Em fundo azul, há o desenho de uma nuvem branca no centro com diversos ícones em preto-e-branco ao redor conectados a ela, representando produtos: um liquidificador, um fone de ouvido, câmeras, televisões, uma impressora, um microfone, um celular, um telefone, uma geladeira, computadores, uma lâmpada, uma furadeira, um tablet, um rádio, uma máquina de lavar, um carro, um avião, relógios, uma balança, caixas de som, um abajur, um aspirador de pó e um controle de videogame.
De site que permite empréstimo de roupas a aplicativo para dividir jatinho, há um pouco de tudo | Foto: Pixabay

Consumo colaborativo: a tendência é compartilhar

Modelo de gigantes como Uber e AirBNB se multiplica em vários setores, com iniciativas de diferentes portes

Matéria anterior Próxima matéria

Uma pessoa quer um vestido especial para usar numa festa. Outra tem o modelito perfeito parado no armário. Para conectar essas duas pontas, as jovens curitibanas Julia D’Amo e Luana Degraf criaram neste ano a empresa Amiga, Me Empresta?, um exemplo típico do modelo de consumo colaborativo. A tendência que está por trás de gigantes como Uber e AirBNB, que unem quem tem um serviço a oferecer a quem precisa dele, se multiplica em outros setores, em iniciativas de diferentes portes.

No caso da Amiga, Me Empresta?, a dona do vestido recebe um valor para emprestar e a cliente consegue uma peça bonita a baixo custo. Ambas ficam satisfeitas. “Economia colaborativa é pensar no macro para gastar menos: compartilhamos roupas para ter renda para outras coisas”, afirma Julia, de 24 anos.

Há também planos mensais, nos quais a assinante paga um valor fixo para alugar peças da loja e ficar na moda. O mais barato custa cerca de R$ 30 por mês, enquanto o mais caro sai por R$ 150. O serviço funciona online com atendimento presencial agendado, e as peças podem ser conferidas também no Instagram.

Julia D’Amo/Arquivo pessoalEm primeiro plano, o cartão de visitas da "Amiga, Me Empresta?", nas cores preta e verde com um cisne vermelho; ao fundo, em desfoque, a empresária Julia D'Amo, que é loira e veste uma camisa listrada amarela, segura o cartão.
“Economia colaborativa é pensar no macro para gastar menos: compartilhamos roupas para ter renda para outras coisas”, afirma Julia D’Amo, fundadora do “Amiga, Me Empresta?”

Atuando no setor de transportes, um dos mais impactados pelas mudanças trazidas pela colaborativa, a Flapper é uma espécie de Uber Black da aviação privada. O aplicativo funciona ligando passageiros a proprietários de aviões particulares. Há a opção de compartilhamento de voos, em que o frete é dividido entre os interessados em voar a um destino na mesma data e horário.

“Os modelos tradicionais de aluguel e compra estão cada vez menos relevantes”, diz o CEO da Flapper, o polonês Paul Malicki, que fundou a empresa com menos de 30 anos e antes disso havia atuado no Brasil com a Easy Taxi. Ele ressalta que a economia colaborativa vem crescendo no mundo todo, podendo superar o modelo convencional de aluguel de aeronaves. O aplicativo da empresa tem em torno de 80 mil usuários.

A economia sem mediadores também é forte nas redes sociais. Há grupos no Facebook voltados para o escambo de serviços, como roupas, faxina, decoração, bolos e convites de festa. No grupo “Troca de serviços em geral – SP”, criado há cerca de três anos, são feitas entre 50 e 100 trocas por dia, todas combinadas diretamente entre os interessados.

Os modelos tradicionais de aluguel e compra estão cada vez menos relevantes”, diz o CEO da Flapper, Paul Malicki

“As trocas acontecem muito entre mães que sonham em fazer uma megafesta para seus filhos, trocando por seus serviços”, conta a administradora do grupo no Facebook, Isabelle Nunes. Em geral, elas oferecem seu trabalho como diaristas, salgadeiras ou doceiras em troca de ajuda na organização da festa. “Cada profissional dá o seu melhor, pois sabe que quando se faz por amor, tudo flui bem”, diz Isabelle.

O crescimento das iniciativas de consumo colaborativo está atrelado aos avanços tecnológicos e às redes sociais, observa o professor da ESPM Gil Giardelli, especialista em inovação tecnológica e autor de Você é o que Você Compartilha (Gente, 2012). “A tecnologia faz as plataformas que já existiam na sociedade serem compartilhadas de uma forma mais ampla”, diz Giardelli. “Um exemplo são redes de mães de filhos recém-nascidos, que costumavam colaborar nas vizinhanças. Agora, a vizinhança é global.”

Para o especialista, mais que uma tendência, o consumo colaborativo é uma necessidade para a economia do século 21. “Esse conceito de todas as famílias terem carro, furadeira e máquina de lavar já não cabe mais”, afirma. “Se todas as pessoas de classes emergentes no mundo comprassem um fogão, uma geladeira ou uma máquina de lavar, não haveria matéria-prima para produzir tudo.”

Na opinião de Giardelli, o Brasil tem espaço para participar do que ele chama de nova economia criativa, mas é necessário trabalhar em um fator crítico: a confiança. “É a base do consumo colaborativo. E hoje o Brasil vive um momento onde todos estão desconfiados um com o outro.”

‘Crowdlearning’

São muitas as atividades que podem ser repensadas pela lógica colaborativa. Online há seis anos, o Cinese é uma plataforma brasileira de ensino compartilhado, ou crowdlearning, contando com mais de 20 mil cadastrados. Lá, qualquer um pode incluir cursos, workshops e palestras de uma ampla variedade de temas – como tecnologia, artesanato, criatividade e desenvolvimento pessoal – e o preço varia de acordo com o ofertante.

Na opinião da fundadora, Camila Haddad, o cenário atual é favorável para mudar a relação com o ensino, saindo de um modelo passivo para uma forma autônoma, co-criativa e experimental. “Aprender é uma habilidade inata e que só precisa de um ambiente livre e favorável para que seja exercitada”, afirma. Para ela, a economia colaborativa nasce quando pessoas se conectam de forma distribuída para resolver problemas, sem mediadores institucionais. “É sair de uma lógica centrada no indivíduo e entender que as melhores soluções vêm do coletivo, a partir das redes de relações.”