Giovana Girardi
Canarana, Querência, Sinop e Cuiabá (MT)
Era 1971. Amândio Micolino, então com 40 anos, sonhava em ter cem cabeças de gado. Mas a terrinha de 15 hectares em Tenente Portela, no Rio Grande do Sul, não tinha condições para isso. Enquanto dava para plantar, porém, ele e a família se davam por satisfeitos. “A partir do momento em que precisou pôr calcário, veneno, adubo, aí apertou. Não dava mais para viver. Foi quando surgiu o plano do (pastor e pequeno produtor) Norberto Schwantes de tirar a gente de lá e trazer para Mato Grosso”, conta.
Micolino não pensou duas vezes. Trocou sua terra e uma casa que tinha acabado de construir, e ainda cheirava à tinta, por uma área de 475 hectares, apesar dos protestos da mulher, que só fazia chorar quando chegou naquele norte que não tinha nada. Tem certeza que fez um bom negócio. “O hectare da terra no Rio Grande custava mais de mil cruzeiros e em Mato Grosso, 12”, recorda. No auge de sua produção, chegou a ter 480 cabeças de gado.
No total, cerca de 2 mil famílias embarcaram no plano. Uma das cidades que construíram foi batizada de Canarana, nome do que era considerado o melhor capim da região. “Lembrava Canaã, a terra prometida. E aqui se plantando, tudo dá”, contou posteriormente Schwantes, no filme "Os Homens do Presidente (ou Plante que o João Garante)", de Paulo Rufino, de 1984, repetindo o bordão de Pero Vaz de Caminha.
Assim começava uma das primeiras histórias de colonização do Norte do País por fazendeiros do Sul. Um processo que culminaria em transformar o Mato Grosso no maior produtor de grãos do País, e também num dos campeões de desmatamento da Amazônia.
De acordo com o último levantamento do Prodes, o sistema de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que fornece as taxas oficiais de perda anual da floresta, Mato Grosso, Rondônia e Amazonas foram os três Estados a concentrarem o aumento de 16% no corte raso registrado para o bioma entre agosto de 2014 a julho de 2015. Entre eles, Mato Grosso foi o líder, registrando a derrubada de 1.508 km² – quase 26% do total desmatado no ano na Amazônia Legal. No acumulado histórico, o Inpe calcula que foi perdido no Estado cerca de 40% da área de floresta.
Na divulgação dos dados na última quinta-feira (26), a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, se disse surpresa com o avanço porque a maior parte das terras no Estado é de proprietários particulares (e não de terras sem dono – como ocorre no Pará, ainda o líder de desmatamento em área absoluta –, que são em teoria mais fáceis de escapar de uma multa porque não há um responsável pelo local). E a maioria do produtores, segundo Izabella, já fez o Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento adotado na revisão do Código Florestal, em 2012, com o propósito justamente de conter o avanço do desmatamento.
Evolução das emissões de gases do efeito estufa no Brasil
Fonte: Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG)
No campo, porém, a situação é mais complicada, explicam organizações não-governamentais que atuam no Estado. De acordo com Alice Thualt, diretora adjunta do Instituto Centro de Vida (ICV), ainda há uma lentidão na implementação do Código Florestal.
“Isso coloca o produtor rural e o assentado em uma situação de não saber muito bem o que vai acontecer, quando e como vai ser a validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Isso tudo cria incerteza quanto às regras do jogo, que faz com que nessas regiões não se tenha Estado. Então as pessoas acham que podem apostar na ilegalidade”, afirma. “Essa taxa de desmatamento que a gente tem hoje lembra muito um tempo que a gente achava que já tinha passado”, complementa. O valor atual é o mais alto desde 2008.
Os dados sugerem que as metas do governo para conter as emissões de gases estufa, cuja principal fonte historicamente foi o desmatamento da Amazônia (veja gráfico abaixo), podem ficar comprometidas. O plano é chegar a 2020 com uma taxa anual de 3.925 km² e zerar o desmatamento ilegal até 2030.
Para Andrea Azevedo, diretora-adjunta do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), há esse risco se não houver uma mudança na forma de combate ao problema e a criação de incentivos para se manter a floresta em pé. A ilegalidade só em Mato Grosso, segundo admite a Secretaria de Meio Ambiente, é de 90%. “O governo do Estado tem de dar uns sinais claros de que não tolera ilegalidade, mas não é para 2030, é a partir de agora, de 2016”, diz Andrea.
Fiscalização. Em meados de outubro, a reportagem acompanhou duas ficalizações do Ibama: um sobrevoo entre Sinop e Braz Norte, no centro-norte do Estado, e uma operação, por terra, de apreensão de madeira ilegal em Feliz Natal, na direção do Parque Indígena do Xingu (leia mais sobre a região no capítulo 2).
Os diferentes alvos das operações dão um pouco o tom de como o desmatamento é disseminado. No primeiro caso, os fiscais apuravam o alerta de que uma área dentro de um assentamento rural estava sendo desmatada. Por imagens de satélite eles tinham visto que em questão de uma semana, 117 hectares desapareceram. No segundo caso, tentavam flagrar a retirada de madeira de uma fazenda que tinha sido invadida por madeireiros.
As duas histórias não são tão díspares quanto podem parecer, uma vez que fazem parte do longo processo de ocupação e destruição da floresta. No sobrevoo de 240 km, apesar de a região ser praticamente dominada por plantações de soja, ainda é possível ver grandes trechos de floresta – assim como as ameças sobre eles. De tempos em tempos estradinhas de terra vermelha surgem como cicatrizes marcando os blocos verdes. É por elas que madeireiros atravessam a floresta retirando as madeiras mais nobres.
Este é o primeiro passo da degradação que, ao final de alguns anos, pode levar à derrubada total da mata. Depois de todas as madeiras de valor comercial serem retiradas, o fogo é colocado aos poucos, por um, dois anos. Tem gente que planta pasto sob algumas árvores remanescentes – que são “preservadas” para enganar a fiscalização –, e instala o gado ali, que pisoteia o que restou de vegetação. “Eles vão fazendo aos poucos, ao longo de anos, para que a gente não veja”, afirma Marcus Keynes, superintendente do Ibama no Mato Grosso. Em alguns casos, só plantam o pasto. “Nunca pisou um boi no local, mas o infrator vai alegar que é se trata de uma área consolidada, com uso comercial.”
Foi o que se viu quando chegamos ao local do alerta do satélite. A floresta tinha ido abaixo, arrancada no “correntão” (em que dois tratores se movem paralelamente com uma corrente grossa presa entre eles, arrastando tudo o que está pela frente) e depois incendiada.
Sacos de sementes de capim foram encontrados largados no terreno. Uma etapa posterior poderia ser o plantio de grãos.
“Às vezes a gente consegue chegar antes, não foi o caso hoje”, lamentava Laura Ferraz, analista ambiental do Ibama. “O barulho do correntão arrastando a floresta, as árvores caindo… É um som triste, agonizante. Parece que a floresta está chorando.”
Sensação de impunidade. O ideal, portanto, é impedir o avanço antes de a degradação da área estar instalada. Uma das linhas de fiscalização é agir na primeira ponta, com os madeireiros, que sempre estão um passo à frente. Uma das estratégias deles, quando é feita uma apreensão, é dar um jeito de boicotar o caminhão para que ele não possa ser movido. Tiram câmbio, pneus, até o motor. Se perder a madeira para o Ibama é ruim para os criminosos, pior ainda é perder caminhões ou os tratores usados para derrubar a floresta.
Na operação acompanhada naquela noite pela reportagem, a equipe deteve 4 caminhões, com 44 toras de madeira, duas motos e seis pessoas durante operação de apreensão de madeira ilegal em fazenda perto de Feliz Natal. Um fugiu, depois de jogar o caminhão na mata.
Alguns fatores parecem ter colaborado com o aumento do desmatamento no Estado este ano. Por um lado, relataram os fiscais do Ibama, uma lei estadual que autoriza a limpeza de pasto (já consolidado), tem sido usada como desculpa para “esquentar” um desmatamento ilegal. Pode ser o caso que vimos no assentamento, já que havia sementes de capim espalhadas. A artimanha seria contratar um engenheiro para fazer um laudo atestando que aquilo ali, alguns anos antes, era um pasto abandonado onde algumas árvores tinham crescido de novo. Em vez de uma nova área de floresta derrubada.
Por outro lado, suspeita-se que a obrigatoriedade de fazer o Cadastro Ambiental Rural tem levado muito proprietário de terra a desmatar um pouco mais antes de se registrar e computar a nova área como se fosse um velho desmatamento.
São artifícios que, ao serem confrontados com imagem de satélite, caem por terra, porque nas imagens é possível ver quando foi o corte e qual era o status da área antes. Mas até aí, o estrago já foi feito. E muitos agem acreditanto que simplesmente vão sair impunes.
Elaine Corsini, secretária adjunta de Meio Ambiente do MT, reconhece que isso está acontecendo. “O produtor pensa: ‘Ah, na hora que eu entrar no CAR não consigo mais desmatar nada, então eu vou fazer antes’. E ele esquece de avaliar que todo desmatamento depois de 2008, se não for em área passivel, ele vai ter que recompor. Vai ter que plantar, e o custo é muito maior, mas é uma estratégia. Vai que dá certo, vai que não chega em mim, né? Vai que eu consigo passar e isso fica pra trás, eles pensam.”
Em outubro, ainda antes de o Prodes ser divulgado, Elaine explicou que as ações de corte da floresta estavam concentradas em poucos municípios, sendo Colniza, no noroeste, o líder. E que, por isso, a fiscalização estadual, em parceria com o Ibama, estava concentrada ali.
Na última quinta (26), quando os números oficiais saíram, viu-se que a região de Colniza segue à frente, mas que pelo menos outras cinco áreas, espalhadas pelo Estado, sofreram com o corte raso. O que fez Izabella declarar: “Parece que resolveram fazer desmatamento em série em várias áreas simultaneamente”. A ministra disse que iria convocar os Estados (além do MT, Rondônia e Amazônia, que também tiveram aumento da taxa) para reorganizar a estrutura de combate ao desmatamento.
Um outro problema no Estado veio à tona quando foram anunciados os números do Prodes. De acordo com Izabella, uma regra estadual criada neste ano, que concede autorizações provisórias de funcionamento para propriedades rurais, estaria sendo mal utilizada. Ele citou dois casos de fazendeiros que tiveram suas áreas embargadas por desmatamentos ilegais, conseguiram a autorização provisória, usaram-na para pedir o desembargo e depois voltaram a desmatar. O Ibama iniciou uma investigação sobre esse procedimento e a superintendêcia de Mato Grosso, incluindo Keynes, deve ser exonerada.
Ele não foi localizado pela reportagem para comentar o caso. Jair Schnitt, coordenador geral de fiscalização ambiental do Ibama, afirmou que esse não é o único e talvez nem o principal responsável pelo aumento do desmatamento, mas favorece a sensação de impunidade. “O que está por trás disso é a percepção de que sempre dá jeito, sempre é possível regularizar um desmatamento ilegal. Mesmo quem não teve essa autorização, fica com uma expectativa de que vai ter uma nova regra que vai permitir ajustar as coisas.”
Produção x proteção. Elaine afirma que o aumento é um problema muito mais das pequenas propriedades, que ainda, segundo ela, ainda não encontraram alternativas de ter ganhos financeiros sem desmatar, do que das grandes. Para a secretária adjunta, os grandes já conseguiram se desnvincular da noção de que é preciso abrir mais terras para o plantio.
Uma pesquisa conduzida pelo Ipam, porém, sugere que essa questão não está tão bem resolvida. “O Mato Grosso tinha, em 2003, 2004, grandes desmatamentos e nos últimos anos passou a ter, em sua maioria, cortes em áreas de até 30 ha. Mas o que temos visto é que vários desses pequenos polígonos ocorrem em uma mesma grande propriedade. Mudou a estratégia. Significa que há uma tentativa do produtor de expandir sua área de cultivo com pequenos desmatamentos para dificultar a fiscalização”, explica Andrea.
“Só que para as commodities e esse produtor que está inserido numa cadeia, não tem motivo mais de ter desmatamento hoje em Mato Grosso.”
Não é a visão de muitos proprietários de terra, como Neuri Wink, de 53 anos, proprietário da Fazenda Certeza, em Querência. Também original do Rio Grande do Sul, como Amândio Micolino, ele chegou a Mato Grosso no final dos anos 80, em uma outra onda colonizadora.
“Quando os órgãos autorizaram a ter um projeto de colonização, estava claro que o objetivo era justamente ocupar e transformar isso aqui em uma região de produção agrícola. Depois ficou uma incoerência querer penalizar e impedir esse processo. A legislação era menos severa na época, permitia avançar mais para buscar viabilidade econômica, porque quando chegamos não tinha telefone, não tinha saúde, educação, uma igreja, estrada. Era carente de tudo”, recorda.
“Na época eu achava que se chegasse a uns 300 hectares seria um médio produtor, mas hoje, quem tem 500 ha é um produtor pequeno. Mudou o nível da régua da viabilidade econômica”, afirma. A fazenda Certeza tem 1.288 hectares.
Wink e Micolino contam que, no contrato de compra da terra, estava escrito que os proprietários poderiam desmatar até 80% de suas terras. Isso, no entanto, já não batia com os valores do então Código Florestal, que falava em 50% de proteção. Hoje a cifra se inverte: 80% tem de ser protegido no formato de Reserva Legal, e margens de rio e topos de morro têm de ser mantidos no formato de Área de Preservação Permanente.
Questionado sobre se já ouviu falar na relação entre desmatamento e as mudanças climáticas, Wink desconversou. “Achar que se não tivesse tirado a mata estariam melhores os grandes centros? Não é verdade. Teria menos oferta de alimento e estaria tudo mais caro. Somos nós aqui que fazemos com que a comida chegue na mesa de todos os brasileiros. Agora eu pergunto, qual é o cidadão lá na Grande São Paulo que, se tivesse um terreno que vale milhões, concordaria que só pode usar 20% disso? Para nós isso é imposto”, queixou-se.
Reparação. Ainda assim, ele aceitou reflorestar as APPs quando percebeu que a água começava a diminuir em sua terra. “Eu cometi alguns pecados, mas me redimi, recuperei, assim como os vizinhos recuperaram. Todo mundo fez sua parte e está fazendo sua parte.” Mas sobre Reserva Legal, que ele declara manter em 33% do terreno, ele não quer muito ouvir falar em aumentar.
“Eu concordo que tem de preservar a nascente e preservar uma porcentagem da área, mas tinha de ser inversa. Onde é apto para produção, como é aqui, tinha de produzir em 80% da área e preservar só 20%. Seria de bom tamanho. Ecologicamente tenho consciência tranquila de que não estou prejudicando o meio ambiente de forma alguma.”
Micolino, que também recuperou APP e um pouco de sua Reserva Legal, se mostra mais arrependido. “Depois de uns 20 anos, vi que começou a desandar demais o desmatamento. Começaram a entrar uns grandes, desmatar de uma vez mil, dois mil hectares. Eu pensei: isso aí vai dar um desastre. Cada vez fica pior. A água e as árvores são um casamento, nenhum vive sem o outro. Aí percebi que precisava começar a reflorestar.”
Quando questionado sobre por que acha que vai ocorrer um desastre, Micolino dá uma resposta que orgulharia até o mais acirrado ambientalista. “Se tem uma tormenta, é a mata que ajuda a segurar. Se fica tudo livre, o vento cria mais força. E a raiz da árvore é um encanamento que leva a água pra baixo. O lençol tá fracassando. O que tá havendo, com esse calorão que temos? Eu sei: o que acontece é que o equilíbrio da natureza está sendo destruído.”
Reflorestar é preciso
Giovana Girardi
Canarana e Querência (MT)
Uma das estratégias do governo federal para lidar com as emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento legal que continuar ocorrendo no País é reflorestar 12 milhões de hectares até 2030. Pela meta apresentada pelo País para a Conferência do Clima da ONU, só o desmatamento ilegal da Amazônia será zerado até aquele ano, mas a parcela legal, que ainda será permitida, é igualmente emissora de carbono na atmosfera. E uma saída, defende o governo, é incentivar o reflorestamento para reabsorver parte desse CO₂.
O desafio, porém, pode não ser facilmente alcançado. Primeiro, dizem os especialistas, porque recuperar florestas, no modo mais tradicional, com mudas, é caro. Em segundo, porque ainda não há uma produção tão intensa de mudas no Brasil. Em terceiro, porque a relação entre corte e plantio, quando se consideram as emissões de carbono, não é de 1 para 1.
“Quando você recupera um hectare, não significa que você pode desmatar um hectare. A equivalência, em termos de carbono, é completamente diferente na floresta tropical. Estudos mostram que é preciso trinta vezes a mesma área para sequestrar a mesma quantidade de carbono que havia na floresta madura”, explica Andrea Azevedo, diretora adjunta do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. “Não é bom comparar meta de desmatamento com recuperação porque é muito mais fácil e barato o desmatamento do que restaurar uma área”, complementa.
Uma experiência que vem sendo realizada desde 2006 pelo Instituto Socioambiental (ISA) de recuperação de áreas desmatadas, inicialmente no Mato Grosso e depois ampliada para outras partes do País, dá um pouco a ideia das dificuldades a serem superadas. O trabalho da Rede de Sementes do Xingu, criada com o objetivo de trabalhar com produtores rurais para a recomposição de margens de rio, conseguiu em nove anos recuperar somente 3 mil hectares.
Desmatamento na Bacia do Xingu
O projeto teve início como uma demanda dos indígenas do parque do Xingu, que sentiam que a água do rio estava piorando por conta de agrotóxicos e outros tipos de contaminação da agricultura que caiam nas cabeceiras. O Código Florestal estabelece que as matas ciliares e topos de rio têm de ser protegidos em propriedades privadas na categoria de Áreas de Preservação Permanente. Mas, só na Bacia do Xingu, de acordo com cálculos do ISA, o passivo de APP (áreas que foram desmatadas ilegamente) é da 300 mil hectares.
“No começo os proprietários não gostavam da ideia. Hoje a gente pode falar sobre APP com todos eles que ninguém te põe pra correr. Mas Reserva Legal (outra categoria do Código Florestal, que prevê a preservação de 80% da propriedade no Mato Grosso) é uma discussão ainda grande”, conta Heber Queiroz Alves, analista de geoprocessamento do programa.
A sensação é compartilhada pelo secretário de Agricultura de Querência, Eleandro Ribeiro: “O pessoal já tem uma grande consciência da questão da preservação dos recursos hídricos. O mais difícil mesmo é conseguir recompor Reserva Legal, que é o que pode vir a impactar na produção e na sustentabilidade da propriedades. Eles têm esse receio e a resistência é maior”, diz. Por isso, palpita, planos grandiosos de recuperação podem enfrentar dificuldade de serem cumpridos.
Muvuca. A resistência inicial era o custo. Foi quando surgiu a ideia de usar sementes em vez de mudas. E uma novidade: máquinas. Para plantar florestas como se plantam grãos. “Chegamos com isso a 1/3 do custo do plantio tradicional. E ganhamos tempo. O que levava uma semana com mudas para plantar passou a quatro horas. Isso tudo facilitou muito a adesão”, comenta Rodrigo Junqueira, coordenador do Programa Xingu, do ISA.
A técnica é conhecida como muvuca e consiste em misturar sementes de dezenas de espécies e fazer a semeadura de todas elas ao mesmo tempo com as plantadeiras. São acrescidas também plantas exóticas, mas de ciclo de vida curto, para ajudar no crescimento das demais. Elas são conhecidas como adubos verdes.
“As espécies florestais nativas demoram para germinar, então no processo de muvuca a gente tenta imitar a floresta. Uma floresta tem plantas de extrato baixo, que são as rasteiras, as de extrato médio, que são as arbustivas, e as de extrato alto, que são as secundárias. Os adubos verdes são usados para imitar isso – eles são os que nascem primeiro. É o caso do feijão de porco, a grotalária e o feijão guandu. Elas arrumam a cama para as nativas, fazendo sombra para as outras germinarem. Depois elas morrem e só sobram as nativas”, explica Junior Veiga, técnico do ISA.
A matéria-prima vem de uma rede de coletores – pequenos proprietários e indígenas que pegam as sementes nas reservas florestais de suas próprias terras ou de outros fazendeiros que permitem o acesso para garantir a maior variedade possível.
Proprietários de terra como Amândio Micolino e Neuri Wink (leia mais sobre eles no capítulo 1), mas também empreendimentos como hidrelétricas, que precisam fazer compensação ambiental, se beneficiaram do processo.
“Depois que reflorestou, encheu de bicho. Agora aqui tem onça. Tinha sumido. Tem macaco, tem quati. Mas a chuva diminuiu muito na região. Desde que cheguei aqui, não chove mais nem a terça parte do que era antes”, conta Micolino, um dos primeiros colonizadores a deixar o Rio Grande do Sul para desbravar o Mato Grosso, ainda nos anos 1970. Preocupado com o avanço do desmatamento, ele começou a plantar florestas e recuperou 9 hectares de mata.
De acordo com Alves, o modelo poderia ser usado para fazer o reflorestamento dos 12 milhões de hectares no Brasil. “Só que não é algo que vai funcionar de um ano para o outro. A rede de sementes começou em 2006. Levou um tempo para saber o que plantar, em qual área. E não é só plantar, tem de manejar, não pode deixar pegar foto. O projeto serviu como um laboratório, houve um aperfeiçoamento da técnica que a gente pode transmitir”, afirma.
“Mas ainda assim, só alcançamos até agora 3 mil ha. Quando se fala em 12 milhões, é uma meta ousada, que precisa de planejamento e muita matéria-prima.”
Ajuda das formigas. Para reunir cerca de 17 toneladas de sementes por ano, que são comercializadas em pacotes fechados por projeto de restauração florestal, a rede conta com 420 coletores, que nem sempre conseguem cumprir suas cotas por problemas climáticos.
Ivan Loch, coletor e técnico da secretaria de agricultura de Canarana, conta que segue um calendário de florescimento e frutificação das árvores, mas que nos últimos tempos tem notado diferença. "Não sei se é por causa das mudanças climáticas, mas os frutos estão vindo mais cedo. A chuva também está caindo fora de hora e as culturas não estão recebendo a chuva nos períodos de costume.”
O trabalho só fica mais fácil quando outros animais ajudam. “O melhor jeito de colher copaíba é que com a ajuda das formigas para achar as sementes. Elas já deixam tudo pronto pra gente: limpam e deixam as sementes amontoadas. Aí a gente só precisa seguir a trilha para pegar de uma vez só três a quatro quilos.”
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