Para aprender a lidar com o dinheiro desde criancinha

Evento realizado no 'Estadão' debateu os desafios da implantação da educação financeira na grade curricular

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Regra de três, porcentagem, juros compostos. A aula de educação financeira não precisa necessariamente estar dentro do programa de matemática. Por isso, educadores e especialistas concluem que o ensino de como lidar com o dinheiro deve ser transversal, ou seja, envolver outras disciplinas, como geografia, história e o que mais os professores considerarem adequado. Mas aí surge um problema: como fazer com que um professor que vive com as contas no vermelho consiga repassar aos adolescentes o valor do planejamento financeiro? Esta foi a primeira questão colocada no debate “Vamos conversar sobre educação financeira?”, realizado no fim de junho, no auditório do Estadão.

O encontro reuniu aproximadamente 60 professores, de 35 escolas públicas e privadas da capital paulista. Também participaram da discussão especialistas em educação financeira, entidades ligadas ao tema, editores e escritores, entre eles a autora de livros infantis Ruth Rocha.

O evento foi uma iniciativa dos alunos do 8º Curso Estado de Jornalismo Econômico para tratar do ensino de educação financeira, que se tornou obrigatório nas escolas de ensino fundamental de todo o País desde dezembro de 2017, com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e agora deve entrar também no currículo também do ensino médio.

“Educação financeira é uma mudança de comportamento a longo prazo, o que demanda perenidade de ações. Quanto mais cedo inserirmos as crianças nessa mudança de comportamento, maior é a probabilidade de termos adultos mais conscientes no processo de decisão”, disse a superintendente da Associação de Educação Financeira do Brasil (AEF Brasil), Cláudia Forte, na abertura do debate, que teve mediação da repórter especial de Educação do Estadão e fundadora da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), Renata Cafardo.

Gabriela Bilo/Estadão – 28/06/2018Cláudia Forte está em pé no palco, em frente a um telão e segura um microfone. Veste blazer na cor bege, tem cabelos castanhos e compridos.
Cláudia Forte, da AEF Brasil, palestra na abertura do evento

O primeiro painel abordou a educação financeira como uma garantia de futuro para os jovens e as dificuldades da universalização do conteúdo num País marcado por desigualdade social. “Tornar o Brasil uma nação financeiramente educada passa pelas salas de aula. Como é que a gente quer fazer essa transformação se o próprio professor está superendividado, usando o cheque especial para conseguir manter as contas de sua família?”, questionou Cláudia.

O ensino do tema não deve se restringir a o que fazer com o dinheiro, na opinião de Fábio Araújo, do Departamento de Promoção da Cidadania Financeira (Depef) e da Divisão de Educação Financeira (Divef) do Banco Central. “Estamos falando também de sustentabilidade, de consumo consciente e de planejamento de sonhos”, afirmou, citando orientação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de que é importante começar cada vez mais cedo a falar sobre educação financeira nas escolas.

A abordagem do tema de forma interdisciplinar é outra preocupação dos educadores. A BNCC exige que a educação financeira seja tratada no currículo como um todo. Para Marisa Moreira Salles, diretora do blog Por quê? Economês em bom Português, o ensino pode estar atrelado às aulas de matemática, mas ir além, mostrar que a economia está presente no dia a dia e nas escolhas pessoais. “A questão é a linguagem. É preciso mudar a dinâmica da sala de aula. Ao invés de trazer teoria para a prática, levar a prática para a teoria, para criar uma cultura de ensino sobre dinheiro.”

A falta de conhecimento dos professores sobre o assunto foi debatida no segundo bloco do evento. Com programas implantados em mais de mil escolas do País, os educadores Reinaldo Domingos e Álvaro Modernell, ambos participantes da nova formulação da BNCC,  explicaram que o primeiro passo para ter um resultado efetivo do conteúdo é a aproximação do professor com o tema. Eles argumentaram que educação financeira pode ser tratada de forma lúdica e atrativa em sala de aula, a começar por um plano pedagógico integrado ao cotidiano de crianças e adolescentes.

Gabriela Bilo/Estadão – 28/06/2018A foto mostra parte do público que assiste a palestra de Álvaro Modernell. Esse está de pé, no palco, em frente a um telão. Veste calça bege e camisa xadrez.
Álvaro Modernell, da editora Mais Ativos, defende a aproximação do professor com o tema

Da plateia, chegaram questionamentos inclusive se essa obrigação não seria uma sobrecarga ao professor. Mas os estudos de caso apresentados no terceiro bloco do encontro dos colégios Ítaca e Cesar Martinez, ambos da capital paulista, mostraram o contrário. Ambos têm no currículo iniciativas ligadas à educação financeira, com resultados práticos. O Ítaca optou por uma disciplina mais ampla de introdução à economia, que trata desde contas públicas até planejamento pessoal. Na disciplina, os alunos do 3º ano do Ensino Médio têm o desafio de elaborar um orçamento semanal de suas despesas.

Já a Escola Estadual Cesar Martinez conta com parcerias de entidades do setor para implantar atividades na grade do Ensino Fundamental. Os seus alunos participaram de oficinas da Semana Nacional de Educação Financeira, evento anual promovido por iniciativa do  Comitê Nacional de Educação Financeira (Conef) para promover a Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef). Em sala de aula, o programa interdisciplinar aborda, por exemplo, como ler a fatura da conta de água de casa associada à escassez de recursos hídricos na cidade e no mundo.

Acesse o YouTube para assistir ao vídeo com audiodescrição que mostra a cobertura do evento ‘Vamos conversar sobre educação financeira?’.