimentação, transporte, saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e apoio pedagógico. As ações são executadas pela própria instituição de ensino.
Quem pode pedir: Os critérios de seleção levam em conta o perfil socioeconômico dos alunos e a realidade de cada instituição.
Caminho das pedras: Procurar pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis ou de Assistência Estudantil. Editais são abertos pelo menos uma vez ao ano. Cada edital pode pedir documentos diferentes, mas é preciso comprovação de renda, com contracheques da família e documentos com foto.

Programa de Bolsa Permanência – MEC

O que é: Auxílio financeiro equivalente ao praticado na política federal de concessão de bolsas de iniciação científica, de R$ 900. Não são as instituições que gerem esse Bolsa Permanência, mas o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. O recurso é pago diretamente ao estudante de graduação por meio de um cartão de benefício.
Quem pode pedir: Estudantes indígenas e quilombolas.
Caminho das pedras: Preencher o cadastro no sistema de gestão do programa Sistema de Gerenciamento de Bolsas. Há uma série de documentos que o MEC pede. O melhor caminho é ficar atento aos comunicados da própria universidade ou das entidades de representação do estudante. Saiba mais sobre o programa no site do Sistema de Gestão da Bolsa Permanência.

6 coisas que você precisa saber para começar a organizar seus gastos fora de casa

Para evitar surpresas ao sair de casa, a especialista em finanças comportamentais e professora do Ibmec, Paula Sauer aconselha ao jovem, antes de ir embora, tentar se inteirar de como funcionam as coisas do dia a dia relacionadas ao dinheiro. “É um aprendizado sofrido. Mesmo que o custo de viver sozinho não seja totalmente dele”, diz Paula. A especialista dá algumas dicas:

1. As despesas da casa serão a maior parte do seu gasto

Se na casa dos pais a preocupação de alguns pode ser só com os gastos da vida social e de pequenas compras, ir embora exige despesas fixas. Aluguel, condomínio e contas de água e luz estão entre os gastos que podem ocupar grande parte do orçamento.

2. Uma casa demanda despesas imprevistas

Morar sozinho implica lidar com manutenção da casa. Uma torneira pode quebrar de uma hora para outra. É válido ter uma reserva para arcar com eventuais imprevistos.

3. Alimentar-se fora de casa é muito caro

O custo de comer fora de casa pode não compensar a comodidade. Sempre será mais caro do que fazer a própria comida e levar uma marmita. Os restaurantes universitários costumam ser mais baratos do que as cantinas e redes de fast-food, pois são subsidiados pela própria universidade.

4. Usar aplicativos de viagem pode dar ilusão de pouco gasto

Usar aplicativos como Uber ou 99 para se locomover, pedir comida pelo celular, entre outras facilidades tecnológicas atreladas ao cartão de crédito podem fazer que com o jovem gaste sem perceber. Não espere ver o saldo só no final do mês.

5. Cartão de crédito não é complemento de renda

Pagar à vista sai mais barato. Usar cartão de crédito é prático, mas qualquer atraso no pagamento pode acarretar em juros exorbitantes. Para não correr esse risco, use o cartão de crédito só para questões de emergência.

6. As coisas em casa não caem do céu

Limpar a casa, lavar louça e as roupas, essas tarefas ficarão por sua conta fora da casa dos pais. Dependendo do orçamento, dá para contratar uma diarista, mas é um custo pesado e desnecessário. Nessas horas, você vai se lembrar das responsabilidades que tinha em casa, a mando dos pais. Ou ainda acha que a cama se arruma sozinha?