Paul x Mick

A locomotiva que não pára

PAUL
MICK
ARTIGOS VÍDEOS

Raio X

Mick Jagger

JULIO MARIA

INFÂNCIA

Um ano e oito dias depois do nascimento de Paul McCartney, Michael Phillip Jagger veio ao mundo. Era 26 de julho de 1943 em Dartford, a 309 quilômetros de Liverpool, quando Mick deu seus primeiros gritos. E foi a partir desse dia que, acredita, se tornou cantor. Um cantor sem justificativas hereditárias. Seu pai, Basil Joe Jagger, era um professor de educação física e sua mãe, Eva, uma ex-cabeleireira nascida na Austrália. Joe colocava o filho para correr e fazer exercícios como se ele fosse um atleta. Mas o desespero veio mesmo no dia em que o pai pediu à direção para torná-lo capitão da equipe de rúgbi. “Aquilo era muito violento”, lembraria Jagger. Eva vendia cosméticos, algo que parecia atraí-lo mais. Mick chamava as amigas da Escola Gramática de Dartford para irem à sua casa testarem os produtos e adorava quando elas o maquiavam. Ao mesmo tempo, a música chegava como uma locomotiva pelos trilhos do toca-discos da sala e pelas performances no coral da igreja. O primeiro LP que comprou foi 'Muddy Waters at Newport', do bluesman do Mississippi, Muddy Waters. E os primeiros sons que esfriaram sua espinha foram os blues de Big Bill Bronzy, Sister Rosetta Tharpe e Leadbelly. No entanto, seriam três brancos e um negro que ajudariam Michael Phillip a virar Mick Jagger: Buddy Holly, Eddie Cochran, Elvis Presley e ele, Chuck Berry, um homem que, para Jagger e Keith Richards, também seria uma ponte.

 

Muddy Waters cantando 'Got My Mojo Working' em 1960,
 no Festival de Newport (EUA)
O disco com esta gravação foi o primeiro comprado por Mick Jagger
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ENCONTRO COM KEITH RICHARDS

Os protagonistas não se esquecem daquele dia. E sobre ele só existe uma versão. Uma carta escrita por Keith Richards à sua tia Patty, no outono de 1961, narra o que aconteceu no momento em que os planetas se posicionaram sobre a Estação de Trem de Dartford. “Eu estava segurando uns discos do Chuck Berry quando um carinha que eu já conhecia do primário, dos 7 aos 11 anos, veio falar comigo. Ele tinha todos os discos que o Chuck havia gravado até então. E a turma dele também. Enfim, esse cara da estação se chama Mick Jagger...” O assunto Chuck Berry foi a fagulha que ligaria duas pessoas pelos próximos – contabilizados até hoje – 54 anos. Entre tapas e afagos, brigas e diversões, mulheres e drogas, Jagger e Richard se tornariam quimicamente dependentes. “Se a gente se deu bem?”, diz Keith em sua autobiografia 'Vida'. “Você entra num vagão com um cara que está com 'Rock'n at the Hops', do Chuck Berry, e o 'The Best of Muddy Waters' debaixo do braço... É claro que a gente se deu bem”. O encontro na estação foi depois de uma infância próxima. Os dois se lembrariam depois que chegaram a morar na mesma quadra e a estudar na mesma escola. Um dia, enquanto brincavam no parquinho, Jagger perguntou o que Richards gostaria de ser quando crescesse. E a resposta foi: “Quero ser como Roy Roger e tocar guitarra”.

 

Chuck Berry cantando 'Roll Over Beethoven' nos anos 60O gosto por Berry foi o que uniu Jagger e Richards em uma estação de trem na Inglaterra, em 1961 X

 

 

CRIAÇÃO DA BANDA

O blues que atravessava o Atlântico chegava para ser a razão da existência de Jagger e Richards, que cultivavam gostos idênticos. John Lee Hooker e sua pegada dura e rústica, sem obedecer a tempos previsíveis nas mudanças dos acordes, entraria para o DNA dos Stones assim que a banda viesse a existir. Antes disso, era final de 1961 quando Jagger, seu amigo guitarrista Dick Taylor e Keith Richards deram um longo nome à banda de garagem que resolveram formar: Little Boy Blue and the Blue Boys. Richards tocava um violão Hofner que trazia a inscrição “Blue Boy”. O primeiro repertório do grupo, que valeria milhões de libras se houvesse registro, incluía 'Around and Around' e 'Reelin’ and Rockin', de Berry; 'Bright Lights, Big City', de Jimmy Reed; e, aquela que a banda chamava de ‘a cereja e a cobertura do bolo’, 'La Bamba', com Mick enrolando no espanhol. Uma visita dos amigos ao lugar certo, no dia perfeito, escreveria o resto do futuro. Lá se foram Jagger, Taylor e Richards ao Ealing Club, o templo magnético que atraía uns moleques ingleses cheios de banca, como Eric Clapton, Jack Bruce e Jeff Beck. E quem estava no palco era a primeira banda de blues inglesa formada por brancos chamada Blues Incorporated. O líder era Alexis Korner e o baterista, Charlie Watts. E um dos guitarristas que surgiu outro dia no Ealing foi um loiro possuído que respondia por Elmo Lewis, alcunha que escondia seu verdadeiro nome: Brian Jones. Mick e Richards conheciam o universo do Blues Incorporated, o que seria a espinha dorsal dos Stones. Com Charlie Watts, Brian Jones, Jagger e Richards, mais o baixista Bill Wyman, estariam prontos para formar “a melhor banda de rhythm and blues de Londres”.

 

Blues Incorporated toca 'I'll Build For Comfort' no pub Marquee, em LondresO baixista Jack Bruce e o baterista Ginger Baker, a espinha dorsal do Cream, também passaram pela banda X

 

 

PRIMEIRO HIT

O primeiro single de estreia dos Stones saiu em junho de 1963. Seguindo a cartilha do blues rock para o qual fizeram votos de castidade, os Stones lançaram uma versão de 'Come On', de Chuck Berry. A música não chegou ao Top 20 britânico, mas levou os rapazes à TV um mês depois, no programa 'Thank Your Lucky Stars'. Ainda não havia um hit, mas agora já havia uma face. E no final daquele mesmo ano de 63, os Stones acatariam duas sugestões de John Lennon: gravarem uma versão de 'I Wanna Be Your Man', que Lennon havia feito com McCartney, e 'Not Fade Away', de Buddy Holly. O primeiro LP viria um pouco depois, em abril de 1964, com uma série de músicas gravadas de shows ao vivo, sobretudo covers como 'Honest I Do' (Jimmi Reed) e 'I Just Want to Make Love to You' (Muddy Waters). Richards narra em suas memórias que o primeiro grande passo ousado do grupo veio com a gravação de 'Little Red Roster', de Willie Dixon, em novembro de 1964. Fazer mais um blues era marcar território em um momento em que as gravadoras torciam o nariz para o radicalismo do grupo. “Era quase uma rebelião contra a música pop. Em nossa arrogância, queríamos fazer uma afirmação”, disse o guitarrista. Seria naquele mesmo ano que viria 'As Tears Go By', a primeira música assinada pela dupla Jagger/Richards a atingir o sucesso. Muito graças ao fato de os Beatles já terem começado a compor suas próprias músicas e a provarem que, assim, se ganhava mais em direitos autorais.

 

'Come On', de Chuck Berry, foi o primeiro single dos Stones, lançado em 1963 X

 

 

TURBULÊNCIAS

Com o estrondo de '(I Can’t Get No) Satisfaction' nas paradas americanas, em 1965, a marca Jagger/Richards se fortalece e começa a incomodar Brian Jones. Seu nível de insatisfação subiria a níveis insuportáveis até que, em 1969, em depressão regada a álcool e drogas, Jones foi substituído pelo guitarrista Mick Taylor. Três semanas depois de sua saída oficial, foi encontrado morto, afogado na piscina de sua casa. A autópsia apontou para uma pane física provocada por drogas, com o coração e o fígado dilatados. A polícia cravou a causa como “morte acidental”. Outra perda que se tornaria traumática: a de um fã durante uma apresentação da banda no autódromo Altamont Raceway. Os seguranças escolhidos eram os integrantes do clube de motociclistas Hell Angels, com um histórico de violência de fazer inveja à máfia italiana. Pouco depois de o show começar, um homem aparentemente armado foi espancado e esfaqueado na plateia. O ano de 1973 traria o primeiro bloqueio criativo. Jagger tinha 30 anos, era pai, e o rock and roll não parecia mais despertar os mesmos monstros. “Rock and roll é um meio de comunicação adolescente. E quando você não se sente mais um adolescente, você para. Eu ainda me sinto como um, mas só três vezes por semana”, disse à rádio inglesa BBC.

 

'Under My Thumb' ao vivo em Altmont, em 1963Mick Jagger tenta conter os ânimos tensos no show que teria a morte de um fã, provocada pelos Hell Angels X

 

 

MULHERES

As sessões de gravação do álbum 'Between the Buttons' contam com uma convidada especial: Marianne Faithfull. O fato de a roqueira ser casada com John Dunbar e Mick Jagger estar comprometido com Chrissie Shrimpton não impediu que os dois começassem um romance. Uma das músicas do disco, 'Let’s Spend the Night Together', parece a muita gente ter sido inspirada no primeiro encontro entre Jagger e Marianne. Ao lado de Marianne, o roqueiro ficava cada dia mais distante de sua mulher oficial, até que um dia resolveu cancelar uma viagem que faria com ela. Chrissie, indignada, tentou suicídio engolindo uma cartela de calmantes. Os dois terminaram e Mick seguiu com a nova namorada. Dentre as outras mulheres que viriam, Jagger balançaria também pela jovem diplomata nicaraguense Bianca Perez, com quem se casaria em 1970 assim que soube que ela estava esperando uma filha sua. Ao todo, diante de um juiz, Jagger se casaria apenas duas vezes e teria sete filhos com quatro mulheres. De Marsha Hunt nasceu Karis; de Jerry Hall nasceram Elizabeth (1984), James (1985), Georgia (1992) e Gabriel (1997); e da brasileira Luciana Gimenez veio Lucas, em 1999, além de Jade, filha com Bianca Jagger, nascida em 1971.

 

'Let's Spend the Night Together' (ao vivo em Leeds, 1982)A letra pode ter sido inspirada na primeira noite de Jagger com Marianne Faithfull X

 

 

DROGAS

Mick jamais foi um 'junkie' com álcool ou bebidas. Não chegou nem perto das performances de Keith Richards ou Eric Clapton em aspiração de pós ou consumo de álcool. Mas era aquela história: se um roqueiro não fosse até às drogas nos anos 60, as drogas iriam até ele. E Jagger sentiu o peso da fama quando sete carros da polícia chegaram à casa de campo de Keith Richards, em Redlands, para uma vistoria: os dois amigos e Marianne Faithfull voltavam de uma viagem de LSD naquele momento. Jagger foi condenado a seis meses de cadeia e Richards, a um ano. As apelações de seus advogados fizeram com que passassem apenas algumas noites presos, mas o episódio deu uma lição em Jagger, que passou a ser ainda mais discreto quando decidia sair da linha. Depois de ouvirem 'Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band', dos Beatles, os Stones começaram a investir em algo mais psicodélico. Se encheram de alucinógenos para gravar 'Their Satanic Majesties Request' mas fracassaram no resultado final. Nenhuma canção foi para as paradas britânicas. Jagger não precisava beber muito para perder o bom senso. Depois de um porre em um hotel, ligou para o quarto de Charlie Watts perguntando: “Cadê o meu baterista?” Enfurecido, Watts bateu na porta de Jagger minutos depois para desferir um certeiro de direita em seu nariz e dizer duas frases: “Nunca mais me chame de ‘seu baterista’. Você que é o meu vocalista, seu bosta”.

 

'Their Satanic Majesties Request' (1967)O disco foi gravado sob fortes efeitos lisérgicos e não
emplacou nas paradas de sucesso
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QUASE FIM DOS STONES

A decisão de Jagger em sair para voos solo nos anos 80 não agradou Keith Richards e deflagrou uma crise na banda. Jagger lançou em 1985 seu primeiro solo, 'She’s the Boss', e cantou 'Honky Tonk Woman' com Tina Turner no festival Live Aid. Segundo as memórias de Richards, os Stones não fizeram nenhuma turnê entre 1982 e 1989 e nenhuma gravação em estúdio entre 1985 e 1989. Jagger foi à imprensa e disse: “Na minha idade e depois de todos esses anos, os Rolling Stones não podem ser a única coisa em minha vida. Eu conquistei o direito de me expressar de outras formas”. Keith Richards também usou os jornais para contra-atacar: “Se ele não sair numa turnê com os Stones mas resolver sair com uma bandinha de garagem, eu rasgo a porra da garganta dele”. Richards continuou disparando contra o amigo: “Ele tem ótimos músicos, mas é como a Copa do Mundo. O time da Inglaterra não é mais o Chelsea ou o Arsenal.” O parceiro saiu então em carreira solo também. Nenhum dos Stones tiveram grande êxito em suas turnês paralelas, nada que chegasse à sombra dos faturamentos que os Stones passaram a ter depois de 1981. Ironicamente, ambos tocavam músicas clássicas da banda em seus shows solo, o que fazia com que parecessem covers de si mesmos. Em janeiro de 1989, se encontraram em Barbados, um terreno neutro. Acertaram as diferenças e voltaram no mesmo voo para Nova York aos risos e abraços. Quando a primavera daquele ano chegou, lançaram com estardalhaço 'Steel Wheels', o álbum da retomada.

 

Mick Jagger e Tina Turner cantam no Live Aid de 1985A carreira solo de Jagger irritou o parceiro Keith Richards,
que ameaçou matá-lo pela imprensa
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SEM SAIR DO PALCO

Os anos 90 começaram com um teste de fogo. Cansado dos jogos de cena, das turnês avassaladoras e das gravações incessantes, o baixista Bill Wyman, “o stone calado” e um dos fundadores da banda, jogou a toalha em 1991. Por sua vez, Jagger e Richards decretaram um longo recesso para pensarem no futuro. Saíram em férias e, ao retornarem, Jagger tinha uma nova filha com Jerry Hall, Georgia, e a banda, um novo baixista. Darryl Jones serviu nas frentes do jazz nos anos 80, tocando com Miles Davis, Mike Stern, John Scofield e o grupo Steps Ahead. Ao contrário de Wyman, no entanto, não seria contratado como um stone, mas um músico de apoio, assim como o saxofonista Bobby Keys. A turnê para lançar 'Voodoo Lounge', um disco que trazia a banda com a boa e velha pegada roqueira de volta, passou pelo Brasil. Quatro anos depois, assim que retornou para casa exausto da temporada de 'Bridges to Babylon', Jagger conheceu o filho que nasceu enquanto ele estava na estrada: Gabriel. E soube de um outro que nasceria no Brasil dali a nove meses, no ventre de uma modelo brasileira chamada Luciana Gimenez. Jerry Hall, depois de mais de 20 anos com Jagger, pediu o divórcio e saiu do acordo com 10 milhões de libras e uma mansão.

 

'Love Strong' foi a música que puxou o disco 'Voodoo Lounge' de 1995O primeiro álbum lançado depois da saída do baixista Bill Wyman X

 

 

MICK S/A

Grande negociador, com capacidade para gerir negócios e administrar crises, Mick Jagger reinventou-se dos anos 90 para os 2000. Os Rolling Stones, sob sua administração, se tornaram uma das empresas mais lucrativas da história do rock. Um ranking divulgado em maio pela revista Billboard tem o grupo como o que mais arrecadou em turnês desde 1990. Os Stones fizeram, neste período, 538 shows para 19 milhões de espectadores pelo mundo e conseguiram um faturamento de US$ 1,5 bilhão. Mais shows e mais dinheiro do que o U2, apesar da geração que os separa de Bono e The Edge. Nos palcos e na vida, Jagger faz Keith Richards, o guitarrista Ron Wood e o baterista Charlie Watts seguirem normas aprendidas com erros e acertos vividos por mais de 50 anos na estrada. Normas que poderiam estar dispostas em uma lista: 1.) Mulheres oficiais ou extra oficiais não devem interferir na banda. Os músicos não podem correr o risco de criar uma Yoko Ono. 2.) Brigas e desavenças nunca devem ser levadas ao palco. Mesmo depois de Keith Richards esculachar com Jagger em sua autobiografia 'Live', de 2010, Jagger continuou a seu lado nos palcos como se nada tivesse acontecido. 3). Os shows devem obedecer um roteiro inabalável. Sob a administração Jagger, improvisos não são bem-vindos. 4). Entrevistas são raras e, quando acontecem, apenas uma é concedida em cada país que visitam. 5.) Mais do que uma banda, o nome Rolling Stones deve ser uma marca capaz de faturar alto com produtos que tragam a grande língua estampada

 

'Sympathy for the Devil'54 anos depois do primeiro encontro entre Jagger e Richards em Londres,
os caras ainda fazem shows como este
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Fontes:

'Vida' - A autobiografia de Keith Richards - 2010 (Editora Globo)

'Mick Jagger' - 2008 (Editora Escrituras)

'According to Rolling Stones - A Banda Conta Sua História' - 2011 - (Cosac Naif)

MICK JAGGER EM  NÚMEROS

RS$ 794 milhões

é a fortuna que Jagger arrecadou só em 2014,
o que faz dele o cantor mais bem pago da temporada

 

US$ 9 milhões

foi a quantia que sua mulher L' Wren Scott
deixou para ele antes de cometer suicídio, em março.

 

53 anos

é o tempo de amizade com Keith Richards,
desde o encontro em uma estação de trem

 

7 filhos

ele teve com 4 mulheres

 

4 discos

solo de Jagger: She’s the Boss (1985), Primitive Cool (1987), Wandering Spirit (1993) e Gooddess in the Doorway (2001)