Os investimentos do Brasil em educação frustraram quem acreditou no sucesso da produtividade nacional. Entre as nações com renda per capita similar à brasileira, o País é um dos que mais gastam em porcentagem do PIB com educação, segundo dados do Banco Mundial. No entanto, a produtividade da indústria interna acumulou queda de 32% entre 2000 e 2015, como mostra pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Causada por problemas na qualidade do ensino e na estrutura de setores produtivos do Brasil, a situação também aprofundou as dificuldades do jovem de se inserir no mercado de trabalho. Um estudo inédito realizado pelo economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Bruno Ottoni comprova a encruzilhada: os trabalhadores com maior nível educacional estão sendo empregados majoritariamente em serviços tradicionais. O problema é que isso no longo prazo faz com que os anos de estudo não se convertam em produtividade.

Comércio e transporte são exemplos desses serviços tradicionais, que incorporam as atividades mais beneficiadas pelo boom econômico do período anterior à recessão brasileira. Mesmo assim, é o setor menos intensivo em mão de obra produtiva. “Para o setor de serviços tradicional, não interessa qual é a qualificação anterior do trabalhador, os anos de estudos não impactam o quanto ele conseguirá produzir. É o caso do engenheiro que vira motorista de Uber”, exemplifica Ottoni.

O estudante de engenharia química Rafael Terras, de 23 anos, não teve opção de estagiar na sua área. Desde que entrou na faculdade, em 2012, o paulista só trabalhou com marketing e serviço financeiro. Nessas funções, diz ele, o pensamento analítico, lógico e matemático adquirido na faculdade de engenharia o ajudou. “A maioria dos meus colegas da faculdade tem dificuldade de achar um estágio na área e acaba migrando para outras atividades”, conta Rafael, que se mudou de Santos para estudar em São Paulo. Em dezembro do ano passado, como não encontrava estágio em engenharia química, o universitário chegou a trabalhar por um mês como motorista de um aplicativo de carona.

Entre os cinco setores econômicos investigados no estudo de Ottoni, os serviços modernos são os que mais bem aproveitam os ganhos de escolaridade. As atividades compreendem a área de telecomunicações e de intermediação financeira. O problema, na visão do economista da FGV, é que esse setor não encontra espaço para crescer no País e absorver essa mão de obra mais qualificada. Os serviços modernos não conseguem avançar em decorrência de uma série de entraves institucionais, que reduzem a eficiência e competitividade do setor produtivo em geral, argumenta.

Essa também é a avaliação de Naercio Menezes, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper. “É muito difícil esperar que um aumento de ensino superior se reverta em avanço de produtividade quando tudo ao redor está basicamente podre. O País está institucionalmente falido.” Para o economista, enquanto os mecanismos que induzem ao crescimento não funcionarem no Brasil, a evolução educacional continuará sendo desperdiçada. Entre os empecilhos ao aumento da produtividade ele cita a infraestrutura deficiente e a complexa carga tributária, que impedem que ganhos microeconômicos de produtividade e salários sejam transferidos ao agregado da economia.

Na análise dos especialistas, a baixa qualidade da educação no Brasil é outra faceta do problema de produtividade interna. Embora o aumento da escolaridade tenha resultado em melhores remunerações ao trabalhador, agora mais qualificado, Menezes afirma que esse jovem ainda ganha menos do que poderia caso tivesse tido acesso a uma educação de qualidade.

O Brasil está perdendo a janela de oportunidade demográfica, avalia Sonia Rocha, pesquisadora do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS). Ela acredita que já passou o tempo ideal de o País tornar o grande contingente jovem uma mão de obra mais produtiva. Nesse cenário, o sacrifício feito pelas famílias mais humildes para pagar universidades particulares tende a se transformar em frustração quando o jovem estudante não consegue melhorar sua condição social em função da baixa qualidade da educação. “A família também ajuda [a pagar a faculdade] porque acha que é o pulo do gato - mas o gato não dá pulo para lugar nenhum, ele fica mais ou menos no mesmo lugar”.

Na porta bate o desemprego

Naturalmente mais alto que de outras faixas etárias, o desemprego entre os mais novos também não mostra um cenário animador para os que terminam o 2° grau ou concluem o ensino superior. Agravada pela recessão dos últimos anos, a taxa de desocupação entre pessoas de 14 a 17 anos ficou em 45,2% no primeiro trimestre do ano, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua Trimestral, do IBGE. A taxa mais que dobrou desde 2014, quando estava em 22,4%. O mesmo movimento aconteceu entre os trabalhadores de 18 a 24 anos, que viram sua desocupação crescer de 15,8%, no primeiro trimestre de 2014, para 28,8% no mesmo período em 2017.

Este avanço brusco do desemprego, além de resultado da crise, também é um reflexo da situação mais confortável dos jovens brasileiros no cenário pré-recessão, segundo o economista Bruno Ottoni. Com os anos de crescimento econômico, que duraram até 2014, as famílias puderam dar espaço para seus filhos ingressarem e permanecerem no ensino. “Na bonança econômica, ele (o pai) pode permitir que o filho fique em casa só estudando, se preparando para ter um futuro melhor, acumular mais anos de estudo, aprender mais em período escolar, podendo, eventualmente, obter rendas maiores”, explica Ottoni. Como consequência, o número de jovens que procurava emprego era menor, tornando a taxa de desocupação mais baixa. Quando a crise bate e a situação financeira da família aperta, a tendência é que mais jovens comecem a procurar emprego, aumentando as estatísticas.

O rendimento médio que as faixas etárias mais novas alcançaram entre 2014 e 2017 mostra que a aposta, afinal, enfrentou percalços. Entre as pessoas ocupadas de 14 a 17 anos, a renda média real de trabalho diminuiu 10%. Os dados também são do IBGE. Na mesma comparação, os trabalhadores de 18 a 24 anos apresentaram redução de 6,8% no rendimento médio real. Os dois grupos concentram as maiores perdas de renda média entre os ocupados brasileiros do período.

Economista do Ipea, Maria Andreia Lameiras lembra que o aumento da desocupação dos jovens menos qualificados é ainda mais intenso quando chega a crise. “Eles começam a concorrer diretamente com aqueles que já têm uma escolaridade muito maior para a vaga que seria deles.”

O futuro envelhecido

Se o Brasil perdeu a oportunidade de impulsionar a economia enquanto sua população é jovem, surge a dúvida de como o País vai se comportar à medida que envelheça. Na opinião do economista André Portela, da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP), o quadro vai depender do nível de escolaridade da população e do que as empresas estarão esperando dos trabalhadores, se a demanda será por mais qualificação ou mais experiência.

A educação dos brasileiros também vai definir o futuro da distribuição de renda no País. Numa primeira análise, mais simples, Portela explica que a escolaridade mais uniforme diminuiria a desigualdade salarial. O progresso tecnológico, no entanto, desenha um cenário diferente. O economista faz uma analogia entre a corrida da tecnologia, que exige mais habilidade dos trabalhadores, e a consequente corrida por melhores qualificações. “É possível que não estejamos nos qualificando na velocidade requerida”, diz ele, completando que essa situação manteria os elevados prêmios salariais no Brasil.

Maria Andreia Lameiras lembra que as diferenças salariais estão muito atreladas à produtividade. Como o processo de especialização da mão de obra brasileira ainda é muito recente, é preciso acompanhar se, no futuro, os anos escolares vão realmente se converter em crescimento para o País. “Não adianta ser o mais escolarizado possível. Se você não for produtivo, não terá o salário reagindo”. Para a economista do Ipea, não há chances de avançar salarialmente caso não haja uma grande mudança na educação brasileira.