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“O de-Janeiro, dali abaixo meia-légua, entra no São Francisco, bem reto ele vai, formam uma esquadria. Quem carece, passa o de-Janeiro em canoa – ele é estreito, não estende de largura as trinta braças. Quem quer bandear a cômodo o São Francisco, também principia ali a viagem. O porto tem de ser naquele ponto, mais alto, onde não dá febre de maresia. A descida do barranco é indo por a-pique, melhoramento não se pode pôr, porque a cheia vem e tudo escavaca. O São Francisco represa o de-Janeiro, alto em grosso, às vezes já em suas primeiras águas de novembro. Dezembro dando, é certo. Todo o tempo, as canoas ficam esperando, com as correntes presas na raiz descoberta dum pau d’óleo, que tem.” páginas 90 e 91

A segunda fase importante da vida do jagunço Riobaldo começou nas margens do Rio de Janeiro, afluente que deságua no São Francisco na altura do município de Três Marias, antiga Barreiro Grande. Ali ele chegou criança, com a mãe. Foi na Barra do Rio de Janeiro que conheceu Diadorim. Lá o jagunço também atravessou pela primeira vez o São Francisco, maior curso de água do Grande Sertão.

Muita coisa mudou desde a publicação do romance. Entre as cidades mineiras de Pirapora e Buritizeiro, o São Francisco ficou mais estreito e ganhou ilhas e áreas cobertas de vegetação. A água ficou mais turva. Mas não só ele se transformou. Ali perto, no distrito de Guaicuí, no vizinho Várzea da Palma, deságua assoreado o Rio das Velhas, que carrega a história da mineração da Vila Rica. Antes de cair sujo no São Francisco, o das Velhas recebe as águas do Córrego do Batistério, mais um entre tantos pequenos cursos quase secos atingidos pela irrigação irregular e pelo desmatamento em suas margens.

Três Marias cresceu com o represamento das águas do São Francisco, para gerar energia elétrica. De lá até a Barra do Rio de Janeiro são 55 km de estrada de chão, informam moradores. No caminho, um cheiro quase insuportável vem de uma barragem de dejetos de uma unidade metalúrgica da Votorantim Metais. Grupos de geraizeiros acusam a empresa de ter jogado rejeitos industriais diretamente no São Francisco durante anos. Também dizem que a barragem, construída para interromper a contaminação, não impede a infiltração do lençol freático. Por meio de sua assessoria, a empresa disse que “possui um sistema de gestão de barragens para garantir a segurança da sua operação”. “Todos os efluentes gerados pela unidade são monitorados e atendem os parâmetros legais, com relatórios enviados periodicamente ao órgão ambiental responsável. A unidade de Três Marias possui todos os licenciamentos necessários para sua operação.”

Uma floresta de eucaliptos margeia os dois lados da estrada. Um motorista que transporta madeira informa que Pedras não está longe, basta seguir a estrada. O povoado é formado por uma dúzia de casas em volta de uma igreja.

A estrada termina na sede antiga de uma fazenda, que fica na beira de um curso de água calma e parada. É o Rio de Janeiro. Até chegar à barra propriamente, o encontro do curso com o São Francisco, é preciso andar a pé por cerca de 1 km de capoeira e mata ciliar, habitadas por corujas, seriemas e gaviões-do-cerrado. Após atravessar um cipoal e um bambuzal na margem do Rio de Janeiro, ouve-se o barulho de um rio de correnteza. O São Francisco demonstra bem mais força. Ali, como Guimarães Rosa descreve no romance, o São Francisco entra no de Janeiro e o represa.

Riobaldo é convencido por Diadorim a atravessar o São Francisco numa canoa. “Tive medo. Sabe? Tudo foi isso: tive medo! Enxerguei os confins do rio, do outro lado. Longe, longe, com que prazo se ir até lá? Medo e vergonha”, relembrou. Nisso, Diadorim lhe diz: “Carece de ter coragem...”. Riobaldo, então, confessa, doído, que não sabia nadar. “O menino sorriu bonito. Afiançou: ‘Eu também não sei.’ Sereno, sereno. Eu vi o rio. Via os olhos dele, produziam uma luz.”

Na outra margem do Rio de Janeiro, homens pescam em canoas. Fazemos sinal para que nos atravessem. Com certa insistência e após mostrarmos que não somos gente do mal – em todo o Grande Sertão, as pessoas são desconfiadas, têm histórias ruins de bandidos que fogem da lei –, um deles nos leva até o outro lado. O canoeiro não liga o motor, pois explica que o nível do rio, o mesmo de-Janeiro que causava temor em Riobaldo, está muito baixo, a ponto de poder atravessá-lo a pé. Não há mais sinais de cágados nas pedras, como relatou o protagonista do romance.

Gilmar de Fátima Ferreira, de 48 anos, conta que nasceu e foi criado nas margens do afluente do São Francisco. Aos 19 anos, foi para Três Marias em busca de emprego. Trabalhou 26 anos na caldeira da Votorantim. Agora, aposentado por ter atuado em área insalubre, passa boa parte do tempo numa casa simples da beira do rio. Perto dele moram dois irmãos, Ném e Elisa.

Os rios que o esperavam eram outros. “No meu tempo de criança, a água do São Francisco no período da chuva chegava até o alto desse barranco (cerca de 2 metros). Mas houve muito desmatamento nas margens. As pessoas não respeitavam. Tinha embarcação que subia o rio para vender alimentos, carne seca e enlatados, o que não fosse perecível”, lembra. “O dourado gosta de água de correnteza, do São Francisco. Ele entrava no Rio de Janeiro, dava uma volta, mas gostava mesmo de água forte.”

Gilmar associa a redução drástica de água do São Francisco não apenas à seca mas ao desmatamento. “Houve assoreamento de boa parte do rio. Muitos cortaram a mata até a margem do São Francisco”, relata Gilmar. “Eu nunca vi o São Francisco e o Rio de Janeiro tão secos. Isso entristece a gente.”

Usina. Desde o início da seca, em 2014, ribeirinhos criticam a Usina Hidrelétrica de Três Marias de represar água em excesso. Construída nos anos 1960, a usina é operada pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). A hidrelétrica tem capacidade de geração de 396 megawatts de energia. Hoje, porém, com a redução do nível da água, só produz 24 megawatts. O nível do reservatório é de 27%.

“É natural que a população ache que a Cemig prioriza o uso de água para energia”, afirma Ivan Sérgio Carneiro, engenheiro de Planejamento Energético da empresa. “Desde 2014, estamos vivendo anos de déficit hídrico, com 65% do volume de chuva abaixo do esperado. Este início de 2017 é o pior janeiro registrado nos últimos 80 anos.” Ivan conta que a usina represa 340 m³ de água por segundo e libera de volta para o rio 80 m³. Antes da estiagem, a liberação chegava a 200 m³.

O engenheiro ressalta que o represamento e a liberação de água para o trecho a jusante do rio são decididos agora por um fórum que reúne Agência Nacional de Águas (ANA), Ministério Público, empresas e governos estaduais. O Código da Água prioriza o consumo humano à geração de energia.

Despedida. Se Gilmar fez o caminho de volta para a margem do Rio de Janeiro, o jagunço Riobaldo deixou a localidade para nunca mais voltar. Ele tinha 13 ou 14 anos quando, num dezembro chuvoso, a mãe morreu. O jovem deixou o lugar apenas com uma rede, um santo de madeira, um caneco-de-asas pintado de flores, uma fivela grande, um cobertor de baeta e a muda de roupa. Ao narrar essa parte da sua vida, o jagunço disse que não tinha saudades. “Para trás, não há paz”, afirmou.


VEREDAS QUE DERAM NOME AO ROMANCE ESTÃO DESAPARECENDO

“Aí mire e veja: as Veredas Mortas... Ali eu tive limite certo.”Página 570

Nas margens do Córrego do Batistério, na região de Pirapora (MG), Riobaldo reencontrou Diadorim, o menino que conheceu criança na beira do Rio São Francisco. É nessa região mineira que as veredas que deram nome ao romance desaparecem dia a dia.

Oásis do cerrado, as veredas são áreas alagadas de vegetação singular, onde se destaca uma fileira de buritis. As palmeiras crescem no brejo, delimitando um caminho irregular de águas que pode chegar a 5 km, ora na forma de um grande lago, ora como um riacho estreito. Espaço da savana brasileira onde bichos e homens matam a sede, se alimentam e repousam nas longas travessias, elas têm tido suas águas represadas por produtores que estendem áreas de cultivo até bem próximo das margens de cursos d’água que desembocam no Paracatu, um dos afluentes do São Francisco.

Os buritis, resistentes até certo ponto às águas, ficam com uma parte maior do caule imerso e não resistem. “Tirou o minador de água das veredas. Acabou a fresquinha da terra, a sombrinha. Tá secando tudo, acabando tudo. Tendência da coisa é ficar mais feia”, lamenta o mateiro Adailton da Silva Pamplona.

Aos 47 anos, ele mesmo diz que tem aparência de um homem de mais de 60. A fumaça da carvoaria onde trabalhou na infância e adolescência enrijeceu seus pulmões, deixou mais rígido o semblante de seu rosto, o enfraqueceu. Com as fiscalizações e a decadência econômica, as carvoarias fecharam as portas há poucos anos. Depois, vieram as grandes empresas para plantar eucalipto no cerrado. Em seguida, os médios e pequenos agricultores. O negócio prosperou, mas os povoados minguaram juntamente com o cerrado.

Adailton leva o Estado ao Veredão do Santo Antônio, uma área de quilômetros alagada naturalmente. No caminho de areia, o guia mostra as marcas de um gato maracaju. Os rastros seguem para o curso de água. Um fazendeiro fez uma barragem cortando a vereda ao meio. O caminho dos buritis se transformou em dois cemitérios distintos de palmeiras. A água represada não alcançou a barragem. Cursos de água que alimentavam a vereda secaram. Adailton se assusta com o nível da água. “Não corria só isso de água. A vereda era funda. Veja. Plantou eucalipto de cá e de lá, acabou”, explica. “Fazendeiro botou veneno para matar formiga no eucalipto. E eu pergunto: o que o (tatu) bandeira come? O bandeira come formiga. Cadê o bandeira? Comeu veneno, morreu. Cadê o tatu preto? Não tem mais tatu preto.”

Video. Seca e desmatamento atingem o Grande Sertão

Depois, Adailton nos guia até a Vereda do Retiro, que fica dentro de uma outra propriedade. Para chegar à vereda é preciso passar por cercas de arame farpado, capoeirão fechado e mata. O nível de água dessa vereda também está bem baixo. No local, encontramos tubos plásticos para um projeto de irrigação. “Aqui era tudo água”, lamenta.

A vereda que ainda tem bastante água é a das Araras. Ali também foi construída uma barragem, de onde sai a água para o gado de uma grande fazenda. O canto dos pássaros foi substituído pelo barulho do movimento de uma roda que gira o motor que leva a água para o curral. Boa parte dos buritis perdeu a copa.

Adailton diz acreditar que grandes sucuris ainda vivem na vereda. O temor das espécies míticas não acabou. Ele fala dos pássaros que pousam nos jatobás e sucupiras, como o sofrê, o cancão, o peixe-frito, o manoelzinho-da-crôa, o garrinchão-da-mata, o pássaro preto. Dá detalhes de um gavião pedrez e de um gavião-da-mata. Descreve o mitológico mãe-da-lua, aves de grande porte como o jaó, a maria-preta, também chamada de cubu, a curicaca, a ema, símbolo do cerrado. Das veredas se avistavam bandos de araras-azuis, lembra. Lamenta a morte de mais um brejo. “Nesse veredão todo, era papagaio gritando.”

Por meio de sua assessoria, a Gerdau, maior empresa da região, afirma que adota “rigorosas práticas” de gestão ambiental para a preservação das áreas onde atua e cumpre todos os requisitos previstos na legislação ambiental vigente. “A Gerdau conta com uma equipe qualificada e especializada no monitoramento constante de suas atividades, que incluem projetos técnicos ambientais englobando atividades de controle biológico de pragas, além de recuperação de áreas degradadas, melhoramento genético para a otimização de recursos ambientais, implantação de faixas ecológicas, preservação de reserva legal e o desenvolvimento de projetos sociais com as comunidades.”

De acordo com Messias Israel Veloso da Silva, diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Buritizeiro, grandes e pequenos proprietários de terra desrespeitam as veredas e a falta de consciência ambiental atinge todos os setores. “Quando vem a chuva, as veredas são soterradas pela areia das áreas desmatadas”, observa. “Além da seca, temos o problema da falta de respeito da agricultura familiar, do agronegócio, do município e dos sindicatos. As veredas são a alma de uma região castigada.”

Messias diz que órgãos como o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) foram criados para cuidar da questão hídrica e da preservação das fontes de água, mas hoje estão afastados do debate. Ele defende o recadastramento urgente de propriedades que puxam água do São Francisco e de afluentes na região de Pirapora e Buritizeiro para uma distribuição racional da água. E questiona licenças ambientais dadas por órgãos estaduais para represamento de rios. Para o sindicalista, o problema não é o eucalipto, mas práticas “arcaicas” de trabalho. “Não tenho nada contra o eucalipto, acho inclusive que é uma atividade econômica necessária e importante para a região. O que não aceitamos é o plantio de árvores nas veredas e nos espaços das matas ciliares.”

A Codevasf tem hoje 1,7 mil funcionários na sede em Brasília e nas oito superintendências mantidas pelo órgão. Do orçamento de R$ 1,2 bilhão previsto para este ano, a Codevasf empenhou 99,8%. São recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de emendas parlamentares. “Apesar do cenário econômico, conseguimos retomar projetos e ações”, afirma Kênia Marcelino, presidente do órgão. Ela cita o Projeto Gorutuba, em Janaúba (MG), que garantirá irrigação para 458 lotes, sendo 393 de agricultores familiares e 75 para grandes empresários. “Várias ações estão sendo desenvolvidas, como a construção de poços e projetos de inclusão produtiva.”

A presidente da Codevasf diz que a irrigação não pode ser vista como “vilã”, pois contribui para a fixação de todos os produtores, grandes ou pequenos, na terra. Ela ressalta que nos últimos anos o órgão tem atuado para melhorar a vida das comunidades de fundo de pasto, como são chamadas as famílias tradicionais de pequenos produtores e remanescentes de quilombos. “Nossa política é o respeito às comunidades tradicionais.”

Disputas políticas. Criado em 1909 para ajudar no combate à seca no semiárido, o DNOCS é marcado por disputas políticas, especialmente em épocas eleitorais. No governo Dilma Rousseff, o órgão era comandado por apadrinhados do ex-ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Por desvios de verbas, o DNOCS virou alvo de ações da Controladoria-Geral da União (CGU). O atual diretor é Angelo José de Negreiros Guerra, cuja indicação é atribuída ao senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), que nega. Por meio de sua assessoria, o parlamentar diz, entretanto, que Guerra tem seu “reconhecimento” e “apoio”. “A seca é uma calamidade pública e assim deve ser tratada”, afirma. “Assim como o lamentável assoreamento das margens do Rio São Francisco.”


PRODUTOR MINEIRO ESTÁ NO LIMBO, DIZ ENGENHEIRO FLORESTAL

O engenheiro agrônomo Pierre Vilela, do Instituto Antonio Ernesto de Salvo, entidade ligada à Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais, avalia que a seca que assola o Estado há três anos, especialmente nas regiões norte e noroeste, está tendo o lado positivo de despertar a consciência do setor agrícola para a questão da conservação dos recursos naturais. “O solo, a água e o sol são partes intrínsecas do processo da agricultura”, observa. “Mesmo na região do cerrado, onde existem dois períodos de chuva por ano, não se via essa realidade de seca. Isso aflorou a consciência das pessoas para seu capital natural.”

Ele conta que nos vales dos Rios Urucuia e Paracatu a demanda de água é maior que a oferta, o que tem causado conflitos. O Urucuia era o rio preferido de Guimarães Rosa. “O noroeste tem condições para duas safras por ano, mas você vê que muitos pivôs estão parados por falta de água, não têm uma segunda safra.” O cenário atual não condiz com o status que Guimarães Rosa deu ao Urucuia. “Rio meu de amor é o Urucuia”, relatou Riobaldo.

Vilela observa que um terço do território mineiro é de vegetação natural e dois terços são ocupados por agricultura, cidades, estradas, pecuária e mineração. Ele afirma que a área de lavoura não tem problemas de irrigação ou degradação. O problema está nas pastagens, que além de degradadas têm baixíssimo nível de ocupação, pois não conseguem mais abrigar o gado. “Um estudo sobre as pastagens de Minas mostra uma realidade dramática: o rebanho no Estado caiu 50% por causa da seca e problemas no pasto. Temos cerca de 25 milhões de hectares de pasto: 75% se encontram em estado de degradação avançado.”

Vilela destaca que o chamado “grande produtor” em Minas tem em média mil hectares de terra. No Centro-Oeste, o “médio produtor” tem cerca de 5 mil hectares. Segundo ele, desde a extinção da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater), voltada aos médios produtores, há um vazio e parte considerável do setor em Minas ficou no “limbo”. “Não incorporou tecnologia e inovação. O capital se esgotou e ficou mais rentável arrendar o terreno para a soja e a cana ou vender. Até o capital natural foi perdido.”

Uma mudança de consciência do setor ficou evidenciada, segundo ele, com a elevada adesão dos produtores mineiros ao Cadastro Ambiental Rural, um sistema criado pelo governo para auxiliar na regularização ambiental de propriedades e posses. O setor passa por um processo para se adequar à legislação, especialmente na recuperação de matas ciliares, ocupadas por “negligência” do governo ou “autorização” de um tempo em que a legislação era apenas “peça de papel”. “Todos estão interessados em rever seus conceitos em relação à conservação de seu capital natural”, diz. “Temos desenvolvido vários projetos para que a informação chegue ao produtor. Eles querem conservar, mas é preciso saber como. Às vezes não é necessário grande investimento em recuperação de áreas, mas de tecnologia.”


DESAFIO É INCLUIR PEQUENO PRODUTOR NO SETOR DE FLORESTAS, DIZ ENTIDADE

Uma floresta de eucaliptos sem o diâmetro exigido pela indústria de celulose cresce sem controle no norte e no noroeste de Minas Gerais. Com a maior base de floresta plantada no País, o Estado ainda não consegue incorporar uma legião de famílias de pequenos produtores do setor à tecnologia e à inovação. “O maior desafio é agregar os pequenos produtores, garantir que eles sejam mais bem representados e tenham mais informações e conhecimento em manejo”, afirma Adriana Maugeri, da Associação Mineira de Silvicultura, que reúne as 19 maiores empresas da área.

Ela relata que até 2014 o setor empregava mais de 400 mil pessoas em Minas. Levantamento da associação, previsto para ser lançado em maio, deverá apontar redução da oferta de trabalho. A retração do setor se deve basicamente à crise na siderurgia, indústria que consome boa parte da produção das florestas plantadas em carvão vegetal. Nos últimos dois anos, com a queda de compra de eucaliptos pelas siderurgias, houve uma salvaguarda. As fábricas de celulose instaladas na Bahia e no Espírito Santo compraram florestas de grandes produtores mineiros que não tinham compradores. Os pequenos, porém, ficaram de fora, pois as dimensões de suas árvores só serviam para carvão. “Os pequenos produziam sem técnica de manejo, sem adubação adequada, não tinham florestas atrativas e as áreas plantadas eram de difícil acesso, tornando muito cara a colheita”, observa Adriana, lembrando que pequenos produtores plantam eucalipto de acordo com “o vizinho”.

Pastagens degradadas. Na avaliação de Adriana, a expansão do eucalipto em áreas degradadas – especialmente pastagens antigas e abandonadas – garantiria emprego e uma recuperação natural do cerrado. “Isso ocorreria naturalmente, pois pela legislação é preciso garantir 20% de cobertura natural.”

A questão hídrica preocupa especialistas. A morte das veredas e córregos compromete as florestas plantadas. Adriana avalia que a preservação das nascentes ocorreria com pagamentos e incentivos para o pequeno produtor manter os mananciais. Ela diz que o setor, ao contrário de outras áreas da agricultura, não prioriza máquinas nos viveiros e no plantio de mudas. Mesmo a colheita das árvores, com média de 7 anos de idade, exige maquinários menores e um número maior de operadores. “Não é possível mecanizar todo o processo. No plantio, é mais produtivo ter mão de obra humana. Com máquina, o índice de morte de plantas é horrível.”

Adriana observa que os trabalhadores sem emprego na zona rural estão indo para as grandes cidades onde a área da construção civil, que mais absorve esse profissional, está estagnada. Ela critica a burocracia e a demora nos licenciamentos e observa que, mesmo com grandes áreas de florestas plantadas, o norte e o noroeste mineiros não têm uma única fábrica de celulose para agregar valor ao produtor e diminuir o êxodo. “Há muitos mitos sobre o eucalipto que vêm sendo repetidos. O setor não quer convencer, mas discutir.”