HISTÓRIA DO PAPADO

1

O Vaticano



 

﷯Sede. A cidade do Vaticano. ARQUIVO PESSOAL / FERNANDA SIMAS

 

 

O Estado da Cidade do Vaticano nasceu em 11 de fevereiro de 1929, quando a Santa Sé, representada pelo Secretário de Estado do papa Pio XI, o cardeal Pietro Gasparri, assinou os Tratados de Latrão com o governo fascista italiano, representado por Mussolini. Nasce então o o menor Estado independente do mundo, com 44 hectares dentro da cidade de Roma e a ferrovia mais curta do mundo, com 624 metros.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

\\

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 

 

 

 

 

 

Para ser considerado Estado, mesmo com essas pequenas dimensões, o Vaticano preenche três requisitos: ter território, população e governo soberano.

 

 Símbolo. A bandeira do Vaticano tem as cores branca e amarela e as imagens da tiara papal e das chaves do reino. GREGORIO BORGIA / AP 

 

Curiosidades:

 

• A Praça São Pedro faz parte do território do Vaticano, mas está sob controle normativo da polícia italiana. Ainda assim, a Santa Sé mantém a autonomia sobre o local e pode fechar o trânsito no local em frente à Basílica quando achar necessário.

 

• Fazem parte do Estado da Cidade do Vaticano prédios localizados fora dos 44 hectares, para abrigar todos os escritórios de administração, localizados em Roma e outras partes da Itália.

Residem no Vaticano o papa, os cardeais, integrantes do corpo diplomático da Santa Sé, eclesiásticos e religiosos, a Guarda Suíça Pontifícia.

 

• O trajeto que liga a Cidade do Vaticano à vila papal de Castel Gandolfo, feito em um trem usado pelo papa, está aberto para turistas desde o dia 12 de setembro de 2015 comunicaram os responsáveis do Museu do Vaticano durante a reabertura da conexão ferroviária.

 

Trem. Foi aberto para turistas em setembro.FILIPPO MONTEFORTE / AFP 

 

• Cerca de 400 pessoas moram no Vaticano, que tem um regimento de 100 integrantes da Guarda Suíça à disposição. Apesar de haver um policial para cada quatro cidadãos, o território tem a taxa de criminalidade mais alta do mundo: são mais ou menos 350 processos civis e mais de 400 criminais por ano, uma média de 1,5 caso por habitante, 20 vezes mais do que na Itália. O motivo: Quase todas as violações são pequenos delitos ou furtos cometidos por batedores de carteira e outros párias que se misturam à turba de 18 milhões de peregrinos e turistas que circulam por ali todo ano. Entenda melhor lendo o histórico abaixo

 

 

 

Um crime no Vaticano

Cristiano Dias

 

O Vaticano tem pouco mais de 800 almas e mais da metade vive fora dos muros da cidade. A última monarquia absolutista do mundo é governada pelo sumo pontífice, que é juiz supremo, legislador, comandante-chefe e não tem de dar satisfação a ninguém. A seu comando está a Guarda Suíça, regimento de cerca de 100 homens fantasiados de ritmistas da Unidos da Tijuca. Apesar de haver um policial para cada quatro cidadãos e da espiritualidade supostamente elevada de seus residentes, o território tem a taxa de criminalidade mais alta do mundo: são mais ou menos 350 processos civis e mais de 400 criminais por ano, uma média de 1,5 caso por habitante, 20 vezes mais do que na Itália. Não que a Igreja seja um covil de freiras cleptomaníacas e cardeais psicopatas. Longe disso. Quase todas as violações são pequenos delitos ou furtos cometidos por batedores de carteira e outros párias que se misturam à turba de 18 milhões de peregrinos e turistas que circulam por ali todo ano.

 

Mais de 90% dos crimes ficam impunes, porque basta o gatuno cruzar a praça e arrastar suas sandálias tranquilamente até Roma. Mas mesmo que fossem pegos, não haveria onde colocá-los. O Vaticano tem uma estação de rádio, uma agência dos correios, uma farmácia e um supermercado, mas não tem cadeia. O prédio da Gendarmaria até tem algumas celas, mas elas sempre foram mais úteis como almoxarifado. Quando o caso é grave, o vigarista é enviado para uma prisão italiana, às custas do papado. O inspetor-geral do Vaticano, portanto, tem o cargo mais modorrento do mundo. Crise? Só em fatalidades, como em dezembro de 2014. Às vésperas do Natal, um empresário subiu no telhado da basílica para protestar contra o governo. Quase ao mesmo tempo, uma ativista ucraniana tirou a roupa e se agarrou a uma estátua do menino Jesus. Ambos foram presos em flagrante. No dia seguinte, o encarregado da segurança do Vaticano convocou os jornalistas para reclamar da superlotação carcerária.

 

Mas não há bem que sempre dure. Por isso, aquele 4 de maio de 1998 foi diferente. Alois Estermann, de 43 anos, acabara de ser nomeado pelo papa João Paulo II como novo comandante da Guarda Suíça. Pouco antes das 21 horas, quando a cidade já havia se livrado do barulho dos turistas, ele estava com sua mulher, Gladys Meza Romero, em seu apartamento, ao lado do Palácio Apostólico. Naquela noite, um homem vestindo jeans e casaco de couro preto foi visto caminhando na chuva, atravessando o pátio da residência oficial do papa, na direção da sede da Gendarmaria. Uma freira disse ter escutado, instantes depois, uma pessoa subindo as escadas do prédio de Estermann. Alguém bateu à porta. Gladys atendeu. O sujeito deu três passos para dentro da residência e executou os dois à queima-roupa. Em seguida, ajoelhou-se, colocou a SIG 9mm na boca e puxou o gatilho.

 

O jovem foi identificado como Cédric Tornay, de 23 anos, cabo da Guarda Suíça. Gianluigi Marrone, burocrata encarregado da segurança do Vaticano, quase desmaiou ao ver a cena do crime. Não é preciso muita imaginação para visualizar também a cara de espanto de Joaquín Navarro-Valls, o poderoso porta-voz do papa. Duplo assassinato seguido de suicídio ou triplo homicídio qualificado? Aos 62 anos, Valls era a eminência parda de João Paulo II. Jornalista espanhol, membro do Opus Dei, dizia sem muita modéstia que 90% do que a imprensa publicava sobre o Vaticano era com base em informações que ele passava. Três horas após o crime, sem nenhum interrogatório ou autópsia, ele assinou um comunicado resolvendo o caso por decreto: Tornay matou Estermann em um "ataque de raiva". O motivo? Ele havia barrado uma condecoração ao cabo. Como prova, uma carta de suicídio. A partir daí, as ações do papado levantam suspeitas e abrem o leque de teorias conspiratórias.

 

A polícia italiana foi proibida de entrar no Vaticano e as autópsias foram realizadas a portas fechadas. A mãe de Tornay, Muguette Baudat, diz ter sido ameaçada por enviados do papa e revelou que o filho andava xeretando o Opus Dei. Ela mandou fazer uma autópsia independente, que desmentiu vários pontos da versão oficial -- como o buraco de 7mm em seu crânio, incompatível com o disparo de uma 9mm. A carta de suicídio, escrita em francês para a mãe, continha erros gramaticais bisonhos. Mais tarde, grafologistas suíços atestaram que o documento era uma falsificação grosseira. Marcus Wolf, número 2 da polícia política da Alemanha Oriental, garantiu que Estermann havia sido agente da Stasi.

 

Colegas de Tornay relataram que o jovem sofria bullying do oficial. Alguns jornalistas, como o britânico John Follain, autor de City of Secrets, escutaram nos bastidores da Santa Sé que Estermann era gay e teria trocado o cabo por um outro guarda. Enfim, um enredo folhetinesco com poucos personagens e múltiplas personalidades. Muguette não acreditou no suicídio do filho. Enviou carta ao papa pedindo a reabertura do caso, mas João Paulo II já lutava contra o Parkinson e havia se tornado refém da cúria. Bento XVI ignorou o pedido. Francisco nunca tocou no assunto. Enquanto isso, vale a versão de Valls. Roma locuta, causa finita.

 

 

Fontes: Site do Vaticano, livro ‘O Internacionalismo Vaticano e a nova Ordem Mundial’

 

 

 

 

 

 

Diplomacia papal


Com poder de convencimento, diplomacia papal ajuda a resolver conflitos


Professora e autora de livro sobre o Vaticano avalia a mudança de política após Francisco se tornar papa

 

Fernanda Simas

 

A viagem do papa Francisco por Cuba e, em seguida, EUA evidencia o papel importante do pontífice na retomada das relações diplomáticas entre os dois países, relações cortadas há mais de 50 anos. Mais do que isso, mostra a nova política adotada por Francisco, focada mais na resolução de conflitos e problemas sociais.

 

“Analisando as decisões em âmbito internacional do papa Francisco nesses primeiros dois anos e meio, podemos dizer que sua postura é uma ruptura clara com a diplomacia exercida no período de Bento XVI e João Paulo II”, afirma a professora de História das Relações Internacionais na Universidade Federal do Pampa, Anna Carletti, autora do livro O internacionalismo Vaticano e a nova Ordem Mundial.

 

Em entrevista ao Estado, ela afirma que a diplomacia papal tem entre seus objetivos manter as boas relações com Estados e mediar conflitos, papel que Francisco tem incorporado desde que assumiu. “A Santa Sé não possui os recursos militares e econômicos importantes para determinar o início ou o fim de um conflito, mas faz uso de um poder brando, que é o do convencimento, da mudança de mentalidade, do apoio que pode contribuir a legitimar ou deslegitimar um determinado poder político”

 

Qual é o principal objetivo da diplomacia papal atualmente?

A diplomacia papal é considerada a diplomacia mais antiga. Sua origem remonta ao século XV quando o papado estabelece suas primeiras missões permanentes seguindo o exemplo das Cidades-Estados italianas. A primeira Nunciatura (correspondente a embaixadas dos outros Estados) foi junto à corte do Doge de Veneza em 1488, para informar os papa das questões religiosas daqueles determinados lugares, defender a liberdade da Igreja contra as ingerências dos príncipes, cuidar das Igrejas locais. A diplomacia papal hoje tem praticamente funções similares: O Núncio tem a função de elo entre a Igreja local e o papa e a função de manter boas relações com os Estados com os quais a Santa Sé mantém relações diplomáticas. Mas é importante dizer que além dessas funções, descritas no Código Canônico, quase em todos os pontificados houve uma diferente postura de conduzir a diplomacia da Santa Sé. A biografia de cada papa é muito importante para compreender os passos dados nessa área, mas é preciso considerar também o contexto político, social e econômico de cada pontificado.

 

A atuação mudou em relação à diplomacia exercida por Bento XVI e João Paulo II?

Analisando as decisões em âmbito internacional do papa Francisco nesses primeiros dois anos e meio, podemos dizer que sua postura é uma ruptura clara com a diplomacia exercida no período de Bento XVI e João Paulo II. É difícil resumir em poucos parágrafos as características da cada pontificado. João Paulo II, polonês, aliou-se ao presidente americano Ronald Reagan para combater o comunismo. Combateu qualquer tipo de diálogo entre a Igreja Católica e os movimentos de esquerda da América do Sul e América Central que combatiam os governos ditatoriais vigentes nos anos 80 e 90 e considerou a Teologia de Libertação como um perigo para a ortodoxia católica. Bento XVI continuou a linha de João Paulo II, mas enfrentando os escândalos sexuais e financeiros, problemas herdados do seu predecessor.

Quanto ao atual papa, ele parece ir na direção contrária àquela dada por João Paulo II, principalmente no que diz respeito à América Central e à América Latina. Ele criou o Encontro Mundial dos Movimentos Populares e deu incentivo à luta social deles. Facilitou a beatificação de Dom Oscar Romero, morto pelos agentes governamentais da ditadura salvadorenha, após anos de silêncio por parte da Santa Sé, reabilitou o padre Miguel d’Escoto, sacerdote que se tornou na década de 1970 ministro das Relações Exteriores do governo sandinista e por isso foi suspenso de suas funções sacerdotais por 29 anos; incentivou a mediação pontifícia entre Cuba e Estados Unidos.

Além disso, procurou garantir uma representatividade mais equilibrada com a nomeação de 31 cardeais nos dois primeiros anos provenientes não tanto da Europa, mas de outros continentes. A porcentagem da presença europeia caiu de 57% a 37 %, ao mesmo tempo em que dobrou a porcentagem dos cardeais da América do Sul e da América Central.

 

Quando a diplomacia papal se torna importante no cenário político mundial? Ela pode ser determinante em tempos de guerra e conflito?

Acredito que ela se torna mais incisiva a partir dos dois conflitos mundiais e em particular no período da Guerra Fria. A Santa Sé não possui os recursos militares e econômicos importantes para determinar o início ou o fim de um conflito, mas faz uso de um poder brando, que é o do convencimento, da mudança de mentalidade, do apoio que pode contribuir a legitimar ou deslegitimar um determinado poder político. Não diria que ela pode ser determinante, mas pode dar sua contribuição principalmente na função de mediação e arbitragem que foi ao longo da história um dos instrumentos mais incisivos nos conflitos entre países. Temos o registro de 14 intervenções importantes realizadas pela Santa Sé em âmbito internacional. A primeira ocorrida durante a Guerra franco-prussiana em 1870 e a mais recente, ainda no pontificado de João Paulo II, na disputa chileno-argentina sobre o canal de Beagle. Isso sem contar a atual mediação entre EUA e Cuba.

 

É possível comparar a atuação de Francisco mediando a retomada das relações diplomáticas entre Cuba e EUA com a atuação de João XXIII ao não cortar relações com o governo de Fidel Castro?

De certa forma sim. Francisco de certa forma aperfeiçoou essa atuação internacional. O empenho de João XXIII foi de certa forma solitário e não reconhecido oficialmente pelos dois líderes. A atuação do papa Francisco começou no ano passado e continuou — bastante silenciosa, mas não por isso menos eficaz — durante todo este ano. Ele foi reconhecido publicamente por Obama e Raúl Castro. É preciso evidenciar que, diferentemente de João XXIII, Francisco não agiu sozinho. Contou com colaboradores qualificados e conhecedores da realidade cubana, aliados do papa em uma Cúria Romana que ele tenta reformar. Entre os auxiliares do papa, o número 1 é o secretário de Estado Parolin, que atuou como núncio na Venezuela chavista, parceira e aliada privilegiada de Cuba. O número 2 da Secretaria de Estado, Giovanni Angelo Becciu, foi núncio em Havana de 2009 a 2011. Participou também o cardeal Beniamino Stella, que foi representante da Santa Sé em Cuba de 1992 a 1999 e ajudou a preparar a visita de João Paulo II.

 

A atuação de João XXIII na crise dos mísseis pode ser considerada um marco na diplomacia papal?

Certamente sim. Outras ações marcantes podem ser a de Pio XII no combate ao comunismo logo após o fim da 2.ª Guerra. Sua convicção e luta acérrima ao comunismo mudaram, no meu parecer, a história política italiana do pós-guerra. A aliança explícita com os EUA, que mantinha o mesmo objetivo de combate contra o bloco comunista, se repetiu com João Paulo II, que certamente deu uma forte contribuição para o fim do bloco soviético.

 

Na sua opinião, quais outras ações de papas podem ser consideradas marcos?

Atualmente, a mudança que o papa Francisco está buscando implementar é a preferência que ele está dando às periferias. Tais periferias devem ser entendidas em vários níveis: o primeiro em relação à própria Igreja Católica, onde o papa procura operar uma descentralização, onde a Cúria Romana perderia seu papel central para ser considerada apenas um organismo a serviço das Igrejas Locais (isso já seria uma revolução), o segundo em relação à sociedade, e isso tanto em relação às pessoas que são excluídas, exploradas, quanto em relação aos povos considerados periféricos, às nações que sofrem a injustiça de um sistema econômico definido pelo papa como um ‘sistema que mata’. As visitas na Itália e no exterior expressam essa preferência. O papa escolheu visitar países que estão ou na periferia da Europa ou na região conhecida como o sul do mundo, caracterizada por um passado ou presente de conflitos ou marginalização do centro mundial político e econômico.

 

Na sua opinião, com a passagem de Francisco como chefe do Vaticano, a diplomacia papal ganhou mais evidência?

Certamente. Como falei antes, os escândalos financeiros e sexuais minaram a credibilidade e legitimidade da Igreja Católica, sobretudo no pontificado de Bento XVI. Com Francisco, apesar das fortes críticas recebidas pelos mais conservadores católico, a Igreja Católica parece estar entrando em uma nova fase. A atuação diplomática de Francisco é silenciosa, mas não por isso menos efetiva. Baste pensar na mediação entre EUA e Cuba. Quando foi veiculada a mediação da Santa Sé, causou grande surpresa, mas tratava-se de um trabalho que já estava em curso há meses.

Capítulo 2

O PAPA FRANCISCO