VIII

Grandes obras e corrupção

Dinheiro de Belo Monte foi parar na Lava Jato

Sob o mormaço amazônico, a presidente Dilma Rousseff vestia calça e blusa vermelhas na última visita que fez a Belo Monte, em Altamira, no fim da manhã de 5 de agosto de 2014. Antes de uma coletiva, ela se aproximou dos jornalistas que cobriam o evento. Enquanto ajeitava o capacete branco na cabeça, perguntou se eu não achava bonita a construção, um paredão de ferros e pedras a alguns quilômetros. Era a barragem da nova hidrelétrica, alvo de ambientalistas e comunidades tradicionais da bacia do Rio Xingu.

Respondi que uma floresta em pé costuma ser mais bonita. “E ficar sem luz? Você preferia pagar bastante caro sua tarifa de energia, né?” Eu então perguntei sobre as compensações ambientais e sociais prometidas para a região. A presidente respondeu rápido: “R$ 8 bi. Não, R$ 7 bi”. Diante de meu comentário de que esse montante não chegou a Altamira, cidade tomada pelo esgoto, ela finalizou: “Está chegando direitinho”.

O dinheiro citado pela presidente estava sendo investido, na verdade, na própria obra da usina, estimada originalmente em R$ 16 bilhões e que já chega a R$ 28 bilhões. O montante que o Planalto prometeu para compensar os impactos sociais e ambientais em dez municípios foi de R$ 3,2 bilhões, além de R$ 500 milhões para o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRS). Esses recursos foram anunciados no dia 1.º de junho de 2011, em Brasília, pelos então ministros Edison Lobão (Minas e Energia), Miriam Belchior (Planejamento) e Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral). Quatro anos depois, a usina ainda não entrou em funcionamento – a estimativa era de que começasse a operar neste ano – e a região não recebeu os recursos prometidos.

Investigado pela Operação Lava Jato, Lobão, hoje senador, foi acusado em delações premiadas de pedir e receber propina de R$ 10 milhões. Durante aquela entrevista, perguntei à ministra Miriam quando de fato chegaria o primeiro centavo do dinheiro da compensação para Altamira. Ela não soube responder. Disse apenas que garantia 100% de saneamento para as cidades.

A propósito, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que faz a defesa de Lobão, critica o delator Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás. “Essa acusação foi desmentida pelo Youssef”, disse, referindo-se ao doleiro Alberto Youssef.

Trechos de depoimentos de Youssef mostram divergências em relação às declarações de Costa sobre um suposto repasse para a campanha da ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney, a pedido de Lobão.

Região de Altamira e Rio Xingu

Dos R$ 3,7 bilhões prometidos para a melhoria das cidades e as compensações sociais e ambientais de Belo Monte, o Consórcio Norte Energia diz que já foram investidos até maio R$ 3,091 bilhões. Em nota, o consórcio listou obras construídas ou previstas, incluindo rede de esgoto, em fase de testes, hospitais e escolas.

Altamira e os municípios no entorno da usina, no entanto, vivem uma realidade diferente da beleza dos números oficiais. As ruas das cidades são tomadas pelas águas escuras de esgoto lançadas por casas e comércios. Também faltam água, energia elétrica e sinal de telefonia.

Em três anos de obras, a população de Altamira passou de 100 mil para 150 mil pessoas. Em Vitória do Xingu, onde o número de habitantes pulou de 13 mil para 30 mil, o consórcio tenta acalmar os moradores com a construção de postos de saúde e escolas.

Moradores do povoado de Belo Monte, em Vitória do Xingu, localizado num ponto de travessia de balsas, esperam ocupar, após o fim das obras, as casas pré-moldadas de zinco construídas a cinco quilômetros dali que servem de moradia a 1.312 famílias de engenheiros e encarregados. Com ar-condicionado e dois ou três quartos, as casas estão dentro de um condomínio fechado, com segurança mantida pelo próprio consórcio. É uma espécie de vila de apartheid na poeira amazônica.

Um dos atingidos pelas obras, o vendedor de peixes José Carlos de Araújo Barbosa, de 34 anos, observa que o pescado diminuiu desde o início das explosões de pedra para a construção da usina. Barbosa é um dos que esperam ocupar uma das casas de alvenaria construídas para operários. “Como moro na beira do rio, uma área que vai ser inundada, espero receber uma das casas”, afirma.

Tuíra e Dilma, duas visões beligerantes sobre o futuro do Xingu

Índia que liderou resistência à obra da usina diz que governo não cumpriu acordo com caiapós

Ainda no tempo em que matava guerrilheiros na floresta, a ditadura militar planejou a usina hidrelétrica de Kararaô, no Rio Xingu. A obra começou a sair do papel em 1989. Em 21 de fevereiro daquele ano, o governo Sarney, o primeiro da redemocratização, encarregou o engenheiro José Antonio Muniz Lopes, da Eletronorte, para um encontro em Altamira com caiapós, araras e jurunas. No esforço de acalmar os índios, Lopes prometeu tirar o nome Kararaô da obra, que na língua do tronco Macro-Jê significa “grito de guerra”.

Tuíra Caiapó, uma índia na época com 19 anos, pintada de urucum e jenipapo, encostou um facão no rosto do engenheiro. A imagem captada por fotógrafos e cinegrafistas correu o mundo. O Banco Mundial retirou o financiamento.

Mais tarde, no governo da presidente Dilma Rousseff, a obra no Xingu começaria a ser executada. O projeto foi rebatizado de Belo Monte, nome que também se refere a guerra, mais precisamente ao arraial do beato Antônio Conselheiro, arrasado por tropa do Exército na Bahia em 1897. Tuíra e os caiapós até que tentaram, em 20 de maio de 2008, impedir a construção. Um grupo liderado por ela feriu com socos e um facão o engenheiro da Eletrobrás Paulo Fernando Rezende, num encontro também em Altamira. Sem depender de recursos externos, Dilma seria mais incisiva que o governo Sarney. Ela venceu o duelo com Tuíra e ressuscitou o plano do tempo do Brasil Grande e da repressão do Estado.

Tuíra Caiapó, aos 19 anos, encosta o facão no rosto de diretor da Eletronorte. Protasio Nene/AE.

De Marabá a Pau D’Arco, cidade do Sul do Pará onde mora Tuíra, são cerca de 400 quilômetros de estrada precária. A viagem começa pela estrada até Xinguara, a BR-155, antiga PA-150. Cai uma chuva fina. Ônibus que transportam trabalhadores de bairros da periferia e de vilas rurais de Marabá para o centro da cidade disputam espaço com caminhões e tratores.

Os passageiros se espremem nos coletivos. Na madrugada, as chaminés da Sinobrás, usina de ferro-gusa que restou, jogam uma fumaça branca, que se sobressai diante da mata ao fundo e se dispersa na chuva.

A BR-155 está emburacada e com trechos de terra a partir de Eldorado do Carajás. Os buracos se multiplicaram no começo de 2015 com o tráfego intenso de carretas que escoam a soja de Mato Grosso para o litoral maranhense – a BR-163, que liga Cuiabá-Santarém, ainda não está concluída. O carro para na frente de um acampamento sem-terra na margem da BR-155. Em poucos minutos, militantes soltam foguetes e rojões para afastar os intrusos e obrigar que eles sigam viagem. Não somos bem-vindos.

Depois de uma parada em Xinguara, chegamos a Pau D’Arco no começo da tarde. Moradores informam que Tuíra mora numa aldeia a 20 quilômetros da sede do município. Não há placas sinalizando o caminho nas inúmeras estradas de terra para quem deixa o centro urbano de Pau D’Arco. É um labirinto de vias de acesso a fazendas e ocupações irregulares. A aldeia de Tuíra está numa região de cerrado, com árvores retorcidas e de pequeno porte. O terreno é arenoso.

O núcleo central da aldeia é formado por ocas de folhas de buriti ordenadas em círculo. Por decisão de Tuíra, um pequeno anexo, com banheiro, caixa d’água e tanque de lavar roupas, foi construído atrás de cada habitação, garantindo a harmonia e a tradição da aldeia. Somos informados que o cacique da aldeia é Kôkôto, batizado de Dudu pelos brancos, marido de Tuíra. Também exerce o papel de intérprete da mais famosa mulher caiapó.

Em poucos minutos, Tuíra aparece numa cobertura de palha, na entrada da aldeia. É uma mulher de 45 anos, cabelos longos e pouco brancos. A pintura corporal feita há algumas semanas desaparece em sua pele escura. O olhar é incisivo. Vez ou outra, a altivez é quebrada com risos rápidos, que transmitem tranquilidade. Tuíra usa um vestido com desenhos de elefantes. Antes de qualquer conversa, ela percebe que nem todos estão sentados. Então, volta à maloca de onde tinha saído para apanhar cadeiras.

Tuíra Caiapó mostra o facão usado em 1989, durante protesto contra obra de usina no Xingu. Dida Sampaio/AE.

O facão que deu fama a Tuíra está numa das aldeias. É guardado como relíquia da história de uma mulher que teve sua vida e a vida de sua etnia transformadas. Num primeiro momento, as próprias lideranças indígenas, setores da Igreja Católica que atuam na área e outras entidades de direitos humanos temeram o impacto do gesto da desconhecida jovem Takaktô Tuíra Caiapó, seu nome original, diante de uma opinião pública desfavorável às comunidades tradicionais. O gesto era uma atitude extrema de um povo que considera falar a língua mais bonita entre todos os que habitam a Amazônia.

Tuíra tinha 12 anos quando deixou a Aldeia Kokraimoro, na beira do Xingu, município de São Félix, com o pai, Diara, e a mãe, Kredi. A família se instalou em Redenção. Ela conta que jamais esqueceu histórias e formas de contar histórias aprendidas com a avó materna, Neikroti, e o avô Betikré. “Quem amansou minha avó e meu avô foi Chico Meirelles”, relata. Tuíra conta que só conheceu o sertanista por meio de fotografias. Era o primórdio do sertanismo, o tempo de Meirelles, dos irmãos Cláudio e Orlando Villas-Boas, todos conhecidos de sua família.

Pergunto sobre o bebê de 3 meses que estava no colo dela no dia do protesto. A menina Iredjô viveu até os 13 anos. Morreu de pneumonia. “Não tinha remédio”, lembra Tuíra. Hoje, Tuíra tem quatro filhos e sete netos.

‘Branco mente’. Tuíra reclama que o governo não ouviu as aldeias indígenas na retomada do projeto da usina no Xingu. “Cada aldeia tem um líder. Ninguém veio contar sobre o projeto”, diz. Também reclama que não foi ouvida. “O pessoal esqueceu de mim. Sou a lutadora, a defensora. O pessoal esqueceu”, ressalta. “Muitos projetos dentro da nossa terra branco não nos consultou.”

Ela fala do dia em que encostou o facão no rosto do engenheiro Muniz Lopes, um gesto que garantiu a postergação do início da construção de Kararaô. “Mostrei na cara do homem o meu facão porque o governo não foi comunicar à gente (sobre a usina). Aqui tem muitas comunidades. Tem que consultar a gente, mostrar qual é o melhor projeto a ser feito. Projeto para prejudicar minha comunidade eu não aceito. Eu não gostei. É assim que eu preciso.”

Tuíra fala da avó materna. “Antes, minha avó apareceu, contou história para defender floresta e comunidade. Contou o que é a lei do branco. Por isso que eu comecei nesse trabalho contra a barragem. Até hoje continuo lutando”, diz. Ela conta que, nos últimos anos, foi chamada pelo governo para negociar, mas o acordo de melhoria das aldeias não foi cumprido. “No começo da construção da barragem, eu defendi. Quando governo terminou de fazer projeto, me chamou. Sentei com presidente da Eletronorte, da Eletrobrás, da Funai. Aí o presidente (Eletronorte) falou que ia mandar recursos para melhorar comunidade. O presidente disse que ia fazer escola, saúde.”

O diálogo do governo com as comunidades tradicionais da Bacia do Xingu não foi para frente. O discurso oficial diz que a barragem não atingiu territórios indígenas, ignorando o impacto da obra para toda a região.

“O governo é muito mentiroso, engana nossa comunidade. Branco é mentiroso. Rouba rio, rouba terra, rouba minhas coisas. Não é só o pessoal daqui, tem muitos caiapós que não têm nada. O pessoal engana a gente com atas de reunião para liberar barragem. Branco roubou muita coisa aqui, destruiu”, avalia a caiapó.

Tuíra observa que os brancos promoveram uma destruição da floresta. “Sempre a gente defendeu para não destruir. Quem destruiu foi o branco. Ele tem trator, motosserra, máquina, garimpo, muita coisa para destruir a Amazônia. Derruba pau, faz fazenda e acaba a floresta”, completa. “Nós, os índios, não queremos destruir terra, sujar a água. Temos caça e peixe. Caça de anta, porco, animais do mato para alimentação.”

Ela comenta a dificuldade de convencer os mais novos a preservar valores da cultura caiapó. “O adolescente não pode esquecer nossa cultura. Vivemos ainda nossa festa, nossa caça. Temos ainda cultura, de verdade, e temos muitas coisas nativas. A gente pede para o adolescente estudar, se formar, para defender nossa aldeia, mas não esquecer a nossa cultura. Estudo pode. Mas sem esquecer nossa cultura.”

A comunidade de Tuíra vive do plantio de batata, banana, macaxeira e outros alimentos. A terra na transição de cerrado e Amazônia não é tão fértil quanto a de outras áreas dessa região do Pará. É um terreno arenoso. Como representante do movimento indígena, Tuíra passa boa parte do tempo longe de sua aldeia, percorrendo tribos do Xingu. “É para ver a situação dos parentes”, conta. “Quero ajudar sempre nossa comunidade. Fiquei pensando: em que vou lutar mais, enfrentar mais para buscar solução?”

Sem sair do papel, projeto de siderúrgica atrai migrantes

O problema é que o migrante chegou e o desenvolvimento não trouxe os empregos. Em 22 de junho de 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteve num terreno baldio, na margem da Transamazônica, em Marabá, para anunciar num palanque improvisado a terraplenagem para construção pela Vale da usina Aços Laminados do Pará (Alpa). Prometeu 16 mil empregos durante as obras e 5,3 mil diretos durante o funcionamento da usina. Sob pressão, a Vale anunciou que gastaria R$ 5,3 bilhões até 2013 no projeto. O terreno continua baldio. A ex-governadora Ana Júlia Carepa foi questionada pelo Ministério Público Estadual por pagar R$ 60 milhões a fazendeiros que seriam donos da área.

Roger Agnelli, o então presidente da Vale, espalhava que fora pressionado por Lula a colocar a Vale no campo da industrialização. A seu modo, Lula apostou que o sistema de commodities poderia ser acoplado a um projeto de economia inclusiva. Com Dilma Rousseff, Agnelli perdeu o emprego. O substituto, Murilo Ferreira, disse para a presidente que manteria os empregos, mas não implantaria a Alpa. Ele avaliou que a entrada da companhia na laminação seria vista como uma concorrência desleal por seus compradores de minério bruto no Brasil e no exterior. Também não foram no ritmo anunciado pelo governo os projetos S11, em Canaã dos Carajás, e mesmo de Salobo, que teve interrompida a ampliação de sua linha produtiva. Para piorar, das 12 guseiras – pequenas usinas de ferro-gusa – do município, apenas uma mantém o forno aceso.

Política da ‘enrolação’. O prefeito de Marabá, João Salame (PROS), diz arrecadar por mês R$ 50 milhões, incluindo os R$ 2,5 milhões por Salobo. Ao implantar o projeto de cobre, a Vale construiu 1, 2 quilômetro de asfalto e reformou seis creches. Agora, com a ampliação da ferrovia, concordou em fazer 32 quilômetros de pavimentação. “Pavimentar ruas e reformar escolas e postos de saúde estão longe de compensar o município pelo problema da migração”, afirma. Salame diz que a Vale demonstra estar mais aberta a colaborar. Não teria sido sempre assim. Ele relata que, ao assumir a prefeitura em 2012, avisou aos diretores da companhia: “Não vou aceitar mais a política da enrolação. Vamos ser amigos ou inimigos”. A resposta teria sido uma maior flexibilidade da empresa aos problemas sociais.

Marabá fica também com a conta de abrigar os migrantes nordestinos que tentam emprego nas empresas terceirizadas nas minas da Vale em Eldorado do Carajás, que ainda pode ficar com os “escassos” recursos de royalties. Sem serviço, os migrantes ficam em Marabá. “O minério não gera uma cadeia de empregos. Ele e outros 13 prefeitos da região sob influência da Vale ainda cobram R$ 3,8 milhões cada por um fundo criado ainda no tempo da privatização da companhia e que acabou sob o controle do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “É uma coisa maluca. Quando fui eleito deputado estadual em 2007, a cidade tinha 90 mil pessoas. Hoje, Marabá tem 300 mil habitantes”, observa. O aumento da população não significou crescimento na representação política. De cinco deputados estaduais, a cidade passou a ter dois.

João Salame observa que as prefeituras e os governos estaduais da Amazônia não conseguem tributos do minério, da floresta e dos rios, as “três riquezas da região”. “Pela Lei Kandir, o minério está isento de ICMS. A energia tem a tributação na sua origem e não no seu destino. Cerca de 90% da energia paraense é exportada e as centrais do Sudeste e do Nordeste ficam com as contas de luz. E a floresta, a parte que ainda não foi devastada, está nas mãos de um exército de esfomeados, gente sem assistência que segura as motosserras para as madeireiras ilegais”, diz. “O debate sobre a proteção da Amazônia é uma hipocrisia.”

‘Cultura aqui tem; preconceito, demais’

No sudeste paraense, o modelo de desenvolvimento brasileiro está no foco do debate. Índios gaviões exigem compensações para a duplicação da Estrada de Ferro Carajás, que escoa por suas terras o minério de Parauapebas para o Porto de São Luís, autoridades da segurança pública reclamam da estrutura social e ativistas pedem compensações. As obras da ferrovia também movimentam artistas das ruas da cidade.

O projetista Luhan Gaba, de 37 anos, chegou para trabalhar nas análises de duplicação da ferrovia. Nas horas de folga, ele é um destacado artista do universo do grafite. A chegada de Gaba a Marabá foi agitada. Logo nos primeiros dias, ele tirou o boné que esconde a cabeleira vasta e passou a grafitar na parede de uma construção abandonada às margens da Transamazônica. Gaba conta que achou a cidade sem movimento. Então, começou a desenhar pássaros e búfalos estilizados nos lugares mais ermos.

A presença do grafiteiro em Marabá deu cor à cidade que no começo dos anos 1980 ficou conhecida por Marabala. Era tempo de pistoleiros e criminosos de chapéu preto de feltro que viviam em torno de Serra Pelada e dos fazendeiros da temida União Democrática Ruralista (UDR), período da devastação dos castanhais e dos pequenos sítios de posseiros.

Gaba animou a garotada do hip-hop de Marabá. Para dar companhia ao búfalo rosa e roxo pintado por ele no cais do Rio Tocantins, jovens da cidade grafitaram sapos e passarinhos. O grafite deu ânimo também para o rap. É ali, de frente ao búfalo de Gaba e dos barcos de pescadores, que encontramos Douglas Batista, de 20 anos, funcionário do escritório de uma loja de departamentos.

MC Raed, o nome artístico do rapper, faz uma rima improvisada. “Quando vou começar a falar desse assunto, minha mente até se emociona/ Aqui onde estou é o coração da Amazônia/ Cultura aqui tem/ Preconceito, demais/ Mas eu só quero paz”, declama. Ele acredita que a rima de Marabá se diferencia, além da questão da fonética, pelos temas da cidade.

MC Raed é de Araguaína, no Tocantins. Foi para Marabá em busca de emprego. Ele é o promotor da Marabatalha, um festival de duelos de rappers que ocorre à beira do Rio Tocantins, onde batelões ancoravam carregados de castanha nas décadas passadas. Um cantador tem 45 segundos para apresentar sua rima improvisada. Não pode usar termos chulos nem expressões de preconceito. Ganha quem consegue atacar mais o adversário. É um processo eliminatório, de mata-mata, até chegar ao grande vencedor.

Douglas Batista, o MC Raed, diante de búfalo grafitado por Luhan Gaba em cais de Marabá. Dida Sampaio/AE.
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