O escritor gaúcho fez questão de ler para o público o trecho da obra que seu pai começou a escrever em 1947, “na sala de jantar de casa”, e que marcou sua relação com a gastronomia. “Acompanhei o gênesis da trilogia ‘O Tempo e o Vento’. Eu tinha 11 anos e me lembro principalmente da cena da chegada do capitão Rodrigo a Santa Fé, no primeiro volume. Ele é um guerreiro, um aventureiro. Quando perguntam de onde ele vem, diz: ‘de muitas guerras’”, lembrou Veríssimo, que em seguida finalizou a leitura: “Rodrigo começou a trinchar a linguiça com alegria”.
A principal obra de seu pai ajudou Veríssimo a perceber que não precisava necessariamente de comida para falar de gastronomia. “Descobri que só com a evocação da palavra eu poderia sentir quase o mesmo prazer.”
Que o prazer é apenas “quase o mesmo” ele deixou claro assim que subiu à bancada, quando contou que é “cardíaco e diabético”. “Antes eu não sabia cozinhar; agora, eu não posso cozinhar e também não posso comer”, lamentou, em tom de brincadeira.
A proibição gastronômica, aliás, foi tema de sua famosa “crônica do ovo”, cujo primeiro parágrafo ele também leu para o público:
“Agora essa. Descobriram que ovo, afinal, não faz mal. Durante anos, nos aterrorizaram. Ovos eram bombas de colesterol. Não eram apenas desaconselháveis, eram mortais. Você podia calcular em dias o tempo de vida perdido cada vez que comia uma gema. Cardíacos deviam desviar o olhar se um ovo fosse servido num prato vizinho: ver o ovo fazia mal. E agora estão dizendo que foi tudo engano, o ovo é inofensivo. O ovo é incapaz de matar uma mosca. A próxima será que o bacon limpa as artérias. Sei não, mas me devem algum tipo de indenização. Não se renuncia a pouca coisa quando se renuncia a ovo frito. Dizem que a única coisa melhor do que ovo frito é sexo”.
Então pairou no ar uma curiosidade geral sobre qual a relação de Veríssimo com o ovo. “Eu escrevi essa crônica porque de uma hora pra outra fui privado do ovo. E de repente dizem que o ovo nunca fez mal. Então, escrevi com uma certa revolta”. Quando perguntado sobre churrasco, que também já foi assunto para crônica sua, Veríssimo disse: “Preciso fazer uma confissão vergonhosa: lá em casa, quem faz o churrasco é a minha mulher, Lucia. E o pior: ela é carioca.”
Nesse instante, uma mulher da plateia perguntou ao escritor: “Qual é a especialidade da Lucia?” Ele pensou, pensou... e disse: “A Lucia é uma boa cozinheira. Qual é a sua especialidade, Lucia?”
Da primeira fileira, a esposa do escritor respondeu: “Ué, tu não fala nenhuma?”
Mais que depressa, Veríssimo elegeu: “Salada!”, para a risada geral da público