Mosquito

Expediente

Caça-mosquitos se dedicam a combater o Aedes e ganhar apoio da população

Paula Felix

Eles têm a habilidade de refazer os trajetos da fêmea do Aedes aegypti e impedir que o mosquito continue se proliferando. Com anos de treinamento e de experiência, conseguem verificar cantinhos, vasos aparentemente inocentes e objetos esquecidos. De casa em casa, Jeremias ganha aliados no combate ao transmissor de dengue, zika e chikungunya. De 1987 até hoje, Antônio já conheceu metade do Estado orientando a população. Há 36 anos, Ricardo acompanha o avanço do mosquito e as dificuldades para tentar acabar com ele.

Os três estão entre os mais antigos “caçadores de mosquitos” do Estado de São Paulo, que têm como missão intensificar as ações em momentos mais críticos e não desacelerar em tempos de calmaria - algo que não tem ocorrido nos últimos anos.

Às 5 horas, o agente de saúde ambiental Jeremias Cruz acorda e, uma hora depois, já está a caminho do trabalho. Ele mora na Vila Formosa, na zona leste da capital, e trabalha na Supervisão de Vigilância em Saúde Jabaquara / Vila Mariana, na zona sul. “Gosto de chegar cedo, ver qual é a minha missão, conversar com os colegas, tomar um café.”

Cruz prefere não dizer a idade, mas se orgulha dos 13 anos de combate à dengue enfrentando cachorros ferozes, moradores bravos e situações de risco em suas ações. “Trabalho com vistoria de imóveis, hospitais, ferro-velho, locais de difícil acesso. Cada lugar tem uma dinâmica, cada bairro tem um jeito, cada morador tem um perfil. É um trabalho que gosto de fazer por levar noção de prevenção para as pessoas.”

O trabalho é de paciência e persistência. Ganhar confiança é o primeiro passo. “Bom dia, meu nome é Jeremias”. Licença, por favor, obrigado e um sorriso não faltam. Todos os moradores das casas visitadas recebem o tom cordial do agente que acredita nunca ter sido contaminado pelo vírus. “Nunca fiquei acamado. Se tive, deve ter sido uma fraca. Não sei se o corpo cria resistência.”

O desafio não é só impedir a proliferação do mosquito, mas transmitir a noção de que é necessário que todos colaborem. “Tem lugar em que os problemas persistem, mas tem outros que melhoram. Dar bronca é fácil, mas temos de valorizar quem faz o procedimento correto, quando as pessoas aprendem. Mais de 80% dos criadouros estão na casa das pessoas.”

Evolução. Em 1987, quando o zootecnista Antônio Henrique Gomes, de 56 anos, começou a trabalhar na Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), entidade ligada a Secretaria Estadual de Saúde, sua atuação já era ligada ao combate ao Aedes aegypti. Seu primeiro trabalho foi em Araçatuba, no interior paulista, e, de ação em ação, acredita já ter conhecido metade dos 645 municípios do Estado de São Paulo.

“Trabalhei a vida toda com dengue. No começo, o que a gente tinha de experiência era o sucesso de Oswaldo Cruz, que erradicou o mosquito. Mas encontramos uma série de dificuldades, como a oferta de produtos descartáveis e o descarte irregular, ocupações irregulares. A complexidade do controle ficou muito maior.”

Nesses quase 30 anos, Gomes já se deparou com casos de pessoas doentes, com notícias de mortes e com as mais variadas desculpas de moradores para negar que mantinham focos. “Eu me lembro de duas situações. Estava fazendo uma visita e a moradora pediu um tempo para eu poder entrar. Depois, eu vi vários pneus sendo jogados por cima do muro. Ela sabia que estava errada. Em outra ocasião, uma senhora disse que deixava uma latinha com água para ‘a mocinha ter o que olhar’. Isso foi na década de 1990”, relembra, rindo.

O pesquisador científico Ricardo Ciaravolo, de 62 anos, entrou na Sucen em 1980. No início, seu trabalho era basicamente com áreas rurais onde passava orientações a líderes e moradores conhecidos sobre problemas como Doença de Chagas. “A população era basicamente rural. A recusa não era tão grande, porque era mais fácil trabalhar em municípios menores.”

A chegada do Aedes mudou a rotina dos agentes da época, que se depararam com um novo modo de atuação. “O trabalho em cidades é difícil. Precisa ter outro tipo de logística, de operacionalidade, fazer controle espacial dos inseticidas. A gente precisava entrar em ruas com batedores, porque tínhamos de organizar o trânsito de alguns locais”, relembra.

Preocupação. Gomes demonstra preocupação com a tripla epidemia, mas confessa que é difícil contar com o apoio da população tendo em vista as necessidades e as outras prioridades dela. “É utópico esperar que uma população sem saneamento, emprego e com a alta criminalidade faça vistorias em casa. As pessoas têm uma pirâmide de prioridades. Estamos tendo uma comoção por causa dos nenéns nascendo com problemas. Mas estamos esperando uma mudança de atitude há 30 anos.”

Mesmo assim, o zootecnista não se abate e continua participando de reuniões estratégicas e visitando municípios infestados. Também não permite que os casos se tornem meras estatísticas. “Não podemos olhar os óbitos como números. E se fosse um familiar? Pessoas jovens perdem a vida por algo que poderia ter sido evitado.”

Perguntas e Respostas

Fontes: Alessandro Giangola, biólogo, coordenador das ações de controle da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, Rafaela Bruno, pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz, da Fiocruz, Denise Valle, pesquisadora do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus da Fiocruz, Vidal Haddad Jr., professor de Dermatologia da Unesp-Botucatu, e Margareth Capurro, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP