O personagem Soluço, do filme Como Treinar Seu Dragão, ao lado do dragão Banguela
Em 2017, o Brasil registrou inflação acumulada de 2,95%, a menor taxa em quase 20 anos | Foto: DreamWorks Animation Brasil/Reprodução

O tal dragão brasileiro: inflação é mesmo algo negativo?

A temida figura que acabava com o salário de seus pais e avós, quando bem domesticada, pode ajudar no crescimento econômico de um país

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Nas fábulas, filmes e jogos, há sempre um dragão no meio do caminho. É o obstáculo maior a ser enfrentado pelos heróis, seja para mudar de fase, conquistar princesas ou restabelecer a paz nas histórias de fantasia. Por décadas, os brasileiros conviveram com um dos mais agressivos e catastróficos da espécie, o dragão da inflação – uma figura assustadora que corroía os salários e fazia com que um produto custasse hoje duas vezes mais caro do que custava ontem. Não é à toa que essa fera preocupa quando volta a frequentar o noticiário econômico do País.

Quase sempre associada a um problema, inflação significa uma elevação sustentada no nível geral de preços. Mexe, portanto, com a parte mais sensível do corpo humano: o bolso. O segredo é manter sob controle, explica o economista Márcio Holland, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). “Inflação controlada é algo positivo para o crescimento econômico. Nos índices atuais, cumpre um papel na retomada da economia”, diz ele. Em 2017, o Brasil registrou inflação acumulada de 2,95% segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi a menor taxa em quase 20 anos. “Isso melhora a previsibilidade para fazer investimentos em geral, dá mais estabilidade em vários resultados financeiros de vários investimentos de renda fixa e estimula muito os investimentos de longo prazo”, afirma Holland.

Acesse o YouTube para assistir ao vídeo com audiodescrição, no qual FHC fala sobre inflação no Brasil.

Uma taxa de inflação alta significa que os preços estão subindo mais rapidamente e, portanto, as pessoas tendem a gastar menos. Por outro lado, uma taxa de inflação baixa estimula o consumo, uma vez que os preços estão variando pouco. No Brasil, o desempenho da inflação é monitorado de perto pelo Banco Central (BC), que persegue metas anuais para a variação dos preços em equilíbrio com a atividade econômica no País. O BC tem instrumentos para adotar diversas medidas a fim de segurar ou estimular a economia e, dessa forma, modificar o comportamento da inflação. Esse conjunto de instrumentos compõe a política monetária. Basicamente, incluem elevar ou reduzir a taxa de juros ─ cobrada sobre compras a prazo mensalmente e usada para capitalizar investimentos ─, e regular a oferta de dinheiro na economia, com impacto na oferta de crédito pelos bancos e na decisão das pessoas de consumir ou poupar.

Hiperinflação

Mas qual é a origem do medo que os brasileiros têm da inflação? A resposta vem das décadas de 1980 e 1990, quando o País viveu uma hiperinflação – uma inflação elevadíssima e fora de controle, que corrói quase que instantaneamente o poder de compra dos consumidores ao provocar uma alta generalizada e contínua dos preços. O resultado disso é uma profunda crise econômica e uma desvalorização acentuada da moeda.

Durante esse período, a taxa de inflação chegou a superar 80% ao mês, ou seja, o preço de um mesmo produto praticamente dobrava de um mês para o outro e era reajustado diariamente ─ se não mais de uma vez no mesmo dia. Entre 1980 e 1989, a inflação média no Brasil foi de 233,5% ao ano, segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Nos dez anos seguintes, a variação anual subiu para 499,2%. “Com uma inflação que batia 80% ao mês, a empresa não conseguia calcular quanto iria receber. O tempo gasto para calcular e monitorar preço era maior do que o tempo gasto para tentar produzir. Era uma perda de produtividade gigantesca na economia”, diz o economista-chefe da gestora de recursos Western Asset, Adauto Lima. Foram vários planos econômicos para derrotar o dragão, finalmente controlado apenas em 1994 pelo Plano Real, liderado pelo então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso.

Se inflação acelerada é ruim para a economia, o oposto deve ser bom, certo? No caso da variação dos preços, os dois extremos devem ser evitados. A deflação, caracterizada por uma queda consistente no nível geral de preços, pode ter consequências até piores do que uma alta generalizada. Se o consumidor sabe que os preços amanhã serão menores do que hoje, tende a postergar o consumo, a economia não gira e o dinheiro não circula. “Com essa insegurança, os investimentos deixam de ser feitos, o custo da dívida fica gigantesco porque o faturamento cai, o consumo encolhe porque há uma insegurança muito grande”, explica Lima, da Western Asset.

Holland, da FGV, diz que o ideal é ter uma inflação baixa, não necessariamente igual a zero. “Mas também não no patamar de 4% ou 5% ao ano. Se a inflação é muito alta você vai perdendo seu poder de compra ao longo do tempo”, afirma o economista.