Placa mistura figuras masculina e feminina para mostrar que qualquer pessoa pode usar o banheiro.
Placa em porta de banheiro de startup da cidade de São Paulo não diferencia gênero | Foto: Amanda Perobelli/Estadão - 23/2/2018

Jovens de minorias dão cara nova ao empreendedorismo

Muitos contam com apoio de consultorias especializadas para montar seus negócios, seja como atividade principal ou complemento de renda

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Uns chegaram a trabalhar com carteira assinada. Outros partiram direto para montar o negócio. Seja por vocação empreendedora ou para se livrar das oscilações do mercado de trabalho, investir em uma empresa para chamar de sua vem sendo alternativa adotada por vários jovens – entre eles, mulheres, negros e LGBTs. Neste caminho, contam com consultorias como as do Sebrae e também outras especializadas em tirar algumas pedras do caminho de quem pertence a uma dessas minorias.

Quem percorreu esta trilha foi a paulistana Michele Fernandes, há cinco anos dona da loja virtual Boutique de Krioula. A ideia surgiu quando ela se desligou do escritório de arquitetura em que trabalhava como auxiliar administrativa. “Nem pensei em procurar emprego mais, decidi seguir com minha loja”, conta Michele, hoje com 34 anos. “As pessoas ficavam me perguntando onde eu encontrava aquelas peças e notei que havia um interesse muito grande por produtos como os turbantes que eu fazia.”

Foi no Instituto Feira Preta, dedicado ao empreendedorismo negro, que Michele conseguiu informações primordiais para seu negócio. A começar pela forma de cuidar do fluxo de caixa, por exemplo. Além de ajudar com as informações técnicas, o instituto serviu de espaço para que ela mostrasse seus produtos. Hoje, ela vive unicamente da empresa.

Foto: Célio Campos/Arquivo – 17/7/2018Michele Fernandes, mulher negra, posa para foto ao lado de peças de roupas e acessórios criados e confeccionados por ela mesma. Entre eles, turbantes, brincos e pulseiras.
Michele abriu a Boutique de Krioula ao notar interesse por peças que criava para si

Algo que por enquanto é apenas uma possibilidade para os sócios Pedro Maia e Roni Eri, ambos com 25 anos, donos da Loja Mãos Dadas. No início, eles tinham juntos uma página no Facebook , na qual comentavam temas de interesse da comunidade LGBT, e passaram a fazer camisetas com slogans que davam suporte às causas que defendiam. Foi o sucesso da venda das blusas que fez surgir a loja virtual. Você pode ver mais detalhes na loja de Michele no Facebook.

“Hoje, a gente vende produtos ligados ao público LGBT e a página é que serve de apoio e meio de divulgação dos produtos”, diz o publicitário Pedro, que se mudou do Rio para São Paulo a trabalho e espera alcançar um patamar em que possa tocar apenas sua marca. “Por enquanto, tem funcionado bem como projeto paralelo, mas no longo prazo ela talvez possa ser nossa principal fonte de renda.”

Não há uma pesquisa que mostre exatamente o número dos empreendedores jovens que fazem parte de minorias, nem se o volume de negócios abertos por eles está aumentando. Mas dados da última pesquisa Monitor Global de Empreendedorismo (GEM, na sigla em inglês), realizada no País em  2017, informam que as duas faixas etárias mais ativas na criação de negócios são as de jovens brasileiros de 25 a 34 anos (30,5% do total da população dessa idade são empreendedores) e as dos que estão entre 18 a 24 anos (20,3%). No Brasil, a pesquisa é feita pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade, com apoio do Sebrae. O mesmo estudo indica que as mulheres são as que mais criam negócios, muito embora a taxa de mortalidade desses empreendimentos seja maior.

Especialistas afirmam que antes de empreender é preciso estudar o mercado e se preparar para enfrentar essa nova etapa. E saber que o caminho não é fácil. “O empreendedor mais jovem tem dificuldade em planejar e estruturar o negócio, por ser imediatista”, diz a consultora do Sebrae Ariadne Mecate. “É preciso que entendam os passos a seguir e se o modelo de negócio está correto. É necessário ter calma e avaliar constantemente o que se está fazendo.”

Este tipo de cautela é adotada pelo paulistano Cairê Rosário, de 24. Desde a faculdade, ele se prepara para ter um negócio. A proposta da startup que ele vem montando nos últimos cinco anos é ajudar o setor têxtil a fazer produtos mais personalizados. Nesta empreitada, ele conta com auxílio da Black Rocks, consultoria que presta assistência a jovens empreendedores negros. Cairê recebeu apoio para elaborar o plano de negócios e planejar os próximos passos de sua startup.

Uma das barreiras é o financiamento, que ainda engatinha nessa fase do projeto, mas o jovem está otimista com o futuro de sua ideia. “Eu já conversei com o Senai, porque meu projeto é voltado à indústria,  e também com o BNDES, mas ainda preciso preencher alguns pré-requisitos para ter acesso ao financiamento.”

A situação dos jovens no mercado de trabalho tradicional não é das mais simples. Se 13% dos trabalhadores estão desempregados, entre os jovens de 18 e 24 a desocupação chega a 28% do total de pessoas que estão na idade de trabalhar, de acordo com dados do IBGE no primeiro trimestre de 2018. Esse fato também pode estar levando os mais jovens a empreender.

Um empurrãozinho vai bem

No mercado de trabalho tradicional, a questão da diversidade vem sendo tratada de forma mais aberta por várias empresas, que chegam a procurar consultorias especializadas quando querem preencher suas vagas. A Empregueafro, por exemplo, trabalha com a inserção de negros no mercado de trabalho há 18 anos. A fundadora, Patrícia Santos, é pedagoga e desenvolveu os processos da empresa baseando-se em sua própria experiência.

De acordo com Patrícia, as primeiras tentativas de inserção foram pouco proveitosas por falta de preparo das empresas. “As pessoas que eram recolocadas acabavam desistindo da vaga ao esbarrar com o preconceito nas empresas”, conta. “Por essa razão, começamos a trabalhar com as empresas e mudamos o foco, para explicar o que é a diversidade dentro do ambiente corporativo.”

Partindo da mesma premissa, o consultor de diversidade Ricardo Sales criou a Mais Diversidade, tendo como foco a comunidade LGBT. Estudioso do tema há mais de dez anos, ele divide sua carreira acadêmica com a profissional, com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre o tema e levar a discussão sobre diversidade mais adiante. “Algumas empresas, por exemplo, precisam revisar suas políticas de benefícios, análise dos processos seletivos, capacitação de lideranças, revisar processos de comunicação e marketing e criação de produtos”, afirmou.