Uma jovem observa um cofrinho em forma de porco.
Você é como ela? Psicólogo Miguel Perosa (PUC-SP) fala em conservadorismo e medo da imprevisibilidade | Foto: Luxstorm/Pixabay

Geração poupança: você não é o único que tem medo de arriscar sua grana

Quem está na faixa dos 20 poucos anos tem perfil conservador na hora de investir, explicam os especialistas em finanças

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Você não é o único que sofre bullying quando diz que coloca dinheiro na poupança. E também não é o único que continua com o dinheiro na poupança mesmo assim. Para além da teimosia e da possível falta de informação sobre investimentos – há alguns de pouco risco com rendimento maior -, existe um componente aí que é geracional: os nascidos entre 1995 e 2010 têm perfil bastante conservador ao lidar com dinheiro.

É a chamada Geração Z, com até vinte e poucos anos, que já nasceu conectada à web e tem um comportamento diferente com dinheiro e com o trabalho. Mas os especialistas em finanças diriam que o conservadorismo nos investimentos é uma pena diante do cenário macroeconômico de oportunidades inéditas de aplicações, inclusive em renda variável, com um pouco mais de risco. Isso se seus pais já não tiverem dito.

“O jovem brasileiro é menos afeito a muitas opções. Eu caracterizo o comportamento de consumo e investimento dessa geração como, notadamente, de renda fixa”, afirma Flávio Morais, gerente-executivo de Inovação e Projetos para Pessoas Físicas do Banco do Brasil. Na instituição, o investimento mais popular entre os clientes na faixa dos 16 aos 25 anos ainda é a velha poupança, acredite se quiser. Depois, vêm produtos de fixa, como letras de crédito (basicamente LCA e LCI), depósito a prazo, previdência privada.

No Next, o banco digital do Bradesco, que é voltado justamente para o público mais jovem, a tendência é a mesma. “É a geração do compartilhamento, do consumo consciente. Então, eles não querem pôr o patrimônio em risco, porque sabem o quanto é difícil juntar e guardar todo aquele dinheiro no dia-a-dia”, diz o superintendente executivo do Next, Jeferson Honorato.

Essa dificuldade de conquistar e preservar patrimônio é ainda maior por causa das incertezas dessa geração – tanto pelas dificuldades que o País vive como pelas mudanças no mercado de trabalho. No primeiro trimestre de 2018, o índice geral de desocupados do Brasil era de 13,1% da população economicamente ativa. Mas para quem tem entre 14 e 17 anos, o mesmo índice foi de 43,6% e na faixa de 18 a 24 anos, de 28,1%. Ou seja, nesses dois grupos o porcentual é mais do que o dobro de desocupados na população em geral. Os dados são do IBGE.

Como somos?

Olhe para as suas mãos. As unhas estão roídas? Se estiverem, não se sinta sozinho. Mais da metade da geração (55%) se classifica como ansiosa e teme fazer a escolha errada de carreira, segundo pesquisa sobre a geração Z da Consumoteca. “Como são filhos da geração dos millenials e da geração X, em geral, eles foram muito planejados. A ideia de projeto para o filho nasceu quando eles estavam na barriga da mãe. Tudo foi planejado, desde a escola em que iam estudar. A cobrança começa em casa”, afirmou Michel Alcoforado, antropólogo e sócio-fundador da Consumoteca. Parece familiar?

Os brasileiros de até 21 anos formam a faixa etária que mais se encaixa na categoria “Planejador”, de acordo com pesquisa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Para eles, uma das principais metas é ganhar e guardar dinheiro. Entre os planejadores, perfil formado 62% por jovens, a frase mais comum é “guardar dinheiro é um compromisso, já reservo uma parte assim que entra na conta”, segundo o estudo.

A educadora física Izabela Fernandes, de 24 anos, se encaixa bem na descrição. Ela guarda dinheiro mensalmente na poupança e já conseguiu até usá-lo para dar entrada em um apartamento. Izabela é uma das muitas jovens que optam pela segurança da renda fixa em detrimento da possibilidade de ganhar mais. “Uso a poupança pela praticidade, mas também porque nunca me preocupei em fazer meu dinheiro render, e sim em guardá-lo”, diz ela, que tem o objetivo de depositar R$ 500 na poupança a cada mês.

Sua geração sofre mais pressão para dar certo. “Eles estão atrás da vida de sucesso que veem nas redes sociais. O parâmetro de sucesso deles é muito diferente. Querem ganhar dinheiro rápido e bombar nas redes sociais”, diz Alcoforado. “Então, há uma dupla cobrança: dos pais em casa e da sociedade que elevou a barra do que é uma vida de sucesso.” Alguns dos principais ídolos desse grupo são Anitta, Neymar e Bruna Marquezine, cita o antropólogo.

O psicólogo comportamental Miguel Perosa, professor da PUC-SP, especializado em jovens e adolescentes, vê em seus alunos a tendência ao conservadorismo e ao medo da imprevisibilidade. “Eu acho que a minha geração, que frequentou a universidade por volta da década de 1970, foi uma das últimas que tinham mais ou menos um futuro assegurado. Nossos filhos ou netos não têm essa garantia, é muito comum que fiquem muito tempo morando com os pais porque não têm condições sequer de ter uma casa alugada.”

De fato, os jovens demoram mais para arrumar um emprego, saem menos com os pais e demoram mais para começar a dirigir e a beber, segundo uma pesquisa dos psicólogos Jean Twenge e Heejung Park (respectivamente da San Diego State University e do Bryn Mawr College, ambos nos EUA), com participação de mais de 8 milhões de jovens dos Estados Unidos, realizada de 1976 a 2016 e publicada no periódico científico “Child Development”. Parece que somos mais caretas do que imaginávamos.

Um estudo da consultoria Nielsen (disponível em PDF no site da empresa), realizado com usuários de internet em 60 países mostrou que os nascidos entre 1995 e 2000 eram os que mais economizavam dinheiro mensalmente. No total, 79% afirmaram que poupavam dinheiro o suficiente todos os meses. Ele aponta também que um terço dos entrevistados da Geração Z (32%) e da Geração Y (34%) são considerados “muito espertos”, apesar da pouca idade, em relação à economia de seu futuro financeiro. “No entanto, aproximadamente metade precisa de algum tipo de auxílio para saber o que fazer com seu dinheiro, uma vez que não estão confiantes em suas estratégias de economia.”

Até o fim de junho de 2018, das 710.883 pessoas físicas que investiam na bolsa, 26.243 tinham até 25 anos, 3,7% do total, conforme dados da B3. De acordo com o IBGE, no primeiro trimestre de 2018, a população de até 24 anos representava 36% do total de brasileiros – o índice é quase dez vezes maior do que a proporção de investidores da bolsa dessa idade.

Por que somos assim?

No que diz respeito a aplicações, esse conservadorismo pode vir dos seus pais. As gerações anteriores estavam acostumadas com dívidas e juros altos, inclusive os nascidos nas décadas de 1960 e 1970, que formam a maioria dos pais da Geração Z.

Nas décadas de 1980 e início de 1990, os índices de inflação seriam considerados irreais hoje – o mais baixo desse período foi de 16,27%, em 1973. Em 1980, a inflação chegou a 110%. São os anos em que os antecessores da Geração Z estavam investindo e trabalhando. No início dos anos 1990, a inflação explodiu e, em 1993, o IPCA chegou a subir 2.477%. A situação só se estabilizou depois do Plano Real, em 1994.

grafico-inflacao-1995-2017Gráfico com a inflação do Brasil entre 1995 e 2017. Os picos são em 2002 e 2015. Desde 2015, a inflação vem caindo no Brasil
A inflação no Brasil está em queda desde 2015. Fonte: IBGE

Nesse cenário, a renda fixa era a regra, porque a taxa de juros era elevada – o que significava que o retorno dos títulos públicos ficava também muito alto. Por outro lado, o mercado de capitais brasileiro era pouco desenvolvido. Então, faltavam alternativas de investimento. “Só depois da estabilização monetária, em 1994, é que se começou a estudar opções de investimento. Até meados de 1990, a luta era manter o patrimônio das famílias”, afirma Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim. Ele cita um “certo atraso institucional” que o País vivia. “Nos anos 1980 e 1990, o Banco Central não tinha uma política bem especificada para estabilidade macroeconômica, os instrumentos eram frágeis, não havia controles na política fiscal. A inflação gerava uma profunda imprevisibilidade.” Como não havia confiança na moeda, as pessoas – como seus pais e avós – buscavam proteção em ativos reais, como carro, ouro, boi, imóveis e até telefone. Sim, telefone, aquele antigão, fixo, que era bem caro, coisa de US$ 4 mil, com espera de até três anos para ser sorteado pela operadora.

“Acho que a tendência é que o mercado de capitais se desenvolva mais, porque nesse período recente, principalmente entre 2006 e 2014, tivemos um populismo econômico que gerou instabilidade macroeconômica e inibiu esse mercado”, diz Padovani. Desde 2015, temos o resgate da gestão macro, que gera previsibilidade macroeconômica e, quanto mais previsível, mais se alongam os prazos de investimentos, resume. E, assim, estimula-se investimentos financeiros, inclusive no mercado de capitais. Ou seja: quando se tiver uma ideia clara de para onde vai o Brasil, vai ser mais fácil aceitar fazer investimentos de longo prazo e mais arriscados, como na bolsa de valores.

Até pouco tempo atrás, com a elevada taxa básica de juros – a Selic era de 14% ao fim de 2016 e depois começou a cair -, a opção de investir em renda fixa era óbvia. Hoje, com a Selic em 6,5% ao ano, o rendimento é menor, mas ainda é considerado alto para padrões mundiais. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa básica da economia, os Fed Funds, ficam entre 1,75% e 2% ao ano.

E daqui para frente?

Agora, a dúvida é se o cenário vai se manter assim, com os nossos juros e inflação em baixa. Os economistas dizem que, para a situação não piorar, é preciso tomar algumas medidas, principalmente resolver o problema fiscal (o governo brasileiro gasta muito mais do que arrecada). “Vemos que o gasto público do governo federal segue crescendo em termos reais (além da inflação) e, desse gasto, a maior parte do crescimento está ligada aos benefícios previdenciários”, afirma Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Outro fator importante é a eleição presidencial. Como não se sabe se o próximo presidente vai ser sensato na condução da economia, há muito medo de se investir em ativos de mais risco no País. “O Brasil tem uma carga tributária muito alta, um problema fiscal muito sério e instabilidade política. Para complicar, há dúvida de quem será o próximo presidente”, resume Alexandre Póvoa, presidente da Canepa Asset Brasil, empresa de gestão de fundos.

Veja se você também é conservador

Resultados

Maioria A – Conservador
Você tem tendência a correr menos riscos. Costuma investir em ativos com menos potencial de se valorizarem – mas também com menos chances de perderem valor.

Maioria B – Moderado cauteloso
Seus investimentos não são tão conservadores, mas você também não está tão disposto a se arriscar.

Maioria C – Moderado ousado
Você não chega a ser arrojado, mas pode correr mais riscos do que a maioria. Mesmo assim, tem tendências a se prevenir contra grandes perdas.

Maioria D – Arrojado
Você não tem medo de correr riscos – está disposto a, talvez, perder muito, desde que também haja a possibilidade de ganhar bastante.