VI

Arte como resistência

Filhos de seringueiros enfrentam o poder das gangues

Grupo Favela Viva, no Acre, está no fogo cruzado entre policiais e traficantes

Uma legião de seringueiros deixou a floresta das margens do Iaco, no Acre, com a queda bruta do preço da borracha. A maioria foi para a cidade de Sena Madureira. Sem local para morar, eles ocuparam uma área de mata e de várzea na beira do rio. Em poucos dias, a mata foi devastada e surgiam as Favelas de Vitória e Pita, com seus barracos de lona e madeira, sem energia elétrica e água encanada. O tráfico chegou em seguida. Dois grupos, um em cada comunidade, deram início a uma guerra sangrenta por aumento de território e controle de ruelas e becos. Outros bairros, de outros traficantes, apareceram para entrar em algum dos lados da disputa.

Há dez anos, o estudante Edimar Almeida de Azevedo, hoje com 26 anos, filho de seringueiros, conheceu um viajante que lhe deu de presente um DVD de dança de rua. “Eu era do mundo. Na época, vi o sofrimento da mãe e do pai, pois eu era envolvido com a violência do bairro”, relata. “Começamos a imitar os dançarinos do filme. Era descalço mesmo. Passamos mais de um ano dançando descalço. Com um mês, tinha 50 meninos.”

Ele e os amigos começaram a dançar no interior da Escola Maria de Fátima, perto da favela. Depois, a direção do colégio passou a criar barreiras. Edimar pediu à mãe, Raimunda de Almeida, de 63 anos, que cedesse a parte da frente do terreno da casa. Ela aceitou. O pai, Antonio Marcelino de Azevedo, de 75, também. Raimunda nasceu em Feijó, região do Purus, onde a família vivia da extração do látex. O pai dela, Pedro José de Almeida, saiu do Ceará com a mulher, Maria Joaquina Ferreira, no tempo da 2.ª Guerra Mundial para trabalhar nas estradas da borracha. Nascida no seringal do Rio Envira, Raimunda teve 13 filhos. Nos anos 1990, mudou-se com a família para Sena Madureira.

“Aqui era calmo quando cheguei com meus filhos. Mas ficou perigoso. Um dia, o Edimar veio me falar do hip-hop. ‘O que é isso Edimar?’, eu perguntei. ‘É dança de rua, mãe.’ ‘Apoio, meu filho.’ Fui eu a costureira das primeiras roupas frouxas desses meninos da dança.”

O grupo Favela Viva desenvolve trabalhos de grafite, pintura de murais, oficinas de artesanato, dança e lutas esportivas. “Falaram que só resolvia o problema da violência com polícia. Isso não resolve”, diz Edimar. “Traficante andava armado. A comunidade foi se fechando em casa. Assassinaram um jovem dentro da escola. Ninguém entrava no bairro para entregar pizza”, lembra. “A sorte é que alguns amigos foram para a penal (cela de detenção provisória) e não morreram. Ouvi colegas dizerem: ‘Ainda bem que estou preso, não estou morto’. Há dois anos, o tráfico se uniu. O Estado nunca entrou aqui. Os traficantes se organizaram.”

O hip-hop não é bem visto pelos traficantes. Nem pela polícia. Mas Edimar e seus amigos foram em frente. Eles montaram uma escola de futebol. Atualmente, são 90 meninos divididos em duas turmas – uma para 6 a 10 anos, outra para 10 a 14. “Na escolinha, tem o irmão de um que matou o irmão do outro. Mas, dentro da Favela Viva, são colegas, jogam juntos, sem divisões.” O grupo trabalha para conseguir aprovar projetos culturais nos editais lançados pelo governo. Não é fácil. A grande demanda é por cursos profissionalizantes. Recentemente, o Favela Viva conseguiu apoio para ensinar costura e trabalho de pedreiro de obra. A concorrência foi disputada para as 20 vagas de cada oficina.

O artista e capoeirista Fábio Marques, de 24 anos, se exibe com integrantes do Favela Viva em apresentação na Favela da Pista, em Sena Madureira, no Acre. Dida Sampaio/AE.

É no trabalho de pintura e confecções de letreiros e murais que Edimar ganha a vida e sustenta o filho, Kevin Slak, de 9 anos. O garoto acompanha o pai nas apresentações de dança e nas atividades no Favela Viva.

O município de Sena Madureira apresenta Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0.603. Esse índice leva em conta três dimensões: vida longa e saudável (expectativa de vida ao nascer), acesso ao conhecimento (educação) e padrão de vinda recente (PIB per capita). Ainda assim, é uma taxa abaixo da registrada na Favela da Rocinha (0.662), no Rio, ou na Vila Iracema (0.693), em Cidade Tiradentes (0.632), e no Jardim ngela (0.750), na periferia de São Paulo.

Num primeiro momento, a arte do grupo de Edimar causa estranheza ao transportar a favela do Sudeste dos anos 1980 para a selva do Acre da atualidade. De certa forma, eles vivenciam na prática a ideia do poeta modernista Mário de Andrade, que se esforçou em seus romances e registros sobre a Amazônia para mostrar um país de cultura atemporal e de uma identidade de caráter unitário. Era a tese da “desgeografização”. Pajelanças do Pará, macumbas do Rio e modos de vida de São Paulo podiam aparecer na descrição de qualquer lugar do Brasil. Eduardo Jardim, na biografia Eu Sou Trezentos: Mário de Andrade Vida e Obra, publicada neste ano pela Edições de Janeiro, observa que o poeta disse certa vez que enxergou a Constelação da Ursa Maior, descrita na obra Macunaíma, em “todo o nosso céu”. “Eu a enxerguei do Amazonas a São Paulo.”

Integrantes do grupo Favela Viva, em Sena Madureira. Dida Sampaio/AE.

Vermelho do ferro e do sangue nos muros de Carajás

Com recursos próprios, grupo de grafiteiros colore Parauapebas, a capital dos hackers

Marquei com o grafiteiro do grupo Ralé Crew às 13 horas de um domingo de março no centro de Parauapebas. O endereço que ele passou pela rede social, no entanto, não existia. Só no final do dia, após uma série de mensagens trocadas, ele aceitou encontro numa praça. Chegou acompanhado de um colega, sem esconder a preocupação e a desconfiança. Possivelmente, temia que sua arte estivesse na mira de um agente policial. Afinal, o maior mural que sua turma grafitou na cidade mostrava um robô-metralhadora.

Talvez estivesse certo, ao menos, em pensar que quem o procurava tinha suspeita da força de sua arte. Num primeiro olhar, a pintura do hip-hop, movimento que explodiu em São Paulo e no Rio nos anos 1980, pode ser comparada, na Amazônia de 2015, a uma garrafa sem gás de refrigerante, uma arte tardia e estrangeira numa região que tem nos desenhos corporais de xicrins e caiapós um grafismo sofisticado. Eu estava errado.

Uma conversa com os grafiteiros de Parauapebas pode revelar novas tonalidades de vermelho. “Quando vim morar aqui, entrei numa depressão, pois deixei uma cena forte, que era São Paulo. Mas depois conheci outras pessoas que faziam grafite e usavam o luxo e a miséria da cidade na sua arte”, diz o baiano Gilson Santos Oliveira, 32 anos, integrante do Ralé Crew, logo no começo da entrevista.

O vermelho no grafite de Gilson e seus amigos remete ao chão de Carajás, uma referência única. Técnico de sala de controle da mina de exploração, ele começou no desenho em quadrinhos, ainda na Bahia, na infância. Aos 13 anos, mudou-se para São Paulo com os pais e duas irmãs. Na metrópole, aprendeu a pintar muros. No Jardim São João, próximo ao aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, também conheceu a realidade violenta da cidade. Foi um colega de colégio, ladrão de carros, que sugeriu que o garoto bom em desenhos e quadrinhos procurasse a turma do grafite. Não queria que o amigo seguisse seu caminho. “Eu estava quase na pegada da vida do crime”, lembra Gilson. “Em 2000, perdi quatro amigos numa chacina. Saíram para pichar e foram assassinados. Ninguém sabe se foi a polícia ou a milícia quem os matou.”

Ele conta que Clic, de 16 anos, Cicq, de 16, Tóia, de 18, e Cleen, de 18, codinomes dos amigos, tiveram os olhos arrancados e os corpos queimados. “Foi caixão fechado”, relata. Um outro colega de escola de Gilson, Tofu, se matou após sair do crime e entrar em depressão. Há 13 anos, o pai de Gilson, o motorista Jamilton, desempregado, e a mãe, a faxineira Gileide, decidiram tentar a sorte em Parauapebas, que crescia com o projeto de mineração. Ele veio junto.

Gilson Oliveira, Reinaldo da Silva e Tiago Souza, diante do grafite do robô-metralhadora. Dida Sampaio/AE.

Hoje casado, pai de uma menina de 1 ano, Gilson sai à procura de lugares ermos e de exclusão social para grafitar. Sua arte o aproximou de outros jovens que migraram para a cidade em busca de emprego. Foi o caso do maranhense Reinaldo Pinheiro da Silva, o Rap, de 30 anos, que cursa o terceiro ano de Engenharia Civil, e Tiago Souza da Silva, de 25, também de São Paulo, hoje produtor cultural em Parauapebas.

Eles criaram a marca Ralé 094, uma referência ao código telefônico da região. Juntos, fizeram o grande mural estampado no ponto de ônibus mais próximo da entrada do complexo de Carajás. A escolha foi proposital. Ali costumam dormir mendigos, migrantes que não têm para onde ir e usuários de drogas. “É uma cidade de custo de vida muito caro”, resume Tiago. As contradições de Parauapebas motivaram o grupo a idealizar o mural. A pintura exibe um robô em forma de lata de spray e metralhadora, com o vermelho do chão de Carajás, em destaque. “A gente ficou com receio. Será que o pessoal vai embaçar por causa dessa arma?”, conta Rap. A repercussão, porém, foi boa. A cidade gosta da arte dos jovens, que deixou os muros sombrios coloridos. “Não há repressão da polícia”, diz Gilson.

Há alguns anos, Parauapebas ostenta o título de capital nacional dos hackers. Em computadores da cidade, as polícias encontraram o maior número de falsificadores e golpistas do meio virtual.

A rotina de trabalho da turma do grafite não é das mais fáceis. Trabalham em turnos de 12 horas e ganham cerca de R$ 2 mil em média por mês. Gilson observa que, na realidade do Pará, eles estão numa situação privilegiada em relação à maioria de migrantes que chegam diariamente de trem ou ônibus. “Um grande problema de Parauapebas é a falta de moradia. As pessoas se amontoam em pequenas quitinetes”, afirma. Eles também fizeram grafite na estrutura da caixa d’água que abastece parte da cidade. É ali que ficam pequenos usuários de drogas. “A aceitação é grande, mas sempre acontece um preconceito.”

Termos e expressões difundidos há décadas em metrópoles do Sudeste podem ilustrar uma nova realidade no Norte, ainda que repetindo o que ocorreu nas grandes cidades num passado recente. A propósito: melhorias sociais recentes em morros, subúrbios e periferias de Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Salvador, com as parcerias de agentes públicos e privados, levam entidades a substituir o conceito de favela para termos como “bairro” e “comunidade”.

Minha música é a cara do Norte, diz operário

Francisco Ramos, de 29 anos, o Diamante FK, é o mais conhecido rapper de Parauapebas. Laboratorista de Carajás, ele compõe desde os 14, quando morava em Presidente Dutra, no Maranhão. Faz suas letras e músicas num estúdio improvisado de um quarto da casa onde mora com a mulher e dois filhos. Ele entrou no universo do rap por influência de um irmão, que de Brasília enviava fitas cassetes com músicas dos grupos que fizeram sucesso nos anos 1990. “O rap é o que você vive”, afirma. “Todo trabalho tem uma identidade própria. Quem ouve sabe que minha música não é de São Paulo, mas rap do Norte.”

Por meio do blog diamantefk.blogspot.com.br, ele divulga suas composições e conversa com músicos de outros Estados da Amazônia. Ele prepara um disco com trabalhos em parceria com os grupos Função Real e Relatos de Rua, de Macapá, e Sequestro da Mente, de Belém, e o cantor Igor Muniza, de Manaus. Diamante FK procura reproduzir o “dialeto” de Parauapebas, uma cidade de muitas identidades. “Isso aqui é uma mistura. O paraense chia muito, eu não. Faço algo mais arrastado”, diz. “Acompanho o que é produzido no Brasil para trazer para o meu mundo. Faço uma lapidação, deixo com a cara do Norte.”

O músico Francisco Ramos, de 29 anos, o Diamante FK, é o mais famoso rapper de Parauapebas e do sudeste do Pará. Suas composições falam das incertezas e dos prazeres da vida urbana na Amazônia. Dida Sampaio/AE.

Na letra Benvindo à City, de tom que mistura melancolia e batidas fortes, Diamante FK procurou levantar a autoestima de uma geração de poucas oportunidades de emprego, cultura e educação. “A ideia não era queimar a cidade de Parauapebas, mas mostrar que todo lugar tem algo bonito”, conta. “Vejo a música como profissão, diversão, rotina. Chego do trabalho e vou ensaiar. É uma necessidade minha.”

A tradição dos tambores negros

O escritor Bruno de Menezes (1893-1963), de uma família de negros do Jurunas, bairro da periferia de Belém, dedicou sua poesia aos tambores e batuques. O espaço reduzido que a Amazônia teria no cenário cultural desenhado no eixo Rio-São Paulo não comportaria um artista da selva que pretendia renovar as artes do Norte com seus registros e visões sobre a população negra, descendente dos antigos quilombos e cativeiros paraenses. O som dos tambores do poeta não combinava com a imagem da floresta viva ou destruída que chegava ao Sul e Sudeste.

No térreo de um pequeno sobrado no bairro de Canudos, Anderson Souza, de 35 anos, o Don Perna, constrói tambores com amigos e chama os jovens dessa área pobre de Belém a entender a poesia de Bruno Menezes. Ele é um dos organizadores do Casa Preta, um coletivo voltado para a difusão da cultura negra no Pará. Foi em Campinas, São Paulo, onde nasceu, que Don Perna se inseriu no trabalho de educador e artista da periferia.

Filho do caldeireiro mecânico Atanácio, um paraguaio, e da cozinheira Ivone, do interior paulista, saiu de casa aos 15 anos. Foi quando conheceu Antonio Carlos, o TC, um guru. “Eu queria tocar tambor.” O tambor, nesse caso, não é apenas uma referência ao instrumento que o fascinava na adolescência, mas uma metáfora. Tempos depois, entrava para o Governo Eletrônico de Serviço ao Atendimento ao Cidadão (Gesac).

A entrada no projeto de inclusão digital abriu as portas para a Amazônia, em 2005, onde começou a trabalhar, e às técnicas e estruturas dos Ministérios das Comunicações e da Cultura. Passou a adotar o Linux. “Aqui ninguém usa Windows. Só usamos software livre. É uma cultura libertária”, diz. Ao mesmo tempo que percorria aldeias e comunidades tradicionais do Pará implantando o projeto, dividia o conhecimento adquirido e o salário com amigos que queriam participar da inclusão digital. Também passou a ter um mapa de lugares que precisavam ser incluídos.

Don Perna gosta de dizer que virou um hacker nos sites do governo. É uma forma de contrapor a observação de que faz algo criminoso com o argumento de que hacker tem o sentido de conhecimento. Na verdade, ele ampliou por conta e dinheiro próprios um conhecimento que a burocracia dificulta para as camadas mais pobres. Don Perna passou a multiplicar os resultados do projeto. Em Belém, começou a conversar com Lamartine, o Negro Lamar, que juntamente com Preto Góes pôs o Nordeste na “cena” do hip-hop. Negro Lamar o apresentou a outra figura do movimento negro, o maranhense Lourenço Ribeiro, o Guinê.

Os artistas Nilza Ribeiro, a Nina, de 32 anos, Anderson Souza, o Don Perna, de 35 (camisa vermelha), e Fábio Luís Modesto Cardoso, o Graf, de 28 (camisa azul), integram o grupo Casa Preta (www.facebook.com/coletivocasapreta), coletivo que promove música, literatura e artes plásticas nos bairros de Canudos e Terra Firme, de forte tradição africana em Belém, no Pará. O coletivo pôs na internet uma rádio web. Dida Sampaio/AE.

Por três anos, Don Perna realizou a Black Sfera, uma balada de música negra de entretenimento, sem conexões políticas. O repertório incluía Johnny Alf, o músico negro da bossa nova, samba de raiz, Tim Maia. As festas reuniam jovens do hip-hop e da classe média branca. Mas o objetivo era atingir mesmo a “negrada”. Em 2009, começou a história do coletivo Casa Preta. Um professor universitário o indagou se não era mais apropriado chamar o lugar de Casa Índia. Don Perna se queixa de que o professor não demonstrou preocupação com as questões dos índios reais, mas apenas esboçou o romantismo surrado. “A gente continua invisível aos olhos de alguns.”

Don Perna estava determinado a fazer um projeto voltado para a juventude negra, invisível duas vezes – pela cor e pela imagem da floresta. “A gente para no romantismo de que a Amazônia é apenas indígena. Não é só isso que vi nas minhas caminhadas por Belém”, observa. A Casa Preta funciona como uma república de jovens artistas do grafite e do hip-hop, lugar de oficinas de construção de tambores e de literatura africana. Atualmente, o coletivo organiza o Projeto Iorubá, que estuda a poesia de Bruno de Menezes e de poetas do cânone da África.

Ele diz que em São Paulo não tinha um envolvimento tão efetivo com o hip-hop e com o movimento negro como em Belém, uma metrópole em processo de construção. “Em São Paulo, eu sou mais um. Aqui, me sinto diferente. Vejo que é possível alterar. Belém caminha para ser uma grande metrópole, com todo o desenvolvimento e toda a miséria”, ressalta.

A vida nas “quebradas” da periferia de Belém e as cenas de meninos nadando em canais imundos deram novo ou velho sentido ao hip-hop para ele. “Hoje, o hip-hop está muito comercial”, reclama. No coletivo Casa Preta, o hip-hop se mantém em sua origem, de movimento negro, que aglutina.

Don Perna observa que passou a vida vendo somente asfalto. Foi e continua sendo um choque ser artista num lugar que avança sobre a floresta. Ele avalia que o trabalho do artista da Amazônia é para que a metrópole não se afaste da mata. “Não participo de uma Belém que destrói a floresta. Quero incorporar a floresta na gente. Não busco parar o desenvolvimento, não é isso. Não acredito que devo desistir.”

Nilza Ribeiro, a Mina, de 32 anos, filha de um pedreiro e de uma empregada doméstica que chegaram do interior para ganhar a vida em Belém, está há três anos no coletivo. É dela boa parte dos grafites sobre a mulher negra nos muros da Casa Preta e da periferia da capital. Mina tem experiência em restauração de obras vinculadas ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A entrada no universo hip-hop foi influenciada pelos irmãos. Eles levavam seus desenhos para debates em grupo. Logo, ela e as amigas formavam um grupo próprio de grafite, o Minas. “A gente só trabalhava com personagens negros.”

No pequeno pátio no fundo da casa, Anderson e seus amigos montam os equipamentos de uma rádio web, um projeto que nasceu no debate de poesia. Num bairro de chacinas de jovens, o tema da violência terá espaço. “A gente sabe que a repressão é alarmante. Queremos botar a polícia para falar”, afirma.

Dança de rua na porta do Teatro Amazonas

Eles são filhos de cobradoras de ônibus, marceneiros, desempregados e lanterneiros. Mas é nas escadarias do Teatro Amazonas, símbolo da opulência e da loucura da elite amazonense do fim do século 19, que os jovens de bairros periféricos de Armando Mendes e Novo Israel se reúnem para dançar “free step” – um ritmo rápido e de passos inusitados.

“A gente se reúne nos melhores pontos da cidade para fazer vídeos que repercutem nas redes sociais”, conta o estudante Rafael Ferreira Pimentel, de 16 anos, do bairro Novo Brasil. Ele explica que cartões-postais da capital os diferem e garantem uma boa aceitação nas contas na internet de jovens de outros cantos do País.

Rafael e os amigos Andrey Leonardo Fontes Meireles, de 17 anos, Kevyn Silva, também de 17, Jefferson Gabriel Oliveira dos Santos, de 19, Luciano Menezes de Oliveira, de 16, e Sthyphene Rafael Martins da Silva, de 15, se conheceram na internet. A dança era o assunto em comum. Fora do grupo, encontram o estranhamento. “No colégio, o pessoal diz que nossa dança é de doido, chegam a mandar a gente parar”, diz Jefferson, que gasta 40 minutos para chegar ao centro de Manaus. “Aqui, na porta do teatro, a gente tenta espalhar nossa dança. O Brasil conhece esse teatro. Então, pode nos reconhecer como caras que fazem dança de Manaus.” Ele fala da dificuldade da garotada de seu bairro em sair do “mau” caminho. “O pessoal tenta sair, mas não consegue. O vício é algo forte. O tráfico é forte. Muitos tentam sair por meio da religião, outros pela dança.” O amigo Rafael completa: “O tráfico não acaba, só aumenta”.

Jovens reunidos diante do histórico Teatro Amazonas. Dida Sampaio/AE.

Os bairros de Armando Mendes (IDH 0.650) e Novo Israel (IDH 0.668) têm indicativos sociais inferiores aos registrados nas favelas mais violentas do Rio de Janeiro.

Recursos. O Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam) reclama que recursos de um tributo de 5% sobre os lucros das empresas de tecnologia instaladas na Zona Franca de Manaus destinados à pesquisa não ficam nas escolas do Estado. A taxa é prevista na Lei de Informática.

Uma análise do Ciências Sem Fronteiras, programa que dá bolsas no exterior a estudantes de graduação e pós, mostra que os alunos dos sete Estados do Norte não têm prioridade na oferta de vagas. Com uma população de 19 milhões de pessoas, a região tem 1.899 bolsistas, bem menos que o Distrito Federal, unidade da federação com 2,8 milhões de habitantes e 2.775 estudantes no programa. O Amazonas tem 495 bolsas, metade das vagas do Espírito Santo, com 1.110. Os dois Estados têm praticamente a mesma população – cerca de 3,8 milhões de pessoas. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) afirma que o programa recebe verbas diretamente do Orçamento Geral da União. O desdém do governo federal com o ensino na Região Norte continua em outros níveis escolares.

Os recursos das empresas da capital que deveriam ser destinados para área de segurança da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) também estão indo para fora da região. Como contrapartidas de isenções, as empresas pagam uma Taxa de Serviço Administrativa, que só nos últimos anos representou um montante de R$ 2 bilhões. Esse valor, no entanto, foi usado pelo governo para fazer superávit. Os empresários estão entrando na Justiça para deixar de pagar o tributo e ganhando as ações. A Advocacia-Geral da União (AGU) calcula que 659 ações questionam a taxa na Justiça. O que os empresários da Zona Franca não explicam, no entanto, é por que não investem em inovação e novos produtos, exigências para a concessão de incentivos.

Próximo capítuloMST perde espaço no campo. Conflitos crescem