Fãs bancam ideias de artistas

Thaise Constancio e Julia Matravolgyi

Aconteceu no início da noite, enquanto a maioria dos televisores ainda não sintonizava a transmissão da 85ª cerimônia do Oscar: o filme Inocente foi premiado na categoria de Melhor Documentário de Curta-Metragem. Poderia ser apenas uma comemorada estatueta para o cinema alternativo, não fosse o detalhe de que o filme chegou às telas graças a internautas que contribuíram com o projeto por meio do crowdfunding - ou financiamento colaborativo.

O modelo tem permitido a realização de diversos projetos criativos, dos documentários à fotografia, das webséries aos quadrinhos. O formato não é novo, mas tem se firmado no mercado de maneira efetiva desde que foi adaptado às redes sociais. Em 2013, o crowdfunding deve movimentar R$ 11 bilhões no mundo, um salto de 89% em

comparação aos R$ 6 bilhões do ano passado, segundo a consultoria Massolution, especializada na área.

A pesquisadora Inge Sorensen, que estuda o impacto do financiamento colaborativo no Reino Unido, acredita que o crowdfunding se destaca por usar as plataformas online para aproximar artista e público. "O financiamento colaborativo sempre existiu. A internet apenas o potencializou e tornou seu acesso mais fácil", afirma.

A proposta é simples: o artista submete o projeto gratuitamente ao site de financiamento colaborativo e estabelece um prazo e uma meta mínima para arrecadação. Este site é uma plataforma que permite que o público contribua com a quantia que desejar. O valor doado dá direito a uma recompensa, que pode ir, por exemplo, de um ingresso para assistir a um filme a um jantar com o artista.

Mundo

O financiamento colaborativo movimentou R$6 bilhões em 2012. ARTE: JULIA MATRAVOLGYI E THAISE CONSTANCIO/ESTADÃO CONTEÚDO.

"O crowdfunding é uma ferramenta poderosa para grupos culturais coesos que estavam à margem do sistema tradicional", afirma o coordenador de propriedade intelectual da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Ronaldo Lemos. Até então, esses grupos se apoiavam em uma base sólida de fãs que se mobilizava para apoiar o artista.

No caso do documentário Inocente, por meio da plataforma americana Kickstarter, a maior do mundo no setor, os produtores arrecadaram R$117 mil para distribuir e adaptar a obra.

Desde sua fundação, em 2009, a Kickstarter já conseguiu mais de R$ 1,5 bilhão para produzir 45 mil projetos criativos. Desse valor, R$ 225 milhões foram para filmes independentes. "O crowdfunding tende a se perpetuar porque as pessoas querem estar socialmente ativas e engajadas", analisa o diretor de pesquisas da Massolution, Kevin Kartaszewicz-Grell.

Exemplos brasileiros. Principal plataforma brasileira, o Catarse já movimentou, desde 2011, R$ 8,5 milhões para realizar mais de 570 projetos. Isso significa que 53% das propostas inscritas alcançaram a meta mínima de arrecadação. "O crowdfunding abre uma avenida de possibilidades de financiamentos de projetos culturais e sociais, com uma nova lógica de mercado. É o início de uma exposição que vai gerar lucro no longo prazo", diz Diego Borin, do Catarse.

Dentre as propostas que ganharam vida, destacam-se as histórias em quadrinhos do ilustrador Rafael Koff, que lançará em breve o terceiro livro patrocinado por fãs e leitores. "O

financiamento colaborativo dá voz ao público, permitindo que ele diga o que quer consumir. O artista pode se exoressar sem intervenções", afirma.

Da mesma maneira, a coletânea É Preciso Arrumar a Casa, que reúne o trabalho autobiográfico de seis fotógrafos, sairá do papel com a ajuda da plataforma. Eles arrecadaram R$ 26,7 mil com a ajuda de 347 apoiadores. Com doações de R$ 15 a R$ 3 mil, os colaboradores permitirão a impressão dos livros. Integrante do grupo, Roberta Sant'Anna explica que o grupo optou pelo crowdfunding por ser um modelo de financiamento menos burocrático.

Já o cineasta Christiano Tex, que captou R$ 32,9 mil por meio do Catarse para produzir o último episódio da websérie Nerd of the Dead, acredita que essa alternativa de financiamento não é suficiente para atender às produções independentes. "Falta uma reconfiguração maior no mercado. Antes de fomentar novos artistas, é preciso estimular o hábito cultural de apoiar projetos que cheguem ao grande circuito."

Apesar das perspectivas otimistas, os especialistas são cautelosos em apontar mudanças que o modelo poderá provocar. "Não acredito que o crowdfunding reconfigure o mercado, mas certamente influenciará várias modalidades de financiamento à cultura", diz Lemos, da FGV. Para Inge Sorensen, do Reino Unido, os projetos que se saem melhor nessas plataformas são aqueles que aprendem a aproveitar, e não a renunciar, sua posição na mídia tradicional.

Crowdfunding

Entenda como funciona o processo de Crowdfunding. ARTE: JULIA MATRAVOLGYI E THAISE CONSTANCIO/ESTADÃO CONTEÚDO.