Há um certo tabu na relação familiar sobre quando a mãe ou o pai idoso deve deixar a conta do banco de lado e não se preocupar mais com a gestão financeira. A não ser quando há sinais claros de incapacidade, decorrente de doenças físicas ou neurológicas, o fato de um filho assumir o controle dos recursos pode causar discórdia entre os pais e também com os demais integrantes da família, que eventualmente interpretam a situação como abuso.

“É uma questão muito delicada porque o idoso vai naturalmente perdendo autonomia. A família precisa tomar muito cuidado”, explica a psicanalista Miriam Altman, mestre no tratamento do envelhecimento pela Universidade de São Paulo (USP). “Não se pode tirar as funções do idoso antes da hora. Nesse momento da vida há a perda física e intelectual, e tirar o poder das finanças do idoso pode provocar abalo emocional.”

Segundo a especialista, é muito doloroso para o idoso quando ele não consegue fazer as mesmas coisas como antes. “Para uma pessoa que foi sempre ativa, não trabalhar mais e se aposentar já é complicado. E por isso a interferência familiar na questão de administrar os bens é um agravante.”

Para o educador financeiro José Vignoli, do portal Meu Bolso Feliz, a questão de delegar finanças é complicada, mas pode ser evitada com o diálogo constante entre pais e filhos. “Se a família não se preparou para o momento de sucessão, maior vai ser a dificuldade para cuidar disso”, afirma o consultor. “Dinheiro precisa envolver toda a família, se tratar do assunto só quando a vaca foi para o brejo, não vai dar certo.”

É o caso da paulistana Cecília Rodrigues, de 76 anos, que diz não ter problema nenhum com a filha ajudando e, em alguns casos, cuidando do seu dinheiro. Ela conta que se enrolou financeiramente e está endividada por causa de alguns empréstimos consignados que contratou. A filha de Cecília vive praticamente como sua consultora, auxiliando-a em todas as transações e conversando com a mãe de forma educativa.

“Minha filha já fez planilhas para me ajudar, outro dia ela até chorou, falando que o que eu fiz não era o que ela havia combinado comigo. Eu devia ter aceitado a ajuda dela até antes”, diz a aposentada, referindo-se aos empréstimos. “Ela me ajuda em 70% dos meus gastos, o resto eu uso o meu dinheiro para farmácia e plano de saúde.” Cecília ainda diz que comete de vez em quando algumas loucuras com seu dinheiro, causando problemas com a filha. “Um dia vi um anel da Swarovski que era a cara dela, aí comprei um dia antes do aniversário dela. Quando minha filha foi ver a fatura, ela ficou muito brava. De vez em quando eu faço esse tipo de loucura. Não penso.”

Além das contas do dia a dia

O assessor de investimentos Jonathan Camargo, de 27 anos, teve de arcar com as economias de sua casa quando o pai ficou desempregado, há nove anos. Todo o patrimônio do pai, na época, estava investido em imóveis. Ele costumava comprar na planta para vender depois que o apartamento estivesse pronto. Com a dificuldade em arranjar um novo emprego e o dinheiro parado nos investimentos, as contas não estavam mais fechando.

“Minha mãe era dentista e o dinheiro que ela ganhava não era suficiente. Minha primeira ideia foi vender algum dos imóveis na planta, mas isso não passava na cabeça do meu pai de maneira alguma, porque o imóvel estava em construção, o banco não o aceitava como garantia”, conta Jonathan.

Na época com apenas 18 anos, o consultor, nascido em São Paulo, havia acabado de entrar no mercado financeiro e, somente quando a situação da família chegou no seu limite, o pai consentiu a venda do imóvel e deixou o filho administrar o dinheiro que serviria para cobrir as despesas da casa. “Foi o ponto de partida para começarmos a pensar como poderíamos organizar nosso dinheiro para nunca mais passarmos por uma situação daquela”, lembra o assessor, que ressaltou a dificuldade em driblar o conservadorismo do pai. “Acho que é algo cultural, todo pai é meio assim, reticente quanto a dinheiro. Ele tinha a mentalidade de que ele era o único provedor da família.”

Essa cultura patriarcal pode se tornar um problema financeiro grave, segundo a gestora gerontológica Suyen Miranda. “Esse tipo de situação desestabiliza uma família. É preciso sempre se resguardar”, afirma Suyen. Segundo a gerontóloga, não é preciso chegar na terceira idade para se pensar na delegação das contas. Isso deve ser encarado como um “plano B” para eventualidades, que, claro, têm maior chance de ocorrer com pessoas idosas.

“Independentemente da faixa etária, é preciso sempre pensar quem vai gerenciar seus recursos numa situação inesperada. Muitas vezes o dinheiro está na conta do homem, e com muitos idosos que converso, parece uma ofensa tratar disso. Há uma resistência enorme em dividir a questão financeira com o restante dos familiares”, diz Suyen.