Os ladrões se espalharam pelo País e o dinheiro começa a sumir

A PF prende os primeiros acusados do Banco Central Clique aqui e assista ao vídeo completo. Não foram poucas as cédulas de R$ 50 que ficaram espalhadas pelos cômodos da casa. Maços de dinheiro e notas soltas misturavam-se à sujeira do local, com marcas de terra e garrafas de gatorade por todos os cantos. Deixar toda aquela quantia para trás se justificava pela pressa. Quanto antes saíssem, menor o risco de serem descobertos. E, mais importante: a quadrilha já tinha conseguido muito mais do que o suficiente.

Perícia é realizada em furgão utilizado pela quadrilha para retirar dinheiro da casa que serviu de base para as escavações. Foto: Vidal Cavalcante/AE Ao sentir as notas na mãos, depois de cerca de três meses escavando até a caixa-forte, cada integrante do bando já sabia quanto seria sua cota. Para os líderes e financiadores, aproximadamente R$ 5 milhões. Para os operários, aqueles que de fato cavaram, variava em torno de R$ 2 milhões. Mais de 100 sacas, normalmente usadas para transportar trigo, transbordavam de dinheiro quando foram empilhadas às pressas em um furgão branco, alugado pelo grupo.

A quadrilha contava com um fator a seu lado: o tempo. O furto só viria a ser descoberto quando funcionários do Banco Central notaram algo de errado ao entrar na caixa-forte, na manhã da segunda-feira seguinte. Havia se passado mais de 48 horas que o furto fora efetuado.

O destino de mais de um terço do dinheiro roubado, aproximadamente R$ 56 milhões, foi uma casa localizada na Avenida Perimetral, no bairro Mondubim, em Fortaleza. A residência havia sido comprada meses antes do furto por um dos membros cearenses da quadrilha e ficava a 16 quilômetros da base das escavações. Lá, esconderam uma parte do montante por tempo suficiente para que o bando decidisse como distribuir as cotas e depois fugir. Outra parcela havia sido repartida horas depois.

A fuga por terra foi a opção escolhida por alguns dos ladrões. Antes que o Banco Central percebesse a subtração no seu cofre, muitos já haviam seguido diferentes caminhos por rodovias com o dinheiro guardado em caixas ou em malas. O grupo era composto por integrantes naturais das cinco regiões do País e ninguém queria ficar muito próximo um do outro com receio de facilitar as investigações da polícia. Quem fosse preso, naturalmente, perderia o dinheiro.

Mas, naquelas condições, ser milionário também tinha suas dificuldades. Uma delas é que todo patrimônio se resumia a notas velhas de R$ 50. Comprar à vista, desde que fosse barato, não era problema. Quando o valor era alto, no entanto, o pagamento se tornava uma inconveniência.

Tanto que, no dia seguinte ao crime, integrantes da quadrilha foram vistos em uma concessionária, onde resolveram comprar 11 veículos, entre caminhonetes e carros de passeios, e pagaram R$ 980 mil. Tudo em notas de R$ 50. Enxertaram outros R$ 4 milhões na lataria dos veículos e os despacharam em um caminhão cegonha para São Paulo. Quitada na hora, a compra despertou a atenção dos funcionários da concessionária, que fizeram a informação chegar à polícia.

“É interessante notar que o grupo teve uma operação muito sofisticada e planejada na execução do crime, mas na fase posterior foi bastante atabalhoada. A compra dos carros foi uma coisa assim meio rocambolesca. Compraram à vista. Mostrou uma falta de preparo para o momento da fuga e acabaram deixando várias pistas. A partir daí foi que a polícia começou a desfiar esse novelo”, analisou o procurador da República Samuel Miranda Arruda, que atuou no caso.

Virou farinha. Em meio à fuga, cada um se virou como pôde. É o que conta o advogado Eliseu Minichillo, representante de 16 réus de processos ligados ao furto.

“Em meio à fuga, cada um se virou como pôde. Um deles enterrou o dinheiro, parece que colocou em tubo de PVC, ou coisa assim, e quando foi tirar o dinheiro estava todo embolorado. Aí deram a ideia de lavar o dinheiro. Foram lavar, mas lavar cédula por cédula é meio complicado, logo colocaram na máquina de lavar com determinado produto e bateram. Perderam já ali uma grande quantidade. E depois para secar o dinheiro também. Começou a colocar no varal com prendedor, só que era uma quantia muito grande e tiveram a ideia de secar no forno. Colocaram todo o dinheiro em formas de bolo e foram secar no forno. Na hora que estava bem seco, foram pegar para contar e viram que o dinheiro virou farofa. Perderam todo o dinheiro. Milhões de reais que viraram farinha.”

A PF fez a primeira grande apreensão de dinheiro furtado três dias depois de o caminhão cegonha sair em direção a São Paulo. Os federais já sabiam que a carreta com uma boa quantia de dinheiro estava a caminho do Sudeste. Não sabiam, no entanto, a localização exata do veículo. Os agentes monitoravam prováveis pontos de chegada e lançaram alertas para bases da polícia rodoviária. Mas não seria necessário tanto trabalho.

Enquanto a polícia tentava rastrear o veículo, o motorista da carreta estava preocupado. E tinha suas razões. Primeiro porque o chefe, José Charles Machado de Morais, sócio da transportadora, nunca havia viajado com ele, mesmo em caso de entregas distantes com veículos caros. Agora, porém, estava no banco do carona, com cara de preocupado e sem tirar o celular da mão. Mais do que isso, pedia por paradas constantes, que aproveitava para ir a orelhões onde ficava em conversas demoradas.

Em uma das paradas no caminho, o condutor notou que cédulas saltavam dos estofados e da lataria de alguns carros da cegonha, deixando à mostra o que, em princípio, deveria estar muito bem escondido. O motoristas, que sabia já do megafurto em Fortaleza, ao ver as notas, desconfiou. Havia entrado em uma fria.

Na BR-040, na altura da cidade de Sete Lagoas, em Minas Gerais, o condutor fez uma manobra brusca, surpreendendo José Charles Morais e jogando a carreta para dentro de um posto da Polícia Rodoviária Federal. Aos agentes da base, só disse para averiguarem se havia algo de errado com o que transportava. “Acho que meu patrão tem uma coisa pra contar pra vocês”, disse. Charles acabou preso em flagrante com o dinheiro do roubo.

Galeria do Túnel

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Desde que as investigações haviam começado - e o crime tomou o noticiário do País com o rótulo de maior assalto a banco em território nacional - não paravam de chegar aos agentes informes de suspeitas. As equipes envolvidas tinham de se desdobrar para averiguar as inúmeras denúncias.

Como de praxe, o caminho inicial dos policiais passava por portos, aeroportos e rodoviárias. Os investigadores tinham de rastrear todos os rotas possíveis de fuga para traçar um mapa de destino do dinheiro. Foi no aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza, que surgiu outra pista: no balcão da TAM foi informado que sete pessoas pessoas compraram passagens com dinheiro vivo e embarcaram no voo 3300, com destino a São Paulo no final de semana do furto. O grupo havia sido o único a pagar os tíquetes à vista, com notas de R$ 50.

Retrato falado de “Alemão” elaborado pela PF dias após o furto ao Banco Central. Foto: Vidal Cavalcante/AE Com auxílio de imagens do circuito de segurança, a PF visualizou os possíveis envolvidos com o caso. Para embarcar, o grupo usou identidades falsas, mas havia algo que eles não conseguiriam esconder: os rostos. Como agentes paulistas foram acionados para participar do inquérito, foi imediato o reconhecimento de dois homens. Com vasta ficha criminal em São Paulo, Moisés Teixeira da Silva, o Cabelo, e Luiz Fernando Ribeiro, o Fernandinho, seriam apontados posteriormente como dois dos líderes da quadrilha.

Moisés havia sido denunciado por participação em assaltos milionários, como o ataque à transportadora Transbank, de onde foram levados R$ 4 milhões em 2004 também com uso de um túnel. Fernandinho era conhecido por sua relação com o tráfico de drogas na zona sul capital paulista e teria financiado a maior parte do valor necessário para os preparativos da escavação em Fortaleza.

Estavam ali, na imagens das câmeras, dois dos personagens mais relevantes da quadrilha. O reconhecimento dos suspeitos não permitia que a polícia agisse de imediato para prendê-los. Era necessário reunir provas e acompanhá-los para saber onde estava o dinheiro, já que claramente não haviam embarcado com grandes volumes.

A polícia seguia reunindo todas as pistas que conseguia para começar a identificar e localizar o bando. Tudo poderia servir de fonte de informação que levasse a algum nome responsável pela escavação do túnel. Na varredura que fizeram na casa, os agentes encontraram um cartão da TIM para recarga de celular pré-pago. A partir do código de barras impresso no objeto, a PF conseguiu rastrear a destinação da recarga e grampear um dos primeiros número de telefone celular da investigação.

Interceptações autorizadas judicialmente em celulares foi um recurso da PF utilizado ao longo de todo o tempo do inquérito. Elas permitiam obter indícios de suspeitos, detalhes da participação de cada membro e divisão das cotas, mas também eram a chave para localizar os componentes da quadrilha e material de prova no curso do processo posteriormente aberto na Justiça. Com uma semana de investigação, o objetivo no momento era encontrar e prender, se possível com o dinheiro, os ladrões.

O golpe mais duro contra os assaltantes ocorreu 54 dias depois do crime, em 29 de setembro de 2005, e também contou com auxílio de um grampo. Era meio dia e integrantes da quadrilha saíram da casa no bairro do Mondubim, onde estava parte do dinheiro, para ir a um bar localizado na frente da residência. Buscariam marmitas para o almoço. Eles logo perceberam que algo ali não estava certo.

Um rosto despertou a familiaridade de um ladrão: o delegado Antonio Celso dos Santos havia pegado o mesmo voo comercial de São Paulo a Fortaleza com parte do bando, que agora estava responsável pela guarda do valor. “Deita, deita, deita!” foram os gritos que ouviram, instantes depois, vindos dos agentes da PF disfarçados. Desde cedo no bar, os policiais aguardaram o melhor momento para agir.

A primeira pista de que a casa no Mondubim estaria guardando algum valor do furto veio durante uma interceptação telefônica. Antônio Edimar Bezerra, proprietário da residência, falava para a namorada comprar com urgência um quilo de liga elástica em uma papelaria e levar para o local. Que outro uso fariam de tantas ligas se não para amarrar dinheiro?, pensaram os investigadores. A partir daí, localizaram e seguiram a mulher, que entregou o saco de ligas ao bando na casa suspeita.

A polícia invadiu a residência logo depois de dominar os homens no bar. Em 20 sacos, encontrou R$ 12.266.200,00 do Banco Central. O bando havia virado a noite contando e separando as cédulas para as cotas, mas não contavam com a antecipação dos agentes. Parte desse valor também estava no interior de um guarda-roupa e em caixas de isopor enterradas sob o piso de um dos quartos. Esse foi o maior valor apreendido de uma só vez pela polícia. Mas poderia ter sido bem maior.

Na semana anterior, um caminhão passou na casa e levou cerca de R$ 44 milhões para ser distribuído a outros integrantes da quadrilha. Não carregou mais porque não cabia no veículo e ficou com a promessa de retornar na semana seguinte para completar o resgate da encomenda. Não houve tempo. A polícia ainda registrou que um caminhão suspeito chegou a passar pela rua no dia da apreensão, mas, talvez, por ter notado alguma movimentação estranha, nem sequer parou e fugiu do local.

Passar tanto tempo com uma grande quantia parada em um só lugar foi avaliado depois por membros do grupo como um erro. Os responsáveis pela guarda se mostravam angustiados em interceptações feitas pela polícia e pediam que o caminhão passasse logo para resgatar o dinheiro. “Como está o tempo por aí?”, perguntava um dos ladrões em uma ligação. “Aqui está um sol bem forte. Tempo limpo”, respondia outro, dando o sinal de que a área estava livre para que o restante da fortuna fosse transferida de base, o que a polícia conseguiu impedir. A busca pelo restante do dinheiro e pelos demais integrantes continuava. A procura estava prestes a se transformar em verdadeira caça. Nela não se empenhariam apenas os agentes federais. O dinheiro não rastreável atraía outros bandidos e outros policiais em uma disputa para roubar os ladrões. Achaques, sequestros e assassinatos liquefizeram a fronteira entre os homens da lei e os criminosos e transformaram em vítimas Rafael e seus comparsas. Era a corrida do ouro.

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