Artigo
TOM ZÉ / Especial para o Estado
O sêmen de Jagger e a perpetuação da raça rock and roll
ick Jagger diz que tentou imitar no palco a dança de James Brown. Mas seu movimento que mais me chama a atenção são as caminhadas altivas e longas, peito erguido, cabeça levantada, em que ele, lindo como cavaleiro da Coroa e orgulho da raça, lembra um Ricardo III que seja homem-e-cavalo de uma só vez. E lá vai o carteiro, atávico cavalo-estafeta, indo e vindo por toda a extensão do palco, sem pausa, levando e trazendo notícias de toda e para toda a parte. O rock foi uma grande notícia sobre a Terra. Imprimiu transformações na vida e nos costumes. Notícias como as que destruíram os cinemas americanos na estreia do inesquecível No Balanço das Horas, em que Bill Halley tocou o estonteante Rock around the clock (Deus tenha piedade de nós).
Apesar de guerreiro destruidor, o rock não é tão pessimista quanto a obra Angelus, de Paul Klee, porque, gostem ou não os conservadores, ele, mesmo avassalador, contém em seu ventre a semente para substituir o que foi.
Mickavalo Jagger é, mais que a enfraquecida Rainha Elizabeth e que o opaco príncipe herdeiro, o Cavaleiro que mantém um pouco do prestígio mundial que envolvia o Império Britânico, hoje contraído e despojado de Jagger. E assim segue o Cavaleiro em diversas frentes: 1) Recompõe, pela canção, parte da presença do Império e abarrota os cofres da Coroa com direitos autorais, pondo na boca e no coração do Planeta trovas e canções de fonte de inspiração britânica. 2) Empenha-se na tarefa de espalhar o seu sêmen imperial, mantendo um harém descontínuo nos cinco continentes, gerando filhos que se tornam conhecidos ou não – a depender das conveniências sociais de cada uma das régias concubinas eleitas.
Estas, numa função tão importante para a Coroa, são criaturas escolhidas com esmero. Sir Jagger não sairia por aí espalhando o régio sêmen a não ser na cavidade adequada das moças mais geneticamente promissoras, transformando o prazer pessoal numa experiência geradora que venha apurar a descendência do Rei Artur e de sua Távola Redonda. O harém imperial merece mais considerações técnicas. É criado com feições e estratégias de uma guerra de guerrilha. Não há quartel estabelecido, não há soldados fardados que possam de antemão ser reconhecidos, não se sabe dia, país ou hora em que o harém vai se instalar. Os detalhes ficam a cargo do feeling do cavaleiro Jagger.
Ele tem de possuir no olho um verdadeiro laboratório de avaliação genética que, com o ‘glimpse’ de um raio, identifique entre as moças que tiveram a astúcia e habilidade de passar pela segurança e chegar ao seu camarim qual seria uma parceira adequada para a procriação que, ali mesmo, num canto de banheiro, atrás de alguma porta, ou num fortuito corredor, possa ser a depositária do régio sêmen, passando a ter a responsabilidade de gerar um descendente digno de Galahad, Lancelote, Palamedes, Percival e de todas as Távolas e possessões.
No passado, os poderosos do governo britânico diziam que seu império era tão extenso que, com sua imensidão, “o sol nunca se punha”. Nos dias atuais do império enfraquecido, só o harém de Mick Jagger tem cacife para repetir o provérbio.
Veja também: CARLOS LYRABeatles e Bossa Nova mais próximos do que se imagina
M