Um dos jardins do shopping Bal Harbour, um dos centros comerciais de luxo mais importantes dos Estados Unidos, em Miami. O jardim possui um lago no meio, onde há peixes. Diversas plantas e vasos estão dos lados do lago. Ao fundo é possível ver algumas lojas.
Bal Harbour Shops, em Miami (EUA): cidade recebeu 525 mil brasileiros no ano passado | Foto: Bal Harbour Shops/Divulgação

Marcas de alto luxo investem em peças descoladas para atrair millennials

Grifes se reinventam com coleções próprias ou em colaborações com designers que já fazem sucesso com os jovens

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De uma coisa você pode estar certo: o luxo nunca foi tão descolado. O famoso monograma da Louis Vuitton e a sola vermelha dos sapatos Louboutin agora podem ser vistos em jaquetas bomber, calças esportivas e tênis sem cadarço – bem mais adequados aos desejos dos jovens de hoje, que enxergam o luxo de forma diferente da de seus pais. Para os milllennials, ou geração Y, as palavras de ordem são conforto e praticidade.

De acordo com Luiza Loyola, da consultoria mundial de tendências WGSN, uma estratégia destas marcas é a exploração de lançamentos exclusivos. “Produtos hypados se tornaram símbolos de status, a moda urbana também se tornou um novo luxo”, diz. Mais exemplos disso não faltam, com cifras na etiqueta para provar. Uma calça de veludo fruto da parceria entre a tradicional marca francesa Lacoste e a americana descolada Supreme, queridinha dos skatistas, custa cerca de R$ 1.300 na internet. Já um moletom ostentando o nome da italiana Off-White, uma das que ajudaram a colocar o streetwear no cenário do alto-luxo, pode chegar a R$ 3.580.

O streetwear elevou à categoria de luxo itens que antes eram considerados básicos”, diz Luiza Loyola, da consultoria de tendências WGSN

A roupa como símbolo de status para os jovens não é um fenômeno novo, claro. Mas não há como negar que era muito mais fácil e barato ficar bacana nos anos 1970. Um ícone disso foi o tênis Conga, de lona simples, que todo mundo queria usar. Época em que o Brasil ainda não tinha o mercado totalmente aberto – o que só viria a acontecer 20 anos depois – e a maior parte das grandes marcas não estava por aqui. Luxo supremo, um All Star, só se você tivesse uma tia mais rica, que de vez em quando viajasse para o exterior. “O que mudou ao longo das últimas décadas, principalmente no Brasil, foi o acesso ao que vem de fora, além da profusão de tribos e subgrupos que veneram estilos e marcas específicos”, afirma o professor da PUC-RS André D’Angelo, autor de Precisar não Precisa.

Aliás, os tênis foram desde o início uma força expressiva da democratização do luxo. Carlos Ferreirinha, da consultoria especializada MCF, afirma que o acesso aos artigos  cresceu expressivamente quando as marcas transformaram os calçados em porta de entrada para este universo. “Anteriormente, os tênis não estavam nas vitrines. Essa mudança é importante para compreendermos a questão do acesso.”

As marcas tradicionais deste mercado já perceberam isso, realizando parcerias com marcas de nicho, facilitando o acesso aos seus produtos. Ferreirinha, que foi presidente da Louis Vuitton no Brasil, conta que a marca francesa fez também uma linha de produtos com a Supreme, marca de streetwear muito desejada por jovens.

Para Luiza, o luxo adquiriu um significado diferente do que no passado. Agora, é muito mais um tipo de comportamento urbano. “O streetwear elevou à categoria de luxo itens que antes eram considerados básicos”, explica. Não é mais só sobre o produto: a marca precisa ter um discurso alinhado à proposta das roupas.

Rolezinho de luxo

O preço não é o único fator para compreender esse fenômeno. A disponibilidade dos produtos também conta muito. “O Chanel nº 5 sempre foi a referência de perfume elegante, mas quando ele passa a ser vendido em lojas de departamento, por exemplo, torna-se mais acessível. O preço não mudou”, diz o consultor da MCF.

Se por um lado o acesso às marcas é mais fácil em função da disponibilidade dos produtos localmente, os preços ainda são inibidores para o consumo dos itens da categoria. Com o aumento expressivo do dólar em relação ao real nos últimos meses, fazer parte da tribo que pode ostentar as marcas ficou ainda mais complicado no Brasil.

Quem tem condições viaja ao exterior para driblar essa dificuldade, onde os produtos podem chegar a custar até 70% menos do que aqui, mesmo após a conversão dos valores para o real. Os outlets, os shoppings de desconto e as zonas francas são os destinos preferidos de quem viaja com o objetivo principal de fazer compras.

É o caso da estudante de moda Isabelli Lima de Paula, de 22 anos, que duas vezes por ano passa cerca de oito horas em um avião até Miami, nos Estados Unidos. O trajeto é religiosamente feito em março e setembro, meses nos quais as coleções da última estação estão em liquidação e as marcas já exibem os lançamentos da próxima temporada. “É assim que consigo manter o armário atualizado”, conta.

De acordo com o Greater Miami Convention & Visitors Bureau, em torno de 525 mil  brasileiros visitaram a cidade em 2017. “Não tenho frescura de assumir que vou a outlets. Vou tanto ao Sawgrass quanto ao Bal Harbour, porque aí a gente aumenta o leque de opções de todos os preços”, conta Isabelli, citando, respectivamente, um centro de compras de descontos a 60 quilômetros de Miami e um shopping de luxo na cidade.

Longe do eixo São Paulo-Miami, em Bagé, no interior do Rio Grande do Sul, o desejo de consumo faz jovens se deslocaram até Rivera, cidade uruguaia de fronteira, para frequentar os freeshops, que não cobram imposto sobre o valor das compras.

“São duas horinhas de carro até lá. Compensa muito porque, além dos preços serem mais atraentes do que em Porto Alegre, por exemplo, tem produtos que não encontramos na capital”, diz Cinthia Santos, estudante de pedagogia na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS).

Mesmo com grandes diferenças de padrão de vida e hábitos de consumo, muitas das marcas mencionadas por Isabelli também estão entre as eleitas por Cinthia como as prediletas, especialmente as de artigos esportivos. “A convergência de desejos por itens de luxo entre as classes sociais sempre existiu”, afirma Ferreirinha. “O que é novo é a profissionalização das marcas para democratizar o acesso a elas”.