Em fevereiro, quando o navio de guerra Amazonas, da Marinha, chegar à Ilha de Trindade, no Oceano Atlântico, a 800 milhas (cerca de 1.460 quilômetros) do Rio, no rumo da África, vai encontrar pelo menos seis pesquisadores e 16 militares, dos 32 que guarnecem o local, com o olhar esticado para a Praia dos Portugueses. É lá, diante de uma ilha vulcânica de 3 milhões de anos, onde as águas transparentes e mornas mostram areias brancas, que o navio-patrulha oceânica costuma fincar âncora na missão bimestral de abastecimento e troca de guarda do Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (Poit). A convite da Marinha, o Estado acompanhou, na segunda semana de dezembro, os nove dias da travessia, única alternativa para chegar ou sair da terra brasileira mais afastada da costa do País.
Na ida, o Amazonas navegou 70 horas direto depois da partida da Ilha de Mocanguê, em Niterói, às 10 horas do dia 8, na última missão de 2016, chegando à Trindade na manhã do dia 11. A bordo, 120 pessoas, entre elas um grupo de jovens universitários, especialistas em quatro linhas de pesquisas científicas – aves, algas marinhas, temperaturas oceânicas e tartarugas-verdes – que só sairá de Trindade quando fevereiro chegar. E os militares? Para esses, a volta para casa deve ocorrer somente em abril, após quatro meses de missão.
Na saída do Rio para Trindade, a vigilância no passadiço – a torre de controle – do Amazonas entra em alerta máximo. A presença de pequenos barcos sob a Ponte Rio-Niterói, na rota da embarcação de combate, é vigiada por militares de binóculos, enquanto navegadores informam as coordenadas da posição do navio, cuja tripulação pode chegar a 81 homens. “Trindade está na mesma latitude de Vitória, a mais ou menos 600 milhas, cerca de 1,1 mil km, da costa do Espírito Santo, próxima das nossas principais bacias petrolíferas”, disse o comandante do Amazonas, capitão de fragata Luiz Antonio dos Santos Júnior.
“Está próxima da zona de desenvolvimento econômico e tem também importância científica e ambiental”, declarou o militar. Mais de 90% do tráfego naval de mercadorias ocorrem nesta região patrulhada pela Marinha, que concentra também quase 90% da extração de petróleo do País.
Localizada na ponta de uma cadeia de montanhas submersas, que se estende do Espírito Santo para leste, na direção do continente africano, Trindade tem cerca de 10 quilômetros quadrados e o pico mais alto da ilha alcança 600 metros acima da linha da água. No fundo do oceano, a uma profundidade de mais de 5 mil metros, a base da montanha se alarga para 32 quilômetros quadrados. “A ilha tem ainda uma importância científica e ambiental”, afirmou o comandante.
ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA (ZEE)
MAR TERRITORIAL
3,5 milhões DE KM²
370 KM
extensão da plataforma continental
960 mil KM²
ILHAS BRITÂNICAS
ILHAS BRASILEIRAS
ÁFRICA
Arquipélago de
São Pedro e São Paulo
Atol das
Rocas
LINHA DO EQUADOR
Fernando
de Noronha
Ilha da
Ascensão
CHEGADA
Porto de
Vitória/ES
BRASIL
Santa
Helena
Ilha da Trindade
e Martin Vaz
SAÍDA
Niterói/RJ
Tristão
da Cunha
OCEANO
ATLÂNTICO
Gough
Trindade
Vitória
620 m
Nível do mar
5 km
CADEIA DE MONTANHAS MARINHAS
ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA (ZEE)
MAR TERRITORIAL
plataforma continental
3,5 milhões DE KM²
370 KM
960 mil KM²
ILHAS BRITÂNICAS
ILHAS BRASILEIRAS
Arquipélago de
São Pedro e São Paulo
ÁFRICA
Atol das
Rocas
LINHA DO EQUADOR
Fernando
de Noronha
Ilha da
Ascensão
CHEGADA
Porto de
Vitória/ES
BRASIL
Santa
Helena
Ilha da Trindade
e Martin Vaz
SAÍDA
Niterói/RJ
Tristão
da Cunha
OCEANO
ATLÂNTICO
Gough
Malvinas
Georgia
do Sul
Sandwich
do Sul
Trindade
Vitória
620 m
Órcadas
do Sul
Nível do mar
5 km
CADEIA DE MONTANHAS MARINHAS
ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA (ZEE)
extensão da plataforma continental
MAR TERRITORIAL
3,5 milhões DE KM²
370 KM
960 mil KM²
ILHAS BRITÂNICAS
ILHAS BRASILEIRAS
Arquipélago de
São Pedro e São Paulo
VENEZUELA
Atol das
Rocas
LINHA DO EQUADOR
Fernando
de Noronha
ÁFRICA
Ilha da
Ascensão
CHEGADA
Porto de
Vitória/ES
BRASIL
Santa
Helena
BOLÍVIA
Ilha da Trindade
e Martin Vaz
CHILE
PARAGUAI
SAÍDA
Niterói/RJ
URUGUAI
ARGENTINA
Tristão
da Cunha
OCEANO
ATLÂNTICO
Gough
Malvinas
Georgia
do Sul
Sandwich
do Sul
Trindade
Vitória
620 m
Órcadas
do Sul
Nível do mar
Estreito
de Drake
5 km
CADEIA DE MONTANHAS MARINHAS
ZONA ECONÔMICA EXCLUSIVA (ZEE)
extensão da plataforma continental
MAR TERRITORIAL
3,5 milhões DE KM²
370 KM
960 mil KM²
ILHAS BRITÂNICAS
ILHAS BRASILEIRAS
Arquipélago de
São Pedro e São Paulo
VENEZUELA
Atol das
Rocas
LINHA DO EQUADOR
Fernando
de Noronha
ÁFRICA
Ilha da
Ascensão
CHEGADA
Porto de
Vitória/ES
BRASIL
Santa
Helena
BOLÍVIA
Ilha da Trindade
e Martin Vaz
CHILE
PARAGUAI
SAÍDA
Niterói/RJ
URUGUAI
ARGENTINA
Tristão
da Cunha
OCEANO
ATLÂNTICO
Gough
Malvinas
Georgia
do Sul
Sandwich
do Sul
Trindade
Vitória
620 m
Órcadas
do Sul
Nível do mar
Estreito
de Drake
5 km
CADEIA DE MONTANHAS MARINHAS
Geografia. Além de servir de berço para tipos especiais de fauna e flora, Trindade representa ponto estratégico na geografia brasileira. É um posto avançado em uma área do Atlântico que tem um arco de oito ilhas do Reino Unido, marcando terras britânicas de alto a baixo no mapa (Ascensão, Santa Helena, Tristão da Cunha, Gough, Sandwich do Sul, Geórgia do Sul, Órcadas do Sul e Falklands/Malvinas, estas duas últimas já no gelado Estreito de Drake).
Foi de Ascensão, base militar inglesa no Atlântico, a cerca de 2.130 km de Trindade, que os bombardeiros da Coroa Britânica partiram em 1982 para combater na Guerra das Malvinas, contra a Argentina. “A Marinha enxerga a Ilha de Trindade como um posto avançado fundamental para a defesa do País”, afirmou o comandante do Amazonas.
Comprado em junho de 2012 em Portsmouth, na Grã-Bretanha, o navio Amazonas tem dois irmãos gêmeos: um operando em Rio Grande, no Rio Grande do Sul, e outro em Natal, no Rio Grande do Norte.
A embarcação. Destacado para o 1.º Distrito Naval, do Rio, o Amazonas é equipado com um canhão de 30 milímetros na proa, outros dois canhões (25 mm) – um deles com acionamento remoto – e duas metralhadoras .50 nas laterais, bombordo (lado esquerdo) e boreste (direito). E tem ainda dois pontos para acoplagem de fuzis 7.62 mm, dois lançadores de foguetes de iluminação e um canhão d’água, colocado atrás da casa de máquinas. Toda essa parafernália de combate é transportada por dois motores que, juntos, geram uma força de 7.360 hp e podem carregar ainda uma tropa adicional de até 50 fuzileiros navais. Cada viagem para Trindade custa, segundo a Marinha, cerca de R$ 500 mil.
O barco de 90,5 metros de comprimento, 4,5 m de calado, radares sofisticados, sistema para dessalinizar a água do mar e autonomia de 35 dias não é somente uma arma da Marinha. “É um navio de combate, mas, pelas características, se transforma em uma embarcação multitarefa”, afirmou o comandante. Usado também nas operações bimestrais de abastecimento da Ilha de Trindade, o Amazonas tem capacidade para carregar até seis contêineres de carga.
Na Missão Trindade do começo de dezembro, ele acompanhou a costa fluminense até a altura de Cabo Frio e, antes do fim da tarde do primeiro dia da viagem, já fora do alcance do sinal para telefones, virou a proa para alto-mar para viajar, ao todo, nove dias, com retorno previsto para a manhã do dia 16, em Vitória, depois de passar dois dias e meio (11, 12 e 13) na ilha.
No entardecer do primeiro dia, marinheiros de folga e militares a caminho de um isolamento de quatro meses na ilha se juntaram no convés. Para lá foram também pesquisadores do Protrindade, o programa de observação científica da ilha. Na mira de todos, o primeiro e colorido pôr do sol da aventura atlântica.
A uma velocidade média de 14,5 nós (27 km/h) – o Amazonas pode chegar a 25 nós (46 km/h) –, a expedição navegou com vento de norte formando um mar de nível 3 (de uma escala de 0 a 12, que é quando as ondas se tornam ameaça real à embarcação). “Na última viagem a Trindade, enfrentamos mar 8”, informou o comandante, explicando que, naquela condição de navegação (nível 3), a viagem seria “tranquila”.
Enjoos. No segundo dia, porém, os efeitos do movimento constante das ondas apareceram com força. Balançando pelas elevações e ladeando os vãos azulados das ondas, em um subir e descer de revirar estômagos, o Amazonas teve suas horas de navio fantasma. Os civis, marinheiros de primeira viagem, sumiram. Passariam horas a fio enfiados nos alojamentos, rezando para santos antieméticos (remédios para enjoo) e à espera da próxima correria até o banheiro. Ou à caça de saquinhos para vômito na enfermaria, monitorada pela presença de dois médicos no navio, um deles destacado para a temporada de quatro meses na ilha.
Na parede dos banheiros, uma implacável ordem militar: “Sujou, limpou”. Diante da situação de desconforto geral, um dos marinheiros avisou aos incautos que a principal das regras de bordo era: “Você é responsável pela sujeira que produz”.
Na balada da náusea, naquele dia não houve colorido de pôr do sol que animasse eventuais incursões ao convés. Nem mesmo o jantar preparado pelo sargento Marcelo Fontenele, de 36 anos, 18 deles na Marinha, atencioso chef que no primeiro dia servira o elogiado bife com batatas, no almoço, e um macarrão à carbonara, no jantar, atraiu o povo ao refeitório.
A sala das armas, local da alimentação dos oficiais (outros dois ambientes, ao lado da cozinha, servem os demais tripulantes), foi oferecido também como estar e sala de TV para pesquisadores. Diante do desarranjo provocado pelo mar picado, o tenente capelão Manoel se esforçava para acalmar almas tontas que tentavam buscar referências no céu estrelado do oceano. Dizia que a melhor tática era tomar precauções medicamentosas antes da partida do navio e, durante a travessia, evitar a barriga vazia. Mesmo marinheiros experimentados da tripulação costumam ficar mareados quando o mar se rebela daquele jeito.
Recuperação. Somente no sábado, no terceiro dia da viagem, é que funções digestivas e labirintos pareciam ter-se adaptado ao comportamento instável do monumental volume d’água, que vive ao sabor de ventos, fases da Lua e rotações planetárias. Com o navio já bem além das 200 milhas territoriais brasileiras (370 km), tendo atravessado águas internacionais, o mar serenou. Foi possível, então, ficar em pé na popa e os mais resistentes investiram na prática de ginástica no convoo, o convés preparado para receber helicóptero, que desta vez não embarcou.
Com o povo mais disposto, o comandante ordenou exercícios de adestramento militar no mar – o treinamento havia sido adiado no dia anterior. Lançados no mar em uma lancha, marinheiros armados simularam abordagem de barco suspeito de tráfico de drogas, uma manobra antiterror e de defesa contra ataques de pirataria. “Este tipo de adestramento segue procedimentos da força naval dos Estados Unidos”, disse um militar.