Entre grades cinzas, um gato com pelos brancos e alaranjados olha para a câmera.
Amparo a animais está entre as principais boas causas defendidas pelos jovens | Foto: Mauricio Barbieri/Estadão - 28/06/01

De uma boa ideia ao desafio de gerenciar e manter uma ONG

É preciso ter planejamento para conciliar as causas sociais com a necessidade de cuidar dos recursos de uma instituição

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Beatriz Martins descobriu que queria ajudar crianças – e isso quando ela própria tinha 6 anos. Enquanto Amanda Novais, apaixonada por animais, leva cuidados a gatos de rua de São Paulo. Em comum, as duas têm mais que a clareza das causas que escolheram defender. Ambas criaram projetos aos quais dedicam tempo e recursos próprios, além das doações que recebem.

Com 18 anos, Beatriz ainda conta com alguns meses pela frente para decidir se vai ser relações públicas ou jornalista. Mas tem uma certeza: quer que a graduação ajude a aprimorar o trabalho da organização que montou, a Olhar de Bia. “A minha história e a da ONG são a mesma”, justifica. E não é exagero.

A iniciativa surgiu em 2006, quando Bia resolveu juntar balas para distribuir a meninos e meninas carentes de Guarulhos, onde mora. Com o incentivo da família, seguiu em frente. No Natal daquele ano, reuniu parentes e vizinhos para entregar alimentos e brinquedos para mais de 10 mil crianças. Ação que se repetiu na Páscoa seguinte, com mais de 2 mil pessoas beneficiadas.

As duas Bias (física e jurídica) cresceram juntas, bem como os desafios para manter a ONG. No sufoco para seguir com o projeto, a família dela já deixou de pagar as contas de luz e de água para manter o trabalho nos trilhos. “Todas as dificuldades que passamos serviram para formar meu caráter”, diz a jovem. Hoje, a organização se sustenta sozinha, com apoio das empresas GP Result e Vegus Construtora, e com doações recebidas pelo site da Olhar de Bia.

Algo que ainda é uma batalha para a estudante de veterinária Amanda Novais, de 20. Ela é uma das fundadoras do projeto voluntário Castralinos, criado em março de 2018 para castrar gatos abandonados e diminuir a população dos animais nas ruas. E os custos são altos: é preciso ter comida, carro com gasolina e veterinário profissional para realizar a cirurgia. Isso além de gatoeira e caixa de transporte para os animais.

“Chegamos a dever R$ 4 mil à clínica veterinária” – Amanda Novais, 20 anos

“A gente só consegue fazer isso com o dinheiro vindo de doações e rifas”, diz Amanda. Mas o valor levantado muitas vezes não é suficiente. Ela e as duas outras fundadoras do Castralinos tiram do próprio bolso para fazer as castrações, com preço fechado de R$ 70 por gato. As dívidas já se acumulam. “Chegamos a dever R$ 4 mil à clínica veterinária”, conta, referindo-se ao valor acumulado no período de maio a julho de 2018.

De acordo com a diretora-executiva da Associação Brasileiras de Organizações Não-Governamentais (Abong), Adriana Ramos, arcar com os custos para manter um projeto ou uma ONG é justamente a parte mais difícil. O registro, em si, não é complicado: basta ter mais de 18 anos e registrar a entidade em um cartório.

Mas quem cria a organização deve ter muito clara sua missão e o compromisso com a sociedade civil. E também buscar legitimidade pública, algo que pode ajudar em uma possível vaquinha online para angariar financiamento, por exemplo. “Para trabalhar em uma ONG, é preciso estar realmente muito associado a uma motivação e ao compromisso social”, afirma Adriana, que também é coordenadora do Instituto Socioambiental (ISA).

O início requer perseverança. Organizações novatas precisam continuar vivas até completarem dois anos. Segundo Adriana, essa é a idade mágica para que a entidade consiga ser considerada pela maior parte dos editais para obtenção de recursos, vindos em boa parte de instituições privadas estrangeiras. “Muita gente acha que ONG dá dinheiro e é fácil de manter. Não é verdade”, afirma a diretora da Abong. “É custoso o processo de captação de recursos.”

De grão em grão

“Os jovens são mais preocupados com uma causa e mais propensos ao trabalho voluntário em relação às gerações anteriores”, afirma a coordenadora de comunicação do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis), Andrea Wolffenbüttel. E, de acordo com ela, são os jovens de 18 a 24 anos que mais fazem doações em dinheiro, ainda que se trate de uma faixa etária sem muitos recursos financeiros.

Nos últimos 12 meses, 39% desses jovens patrocinaram uma causa ante 23% das pessoas com mais de 55 anos, segundo o estudo Country Giving Report, elaborado pelo Idis com a Charities Aid Foundation (CAF), entre 2016 e 2017. O estudo também aponta que 41% dos jovens nessa faixa etária fizeram trabalho voluntário nas últimas quatro semanas, contra 25% daqueles com mais de 55.

“O que é interessante nessa geração é essa noção de causa e que eles podem fazer a diferença. Existe muito empenho individual”, afirma a coordenadora de Comunicação do Idis. Entre eles, as causas mais incentivadas são em defesa dos direitos humanos, do meio ambiente e de combate à pobreza e ao desemprego.

São pessoas como a estudante Júlia Calçade, de 23, que todo mês doa para a ONG Action Aid R$ 52 dos R$ 400 da bolsa que recebe da Universidade de São Paulo. A universitária não pensa em parar de contribuir. “Eu me planejo bem e, se precisar, corto outras coisas”, conta.

Esporadicamente, Júlia também contribui com a Associação Bezerra de Menezes. E se pudesse, contribuiria muito mais vezes com outros projetos e não só financeiramente. “Sempre que posso gosto de ajudar. Faz parte da minha personalidade.”

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