Ter algum tipo de deficiência não é empecilho para fazer graduação, mas o caminho nem sempre é fácil. O País tem cerca de 8 milhões de universitários, apenas 0,4% com deficiência. Da existência de uma rampa até conteúdos acessíveis no site da faculdade, os desafios são velhos conhecidos desses estudantes. O que nem todos sabem é que para driblar as barreiras é possível se apoiar na lei e até em empréstimos bancários com juros mais baixos.
Desde o início de 2018, as universidades federais garantem cotas para pessoas com deficiência. Além disso, a Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015), exige que as instituições garantam recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva, desde que sejam solicitados com antecedência. Ou seja, o aluno com deficiência precisa informar exatamente o que precisa, seja um leitor de tela (que transforma textos em áudio) ou livros em braile. “A diretriz é ampla pois a demanda é gerada a partir da necessidade de cada candidato”, explica Rodrigo Hübner Mendes, educador, tetraplégico e fundador do Instituto Rodrigo Mendes, de programas de educação inclusiva.
E vale a pena insistir, conta Leonardo Gleison Ferreira, de 30 anos, que fez duas graduações diferentes. Na primeira, foram quase sete meses até que a Universidade Braz Cubas, em São Paulo, compreendesse o tipo de material de que ele precisava para participar do curso semipresencial de Análise de Sistemas. O estudante cego se recusou a realizar qualquer tarefa até que tudo fosse disponibilizado de maneira acessível. Depois de muita contestação, ele conseguiu o conteúdo, se formou sem repetir nenhum semestre e ainda cursou um MBA na mesma instituição.
Da segunda vez, Leonardo teve gastos extras para poder acompanhar o curso de Engenharia da Computação na Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), que iniciou neste primeiro semestre de 2018. “Mesmo na universidade pública, precisei comprar equipamento para entender melhor o conteúdo.” Ele adquiriu o Multiplano, que possibilita desenhar planos cartesianos e construir gráficos em alto-relevo.
Além disso, está discutindo com a Univesp a possibilidade de ter aulas presenciais para suprir dúvidas em algumas disciplinas. Mas, agora, o final parece mais animador: Leonardo sente que a faculdade vai oferecer o reforço escolar sem problemas.
Quando não se tem dinheiro para investir em equipamentos e as instituições educacionais não atendem a necessidade, é possível recorrer a linhas de créditos especiais de bancos. O Banco do Brasil, por exemplo, financia de R$ 70 a R$ 30 mil para itens que simplificam a comunicação, como os leitores de tela e programas que facilitam o entendimento por símbolos, mouses e teclados especiais. Desde 2012, o recurso já foi usado por cerca de 61 mil clientes com deficiência.
Opção semelhante está disponível no Bradesco. A linha CDC Acessibilidade permite financiar até 70% do valor do bem escolhido. Dentre os equipamentos estão máquinas de braile, aparelhos auditivos e computadores com softwares especiais. Há também como usar essa linha de crédito para ajudar a pagar adaptação de veículos, cadeira de rodas, próteses e aparelhos para a prática de esportes.
Barrados no site
Com Wesley Gamaliel, as dificuldades começaram no portal da faculdade. O problema era, aparentemente, simples: seu leitor de tela não conseguia identificar o botão de iniciar dos vídeos porque a programação do site não era acessível. Ele precisava de alguém para clicar no “play” a cada novo vídeo. “Se tenho de pedir para outra pessoa fazer, não é acessibilidade”, diz Wesley.
Uma das soluções da faculdade foi o envio de PDFs dos livros, o que não resolvia a falta de acesso às videoaulas. Em um segundo momento, o estudante pôde fazer download dos vídeos, mas eles vinham incompletos e com linguagem pouco descritiva, o que dificultava o aprendizado de Wesley. O caso foi parar na Justiça, pois na matrícula ele teve a garantia de que o curso a distância seria acessível. “A parte de gerar o boleto e pagar era realmente bem acessível”, ironiza.
O mesmo problema acontece nos portais das dez melhores universidades do Brasil listadas pelo Ministério da Educação (MEC). Para verificar o cumprimento da lei de inclusão, o Movimento Web Para Todos (WpT) fez uma análise desses sites. O resultado apontou que poucas instituições têm essa preocupação: 35% das páginas não se adaptam ao zoom amplificador de 200%, que facilita a navegação de pessoas com baixa visão. Além disso, apenas 22% trazem o conteúdo em imagem com textos alternativos e, mesmo assim, 78% deles precisam de adaptações.
A saída é reclamar. As representações formais de pessoas com deficiência que não conseguem acessar os espaços ou os conteúdos didáticos das universidades chegam, em média, uma vez ao mês para o Ministério Público Federal (MPF). Do início de 2015 até julho deste ano foram feitas 57 denúncias. De acordo com o Procurador do MPF Fabiano de Moraes, o aumento dos registros está relacionado com a maior presença de pessoas com deficiência na Educação Superior, por causa das cotas.
No primeiro semestre deste ano, o MPF já recebeu nove reclamações por falta de acessibilidade nas faculdades – mais do que no ano passado inteiro, que somou oito representações. “Não havia preocupação tão grande em tornar o ambiente acessível para todos. Agora, por causa dessa política, começa a haver uma preocupação um pouco maior em relação aos aspectos para os quais nem se atentavam”, afirma o procurador.
Os Núcleos de Acessibilidade, garantidos pelo Programa Incluir do Ministério da Educação, são uma tentativa de adequar as faculdades aos parâmetros previstos em lei e à necessidade de cada estudante. Na Universidade Federal do ABC (UFABC), considerada referência na área, são 220 alunos com deficiência matriculados que ingressaram pelas cotas e pela concorrência tradicional.
“Uma bandeira que levantamos é a transversalidade. O núcleo deve ser articulador”, comenta Priscila Benitez, docente de Educação Inclusiva na UFABC. A transversalidade diz respeito à necessidade de acessibilidade em todas as instâncias – e não apenas em assuntos específicos, como a conversão de um PDF ou a presença de um intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais) em sala de aula. Há planos educacionais individualizados e disponibilidade de tecnologias assistivas.
Para Priscila, é preciso ir além de resolver problemas pontuais, como a mudança de salas para locais próximos aos elevadores. “É importante que haja investimento em profissionais capacitados para pensar de maneira estratégica a acessibilidade”, conclui.