O que diz o governo
Alexandre Hisayasu Textos
Bruno Ribeiro Textos
Felipe Resk Textos
Alexandre de Moraes nega que assassinatos sejam registrados como morte suspeita e diz que São Paulo é um Estado reconhecido por sua transparência
O secretário de Estado da Segurança Pública, Alexandre de Moraes, comentou os casos de assassinatos que ficaram de fora das estatísticas oficiais em entrevista exclusiva ao Estado, concedida na segunda-feira, 29 de fevereiro. Ele afirmou que as estatísticas criminais são 99,9% confiáveis, porque não são centralizadas em um único setor, disse desconhecer divergências entre os números divulgados pela pasta e os do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) e afirmou ainda que o sigilo nos boletins de ocorrência, decretado pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) no começo de fevereiro, não compromete a credibilidade dos números oficiais. Após sua entrevista, o governo enviou ainda uma série de notas oficiais como resposta aos questionamentos da reportagem. Leia a seguir trechos da entrevista e, abaixo, a íntegra das notas enviadas por sua Pasta.
estado:Os delegados Nelson Guimarães e Marcos Carneiro (que já chefiaram a divisão de homicídios do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) confirmaram que uma possível “falha” nos registros de homicídio pode acontecer por má-fé do delegado ou com a finalidade de diminuir estatísticas, visando ao bônus. Quando Marcos Carneiro foi delegado-geral, houve casos de homicídios registrados como lesão corporal seguida de morte, mas que posteriormente foram tomadas providências. Há meios de combater esses erros?
Alexandre de Moraes:Se isso acontecia na época deles, eles deveriam ter tomado providências. O que eu posso garantir é que nós tomamos providências para que isso não aconteça. Nenhum sistema em que haja ser humano é 100%, infelizmente, a perfeição não pode ser atingida. Se esse delegado entende que o caso pode ter uma classificação errônea, ele comunica, tudo é documentado, e o delegado tem de justificar e reanalisar. Obviamente que não partimos da premissa de que o delegado está de má-fé. Nós pegamos os 34 casos que foram levados à secretaria como morte suspeita (primeira listagem feita pelo Estado; posteriormente, dez casos foram eliminados pela reportagem), que é uma terminologia criada lá atrás, em 2005. A morte suspeita é aquilo que o delegado não pode colocar como homicídio, latrocínio ou lesão. É algo em que há dúvida mesmo. Nesses 34 casos, em 30 nós identificamos que, logo em seguida, o delegado reclassificou. Então, desses 34, só quatro estão ainda em análise como morte suspeita e não há nenhuma dúvida de que não se trata de homicídio, de latrocínio.
estado:Qual o prazo para um boletim de ocorrência ser reanalisado?
Alexandre de Moraes:Isso é sempre feito no próprio mês, porque há um setor na secretaria chamado CAP (Coordenadoria de Análise e Planejamento), que todos os dias analisa todas as mortes violentas para fazer esse filtro. Então documenta: “esse caso aqui a pessoa levou um tiro na cabeça, está como morte suspeita”. O delegado responde: “nós estamos verificando se foi suicídio ou não, porque estava com a arma”. Então, ele tem esse prazo. Nesses 34 casos, cinco deles em um mês o próprio delegado reavaliou e entendeu que foram homicídios, dois latrocínios. Isso é importante (falar). São Paulo é reconhecido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública como o Estado mais transparente do País e reconhecido como da mais alta confiança. Para se ter uma ideia, dos 27 Estados, 22 não fornecem dados de ocorrência de homicídios, 15 não fornecem nem número de vítimas. São Paulo oferece todos os meses o número de vítimas, de homicídios e, no total, 11 indicadores criminais.
estado:Fizemos o cruzamento com o Datasus e, pela primeira vez, os números mostram uma tendência invertida aos da Secretaria de Segurança: os homicídios caem pela SSP, mas sobem pelo Datasus.
Alexandre de Moraes:Na verdade, esse cruzamento que vocês fizeram, nós vamos verificar algum erro nessa planilha (feita pelo Estado). Na planilha que nós pegamos, nós somamos o que o SUS entende como morte violenta, somamos o que nós entendemos, e se manteve exatamente, com diferença de 0,3%, o mesmo porcentual do ano passado, do ano retrasado. Para evitar esse conflito de números, nós já chamamos o pessoal do SUS para que nós possamos pegar o banco de dados inteiro e puxar nome por nome, para ter um banco de dados absolutamente 100% de conferência. Se nesses números que vocês pegaram foram somados (casos de) letalidade policial, vão verificar que continua a mesma coisa.
estado:O senhor disse que nada é 100%. Acha que as estatísticas são 100% confiáveis?
Alexandre de Moraes:São mais de 100 mil BOs por mês. Nós não podemos afirmar que não haja um erro. Mas eu posso afirmar que os números da secretaria vêm desde 2001 e são 99,9% confiáveis. São números que não passam por uma mão, não têm uma centralização. Um erro ou outro pode ocorrer? Pode, eventualmente por falha de uma pessoa, preencher um boletim de ocorrência e achar que é uma outra coisa e isso acabar passando. Mas eu diria que são 99,9% confiáveis.
estado:É possível afirmar que a mortes suspeitas estão subindo e os homicídios, caindo? Estabelecer uma relação entre os dois?
Alexandre de Moraes:Em 2005, foi editada a Portaria 14 para acabar com a terminologia “morte a esclarecer”, para evitar exatamente isso. Se a morte for violenta, ela não pode ser classificada como morte suspeita. Só em caso de dúvida, se foi morte natural, se foi por queda, se foi suicídio, se foi aborto. O único caso de morte violenta que pode ser classificado como morte suspeita é se houver dúvida entre suicídio e homicídio, mas se houver dúvida, depois se reclassifica. Por isso, posso afirmar exatamente o contrário. Em janeiro deste ano, tivemos o menor número de homicídios do Estado em todos os janeiros, de 2001 até agora. O menor número também na Grande São Paulo e na capital. Nós tivemos em 2016 o número menor de mortes suspeitas do que em janeiro de 2015.
estado:A decretação de sigilo nos BOs não compromete as estatísticas?
Alexandre de Moraes:A verificação é totalmente possível. O governador Geraldo Alckmin alterou agora toda a regulamentação de sigilo. A regra é publicidade, a regra é a transparência. Só excepcionalmente analisando caso a caso não há tabela de sigilo. Eventualmente, dados pessoais ou sigilosos é que não serão fornecidos. A secretaria vai continuar fornecendo todos os dados objetivos. Essa verificação é totalmente possível. Não há ninguém mais interessado na transparência dos dados do que a própria Secretaria de Segurança Pública.
NOTAS DA SECRETARIA DA SEGURANÇA
Aqui está a íntegra das respostas da secretaria a indagações feitas durante a apuração da reportagem. Na primeira, a secretaria informa sua posição sobre a divergência entre seus dados e os registrados pelo Datasus. Depois, o Estado pediu informações, inicialmente, sobre 34 casos, mas, durante a apuração, excluiu 10. Outros três, em relação aos quais havia alguma dúvida, foram deixados de fora da conta, mas suas histórias foram contadas. Após entrevista do secretário, o jornal questionou a razão de três casos terem seus inquéritos abertos antes da data da morte da vítima. Em 29 de fevereiro, a secretaria repetiu, em nota, as mesmas informações que foram usadas pela polícia para justificar o registro dos crimes como “morte suspeita” e depois a reclassificação da maioria deles como “lesão corporal seguida de morte” (LCSM) ou como outras naturezas - que serviram para excluir esses casos da estatística oficial de homicídio. Na última nota, a pasta informa pela primeira vez que quatro casos de LCSM eram homicídios.
Leia abaixo a íntegra dos textos:
Nota sobre o Datasus, com resposta sobre a diferença de variação entre os dados da Secretaria da Segurança Pública e do Ministério da Saúde:
"A SSP informa que cada instituição usa uma fonte e uma metodologia própria de coleta e análise de dados. Por isso, sempre haverá diferença entre os levantamentos. É importante salientar que os registros de mortes intencionais em São Paulo têm uma média 89,3% dos registros do Datasus, entre 2001 e 2014.
Os indicadores de criminalidade são um retrato mensal de casos registrados, por isso não pode incluir um homicídio de uma vítima que venha a falecer meses depois, ao contrário dos dados do Datasus, que têm fechamento anual. Essa metodologia é mantida pela SSP para permitir a comparação histórica.
Os dados da Saúde têm como preocupação a identificação da natureza da morte do ponto de vista sanitário (natureza da lesão, instrumento causador etc.). Na Segurança Pública, a preocupação é de natureza jurídica e criminológica. Assim, na declaração de óbito poderá constar como causa básica da morte “perfuração do abdome por objeto contundente”, sendo classificado como homicídio. Contudo, poderá ser registrado no boletim de ocorrência, dependendo da situação, como homicídio doloso, homicídio culposo, latrocínio, suicídio, lesão corporal seguida de morte ou lesão corporal grave (pois, no momento da confecção do boletim, a vítima ainda pode estar viva).
Cabe salientar que a SSP adota o critério internacionalmente reconhecido de número de ocorrências por 100 mil habitantes, desde a edição da Resolução 160, em 2001, com total transparência aos dados, considerados de alta qualidade pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre outros órgãos.
São Paulo, 17 de fevereiro de 2016”
Primeira nota após o Estado questionar a SSP sobre a solução, delegacia responsável, número do inquérito policial e sua data de instauração para 34 casos de “morte suspeita”:
“A SSP informa que, de acordo com o decreto 61.836/16, publicado no dia 19, seu pedido deve ser encaminhado via SIC (Sistema Integrado de Informações ao Cidadão) às autoridades indicadas, nos termos do artigo 3.
São Paulo, 26 de fevereiro de 2016”
Segunda nota, após o Estado analisar e questionar planilha entregue pelo secretário sobre a data de instauração dos inquéritos; oito casos já haviam sido descartados do levantamento
“Nenhum inquérito policial foi instaurado antes dos boletins de ocorrências iniciais. Em todos os casos há BOs anteriores que são os iniciais do caso (como por exemplo, os que apontam o suicídio, a queda). Posteriormente, quando ocorreu o óbito, foram registrados BOs para comunicar esse fato, porém o inquérito policial já estava instaurado, para garantir a investigação. Dessa maneira, o BO 3637 do 56º DP de 16/05/15 possui o BO anterior nº 3586, de 14/05/15, que originou a instauração do inquérito no dia 15/05/15, de Homicídio Tentado. O BO 1254 do 50º DP de 31/01/15 possui um BO anterior nº 1157, de 29/01/15 e cada BO gerou um inquérito diferente, pois inicialmente a vítima foi registrada como desconhecida. Para o BO 1157 - IP 132, instaurado dia 29/01/15 e para o BO 1254 - IP-159 instaurado em 02/02/15, sendo posteriormente apensados em um só e encaminhados para o DHPP. Em um caso houve erro de digitação, referente ao ano do inquérito do BO 1345 do 40º DP do dia 04/05/2015, que foi instaurado dia 25/02/2016 e não 2015.
Não é verdade que dos 34 (trinta e quatro) casos, 26 (vinte e seis) tem histórico de homicídio. A afirmação não corresponde a análise dos 34 (trinta e quatro) BO, com os respectivos BOs complementares, todos entregues a equipe do ESTADÃO. Basta a mera leitura e análise dos Boletins de Ocorrência para verificar que, claramente, que, dos 34 (trinta e quatro) casos, temos o quadro abaixo.
05 (cinco) casos de homicídios, devidamente contabilizados na Resolução 160.
01 (um) caso de tentativa de homicídio, devidamente contabilizada.
02 (dois) casos de suicídio.
01 (um) caso de homicídio culposo.
04 (quatro) casos de roubo, sendo que:
Em 03 (três) casos, houve morte de um dos criminosos, o que não caracteriza nem latrocínio, nem homicídio.
Em 01 (um) caso, houve o roubo e a vítima morreu dois dias após, porém internada com causa mortis de “infarto do miocárdio”.
03 (três) casos de morte por ‘overdose’.
01 (um) caso de morte por atropelamento.
02 (dois) casos de latrocínio, devidamente contabilizados na Resolução 160.
02 (dois) casos de morte acidental decorrente de queda.
01 (um) caso de encontro de corpo carbonizado.
10 (dez) casos de lesão corporal seguida de morte, segundo o entendimento do delegado, em virtude das consequências de agressões sofridas em brigas, inclusive algumas com denuncia já oferecida pelo Ministério Público exatamente pelo crime de Lesão corporal seguida de morte.
A alegação de retificação de um único homicídio não se sustenta, uma vez que a grande maioria é feita no próprio mês pelo sistema de conferência da CAP. Dos 34 (trinta e quatro) BOs, inicialmente colocados como “mortes suspeitas”, 05 foram reclassificados como homicídios e passaram a constar na Resolução 160. Os demais não se configuram como homicídios, conforme detalhado.
Dessa maneira, 05 (cinco) casos foram considerados homicídios e 02 (dois) latrocínios, e todos incluídos na Resolução 160. Os demais incluem suicídio, homicídio culposo, roubos, mortes por atropelamento, overdose, queda e lesões corporais seguidas de morte, uma, inclusive, com denúncia oferecida pelo Ministério Público.
Não são, portanto, passíveis de inclusão como homicídios dolosos.
Não há, portanto, necessidade de qualquer auditoria, conforme os Boletins de Ocorrência iniciais e complementares entregues a equipe do jornal O ESTADO DE SÃO PAULO demonstra.
Além disso, houve no primeiro semestre 2.035 vítimas de homicídios, e 4,5% corresponderia a 92 mortes.
São Paulo, 29 de fevereiro”
Terceira nota, o Estado questiona a reclassificação para lesão corporal seguida de morte, mesmo com autor desconhecido; SSP diz que mais quatro casos são homicídio:
“11 CASOS DE LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE
A SSP de São Paulo esclarece os casos relatados como lesão corporal seguida de morte:
-
1) Três casos foram reclassificados para homicídio.
IP nº 1071/15
IP nº 490/15
IP nº 70/15
-
2) Cinco foram mantidos como LCSM e continuam tramitando em Varas Criminais Regionais:
IP 883/15
IP nº 80/15
IP nº 896/15
IP nº 112/15
IP nº 506/15
-
3) Três somente foram instaurados no dia 25/02/2016 e os casos serão remetidos à Corregedoria da Polícia Civil, sendo que:
I) Homicídio:
IP nº 118/16
II) Morte suspeita, queda acidental
IP nº 85/16
III) Morte suspeita:
IP nº 215/16
São Paulo, 02 de março”