ENVOLVIMENTO POLÍTICO DE FRANCISCO

 

 

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Papa coloca América

Latina em destaque

 

Desde que foi eleito papa, em 2013, Francisco levou ao Vaticano pautas sociais mais próximas aos problemas enfrentados na América Latina, se aproximando de militantes de direitos humanos, movimentos sociais e ambientais.

Mas Francisco foi além e se posicionou em temas políticos importantes da região. Na exortação apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho, em latim), que serve como uma espécie de plano de governo de Francisco, o papa deixa claro que a Igreja tem um papel político e deve estabelecer o diálogo.

 

 

 

Cuba

A ação do Vaticano no caso de Cuba não se limitou à mediação com os EUA. O papa Francisco ordenou a seus representantes que usassem as instalações da Igreja em Havana para a realização de cursos que permitam a formação do espírito empresarial entre os cubanos.

 

 

 

Crise política na Venezuela

O pontífice também atuou para que o impasse entre o governo do presidente Nicolás Maduro e a oposição fosse superado.

 

 

Venezuela. Maduro mostra imagem de Simón Bolívar para o papa em encontro no Vaticano em 2013   PALÁCIO DE MIRAFLORES / REUTERS

 

 

 

 

Haiti

No primeiro anúncio de novos cargos eclesiásticos Francisco nomeou como cardeal o haitiano Chibly Langlois, para dar ao mediador a capacidade de dialogar no mais alto nível político em meio à crise que o Haiti vivia com o processo eleitoral em um impasse. Um mês depois, o novo cardeal costurou um acordo entre os diferentes partidos haitianos para estabelecer a forma de trabalho do Tribunal Eleitoral, ponto fundamental para que as eleições pudessem ocorrer.

 

 

 

Colômbia

O papa Francisco se ofereceu pessoalmente e colocou a Igreja Católica à disposição do presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, para ajudar nas negociações de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em uma audiência no Vaticano. "O que eu puder fazer pessoalmente ou o que a Igreja puder fazer, conte conosco. Damos apoio e se precisar que tenhamos participação estamos dispostos a fazê-lo.

 

Colômbia. Em junho de 2015, Santos e o papa Francisco se encontraram no Vaticano   ALESSANDRO DI MEO / REUTERS

 

 

 

Protestos no Equador

Durante viagem ao Equador, em julho de 2015, Francisco foi recebido por integrantes do governo nacional e de Quito, que pertence à oposição - situação ironizada por alguns como sento o primeiro milagre do papa, colocando os políticos lado a lado. Após citar alguns santos do Equador, o pontífice chamou o país a “enfrentar os desafios atuais valorizando as diferenças, fomentando o diálogo e a participação sem exclusões para que as conquistas que se estão obtendo garantam um futuro melhor para todos”. Ele assegurou a Correa que, para isso, poderia contar com o compromisso e colaboração da Igreja.

 

 

Equador. Papa visita palácio presidencial no EquadorGARY GRANJA / REUTERS

 

 

Povos indígenas

Francisco pede perdão pelas ofensas e crimes cometidos pela Igreja Católica aos povos indígenas da América Latina durante a colonização do continente. A declaração do pontífice é dada durante viagem à Bolívia, onde há uma das maiores nações indígenas da América do Sul, em julho de 2015. Durante a visita, o presidente Evo Morales foi alvo de críticas ao presentear Francisco com um crucifixo no formato de uma cruz e um martelo – símbolo dos regimes comunistas do século 20 - de autoria de um jesuíta espanhol morto pela ditadura boliviana nos anos 80.

 

Bolívia. Papa recebe presente de Evo Morales.OSSERVATORE ROMANO / REUTERS

 

 

 

Outros continentes

A postura política do pontífice não se limitou à América Latina. Apenas neste ano, Francisco se posicionou sobre assuntos polêmicos, como o reconhecimento do Estado da Palestina e a retomada das relações da Santa Sé com a China.

 

 

 

 

Palestinos

Em maio de 2015, o Vaticano formalizou o reconhecimento do Estado da Palestina anunciando um acordo no qual a solução de "dois Estados" para o conflito com Israel é apoiada. Dias depois, o pontífice se encontrou com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, no Vaticano e o presenteou com uma medalha que simboliza o "anjo da paz". Em um evento, Francisco canonizou duas freias palestinas - Santa Maria de Jesus Crucificado e Santa Maria Alfonsina se tornaram as primeiras santas palestinas da época moderna.

Autoridade Palestina. Francisco recebe Abbas no Vaticano.  REUTERS

 

 

 

China

Restabelecer as relações da Santa Sé com a China, cortadas em 1951 por Mao Tsé-Tung  é um dos objetivos do papa Francisco. Em 2015, o pontífice rejeitou um encontro com o dalai-lama porque a Santa Sé sentia que estava em um momento crítico das negociações com Pequim. Um sinal positivo foi dado em agosto, quando, ao retornar de uma viagem à Coreia do Sul, o avião papal foi autorizado pela primeira vez a sobrevoar o espaço aéreo chinês.

 

 

 

 

Armênia

Em abril, Francisco lembrou os 100 anos do assassinato de armênios afirmando que se tratou do "primeiro genocídio do século 20". O Pontífice, que tem laços próximos com a comunidade armênia desde seus dias na Argentina, defendeu o pronunciamento dizendo que é seu dever honrar a memória de homens, mulheres, crianças, padres e bispos inocentes que foram assassinados "sem sentido". "Ocultar ou negar o mal é como permitir que uma ferida continue sangrando sem fazer um curativo".

Armênia. O presidente da Armênia, Serj Sargsyan, se encontra com Francisco no Vaticano em setembro de 2014.ANDREW MEDICHIN / REUTERS

 

 

 

Dribles de Francisco

 

Rodrigo Cavalheiro, correspondente / Buenos Aires

 

﷯Carisma. Francisco no papamóvel.
TONY GENTILE / REUTERS

 

Fanático por futebol, o papa argentino saiu de situações difíceis evitando o choque, como na mediação Cuba-EUA. Conheça alguns exemplos:

 

A vocação (Anos 50)

Adolescente, Jorge Bergoglio prometeu à mãe que seria médico. Chegou a fazer curso técnico de química e trabalhar em um laboratório de análises. Sua avó deu-lhe livros sobre religião quando já começava a sair com uma menina do bairro de Flores, onde nasceu e foi criado em Buenos Aires. Curiosa para saber como ia sua vocação, sua mãe se desesperou ao encontrar em seu quarto apenas livros de teologia. "Você não ia ser médico?", questionou. Ele respondeu então que seria "médico de almas".

 

Tolerância religiosa (1999)

O rabino Abraham Skorka tornou-se um dos melhores amigos de Francisco quando os dois representavam de suas religiões na Argentina. Em 1999, o River Plate, time do judeu, passava por uma má fase no campeonato local. O San Lorenzo, equipe de adoração do papa, vivia uma ótima etapa e ganhou o torneio. Em uma cerimônia, o rabino saudou o colega católico com uma frase séria e protocolar, de fundo religioso. "Acho que este ano comeremos canja de galinha", respondeu Bergoglio, referindo-se ao animal símbolo do River Plate. Skorka, que teve um programa com o amigo na TV, considera Bergoglio "um gênio para desfazer protocolos".

 

Missa em latim (2007)

Em 2007, quando o papa Bento 16 liberou a missa em latim, o arcebispo Bergoglio enfrentava pressão de setores conservadores da igreja justamente por não dar importância à liturgia. Por sua aproximação com a comunidade judaica, era chamado por radicais de "Judas B." (em vez de Jorge Bergoglio), "anticristo" e "rabino católico". Para responder essa ala, Bergoglio se encarregou de garantir que a cota mínima determinada por seu antecessor fosse cumprida: uma igreja passou a ter o rito nesse idioma. Aos católicos conservadores, Bergoglio pôde argumentar que estava com eles porque se encarregara de seguir a ordem do Vaticano. Aos liberais, pôde dizer que tinha autorizado apenas um templo.

 

Matrimonio homossexual (2010)

A argentina aprovou o casamento homossexual em 2010 e Bergoglio era pressionado a deixar mais clara sua oposição ao tema. Ele costumava dizer que não estava de acordo, mas, como os relacionamentos eram um fato, deveriam ser tratados como união civil. Bergoglio enviou então uma carta sobre o assunto às religiosas carmelitas em uma linguagem duríssima contra o projeto de Cristina Kirchner. "Não é uma luta política, é um ato contra o plano de Deus", escreveu, completando que se tratava de uma "jogada do Diabo". Um de seus assessores o procurou, preocupado com a difusão. "Bergoglio me respondeu sorrindo: 'às vezes as pessoas divulgam cartas privadas'", lembrou esse assessor ao Estado. Ao planejar o vazamento da própria carta, Bergoglio "falou" com cardeais conservadores, sem precisar se indispor com fiéis liberais, a quem justificou que o texto estava em linguagem eclesiástica.

 

Ciência (2014)

Entre o criacionismo e o evolucionismo, Francisco fica com as duas teorias para explicar o início da vida. Embora tenha defendido quando já estava no Vaticano a tese de que o Darwinismo e o Big Bang, a grande explosão que gerou o universo, são compatíveis com a existência de Deus, essa posição é antiga. Segundo ele, a Evolução e Deus andam de mãos dadas, não são excludentes.

 

Kirchnerismo (2003-2015)

Em 2004, durante a missa que tradicionalmente o chefe da Igreja na Argentina reza na celebração da independência, Bergoglio criticou fortemente a corrupção diante do então presidente Néstor Kirchner (2003-2007), que ficou furioso. Em retaliação, Néstor, morto em 2010, deixou de ir à catedral de Buenos Aires nos anos seguintes e passou a frequentar cerimônias equivalentes no interior do país. Quando Bergoglio tornou-se Francisco, em 2013, a relação com Cristina, sucessora do marido, ainda era péssima - ela tinha dito que suas posições eram de "tempos medievais e da inquisição". Logo após saber do resultado do conclave, ela apenas saudou um papa "latino-americano". A oposição esperava o papa como inimigo fosse um revés definitivo para o kirchnerismo, mas Cristina baixou a guarda e Francisco nunca se negou a encontrá-la. Embora tenha dito que se sentiu usado algumas vezes por políticos, ambos serão fotografados juntos pela sétima vez, desta vez Cuba.

 

 

 

Entrevista

 

“Francisco é o mais importante estadista mundial da atualidade”

 


O TEÓLOGO BRASILEIRO FREI BETTO RESSALTA A IMPORTÂNCIA DO PAPA FRANCISCO NA ATUAÇÃO POLÍTICA DO VATICANO

 

Fernanda Simas

 

Livro. Frei Betto é autor do livro “Fidel e a Religião”, no qual aborda a relação do líder cubano com a Igreja Católica.PAULO GIANDALIA / ESTADÃO

 

A visita do papa Francisco à Cuba é a terceira visita papal ao país que nunca teve as relações diplomáticas com o Vaticano cortadas, mas ganha mais importância pelo momento político vivido por EUA e Cuba e pelo papel fundamental que o pontífice teve nesse processo.

Essa será a primeira visita papal depois que Havana e Washington anunciaram a retomada dos laços diplomáticos, cortados havia mais de 50 anos, e reabriram as embaixadas nas duas capitais. “Francisco é, sem dúvida, o mais importante estadista mundial da atualidade. Ele se empenha na busca de entendimento e paz entre as nações e, assim, não poderia deixar de priorizar as relações EUA-Cuba”, avalia o escritor, antropólogo e filósofo brasileiro frei Betto.

Em entrevista ao Estado, o frade dominicano, que já esteve com o papa, ressalta a “sintonia” da relação do atual papa com a Teologia da Libertação e considera que a atuação política de Francisco difere da exercida por Bento XVI e João Paulo II e “justifica” o título de pontífice.

 

Qual é o principal objetivo da diplomacia papal hoje? É muito diferente da época do papa Bento XVI?

Muito diferente. João Paulo II, em matéria de diplomacia, esteve preocupado em derrubar o Muro de Berlim, o nisso foi exitoso. Bento XVI não gostava de viajar e muito menos se envolver em questões diplomáticas. Já o papa Francisco se empenha decididamente em construir pontes entre as nações, o que justifica seu título de "pontífice", aquele que faz pontes.

 

Qual a importância de um papa latino-americano ter mediado a retomada das relações diplomáticas entre Cuba e EUA?

Francisco é, sem dúvida, o mais importante estadista mundial da atualidade. Como americano, demonstra mais sensibilidade aos problemas de nosso continente do que seus antecessores. Ele se empenha na busca de entendimento e paz entre as nações e, assim, não poderia deixar de priorizar as relações EUA-Cuba, suspensas há mais de 50 anos e, agora, graças à mediação dele, retomadas.

 

Como o sr. vê a relação de Francisco com a Teologia da Libertação?

Há plena sintonia entre o pensamento, as palavras e os gestos de Francisco e os princípios e objetivos da Teologia da Libertação. Como essa corrente teológica, Francisco prioriza a "opção pelos pobres", como demonstrou na recente viagem ao Equador, à Bolívia e ao Paraguai, e não aponta apenas os efeitos do capitalismo que degrada o meio ambiente, mas também as causas, como fez na encíclica "Louvado Sejas - sobre o cuidado de nossa casa comum", recentemente lançada.

 

Muitas pessoas passaram a prestar mais atenção às falas do papa após os primeiros discursos de Francisco. O sr. já conversou com ele? Qual a impressão que teve?

O papa me recebeu dia 9 de abril de 2014, durante a audiência pública das quartas-feiras, no setor de convidados especiais. Agradeci a ele o apoio dado às Comunidades Eclesiais de Base do Brasil, em carta que ele enviara ao encontro nacional das CEBs, em janeiro daquele ano; pedi que valorizasse o papel das mulheres na Igreja (ainda consideradas fiéis de segunda classe, pois são impedidas de acesso ao sacerdócio); lembrei que a Ordem Dominicana faz 800 anos em 2016, e solicitei a reabilitação de dois confrades meus condenados pelo Vaticano, Giordano Bruno e Mestre Eckhart (ele me disse "reze por isso", como quem dá a entender que está de acordo mas sabe que não será um processo fácil); e me despedi dizendo "Santo Padre, extra pauperis nulla salus" - fora dos pobres não há salvação. Ele reagiu enfático: "Estou de acordo, estou acordou", repetiu.

 

É possível comparar a atuação de Francisco mediando a retomada das relações diplomáticas entre Cuba e EUA com a atuação de João XXIII ao não cortar relações com o governo de Fidel Castro?

Francisco comemorará, no próximo fim de semana em Cuba, 80 anos de relação diplomática entre a Ilha socialista e a Santa Sé. Jamais se cogitou a ruptura de relações entre os dois Estados, mesmo durante os períodos de conflito entre a Revolução e o episcopado cubano. Fidel sempre manteve boas relações com os núncios, como sublinha na entrevista que me concedeu em 1985 e editada sob o título "Fidel e a religião". George W. Bush é que tentou evitar que João Paulo II visitasse Cuba em 1998, mas fracassou. O papa não só fez a visita, como também elogiou as conquistas da Revolução nas áreas de saúde e educação.

 

O sr. acredita que o fato de o Vaticano ter reconhecido o Estado da Palestina pode mudar o rumo do conflito entre Israel e os palestinos?

Acredito que foi um importante passo para a defesa dos direitos e a soberania dos palestinos, e para enfatizar o equívoco da atual política do Estado de Israel em relação ao Estado Palestino.

 

 

 

Análise

 

Papa peronista visita a América hispânica


OBJETIVO MAIS EVIDENTE DE FRANCISCO É TORNAR A IGREJA MAIS ACOLHEDORA E RELEVANTE NESSES PAÍSES CATÓLICOS

 

THE ECONOMIST

 

Se a expressão se aplica a um pontífice de 78 anos que fez da não ostentação uma arte, então o papa Francisco é um astro de rock.

Ou pelo menos assim vem sendo recebido nestes últimos dias na América Latina. Centenas de milhares de fiéis compareceram a missas ao ar livre no Equador, na Bolívia, e no Paraguai, onde o papa chegou na sexta-feira e encerra neste domingo sua visita.

Mas o giro de oito dias – a viagem ao estrangeiro mais longa deste papado até o momento, e a primeira à América hispânica – pode fazer mais do que simplesmente chamar a atenção para a popularidade de que Jorge Mario Bergoglio, o primeiro papa latino-americano, goza em sua região natal. Pode também conferir definição política a seu papado.

Embora ainda concentre 40% dos católicos do planeta, nos últimos 40 anos a América Latina assistiu a um rápido avanço do protestantismo evangélico. Mas, segundo o instituto de estudos e pesquisas Pew Research, com sede nos Estados Unidos, o Paraguai (onde 89% da população é católica), o Equador (79%) e a Bolívia (77%) continuam sendo bastiões da fé, juntamente com Colômbia e México.

O objetivo mais evidente do papa é tornar a Igreja mais acolhedora e mais relevante nesses países, a fim de que eles se mantenham majoritariamente católicos.

Em Guayaquil, no Equador, em missa realizada para celebrar a família (“o melhor capital social”), Francisco falou de sua preocupação com os que se veem excluídos dessa instituição – referência à batalha que ele vem discretamente travando em prol de uma maior tolerância para com casais gays e indivíduos divorciados. A questão será tema de um sínodo em outubro.

Os três países incluídos na visita do pontífice são relativamente pequenos e pobres e têm grandes contingentes populacionais de ameríndios. Foram escolhidos a dedo. Francisco, que foi padre jesuíta na Argentina, valoriza o trabalho pastoral com as pessoas que permanecem nas margens da sociedade, respeita a religiosidade popular e promete uma “Igreja pobre, para os pobres”.

Teologia da Libertação. Suas palavras empolgam os defensores da Teologia da Libertação – um conjunto de ideias esquerdistas muito influente na América Latina durante as décadas de 70 e 80. Francisco acelerou a beatificação, celebrada em maio, de Óscar Romero, um arcebispo salvadorenho que foi morto a tiros por um esquadrão da morte enquanto celebrava uma missa em 1980 e se tornou herói das esquerdas.

No entanto, o padre Bergoglio sempre rejeitou o marxismo e a revolução por meios violentos que alguns religiosos de esquerda apoiavam. E o fato é que ele não adota a Teologia da Libertação, preferindo antes reinterpretá-la e adaptá-la a uma época pós-marxista. A opção de Romero “pelos pobres não era ideológica, mas evangélica”, sustenta o Vaticano.

As críticas do papa ao capitalismo de livre mercado se coadunam tanto com a doutrina social católica tradicional, como com o peronismo, o movimento político argentino, de caráter nacionalista e populista, de que no passado ele foi próximo.

Dois dos anfitriões do papa, o presidente equatoriano, Rafael Correa, e seu colega boliviano, Evo Morales, são esquerdistas radicais e aliados do regime autoritário venezuelano. Dizem que pretendem tirar dos ricos para dar aos pobres, ao mesmo tempo em que disfarçadamente silenciam a oposição. Correa, que se define como um “esquerdista cristão”, fez esta semana um comentário em público em que dava a entender que o papa apoia suas políticas. Numa reprimenda não muito velada a seu anfitrião, o papa enfatizou o valor do pluralismo e advertiu contra “ditaduras, personalismos e o desejo de lideranças únicas”.

Francisco já deu mostras de ser um papa altamente político. Seu apoio às negociações sigilosas que levaram à reaproximação diplomática entre Estados Unidos e Cuba foi crucial. Quando, depois de 54 anos, as embaixadas dos dois países reabrirem no dia 20, o papa pode reivindicar um pouco desse crédito.

Ele também recebeu por cinco vezes a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, a mesma peronista com quem pouco se dava quando era arcebispo de Buenos Aires.

Tendo em vista a eleição presidencial marcada para outubro (em que Cristina não poderá concorrer), esses encontros incomodaram a oposição argentina.

Mas o papa é “muito sutil ao exercer sua influência na Argentina”, diz o cientista político Sergio Berensztein. Seu propósito em abrir as portas do Vaticano para a presidente é contribuir para uma mudança de governo calma e democrática, evitando a violência e o caos que no passado marcaram as transições políticas no país.

Alguns observadores receiam que o papa esteja se excedendo em suas ações políticas. A ideia de visitar Cuba – por quatro dias – em setembro, a caminho dos Estados Unidos, irritará os republicanos e pode minar a metade americana de sua viagem.

O maior teste para a habilidade política de Francisco será a eficácia de seus esforços para ajudar a viabilizar uma transição pacífica e democrática na Venezuela, onde o impopular governo de Nicolás Maduro tem pela frente uma provável derrota nas eleições parlamentares deste ano — isto é, se o pleito for livre e justo. “Nos bastidores, o papa vem fazendo tudo que está a seu alcance na Venezuela, a fim de evitar um confronto”, diz Jimmy Burns, autor de uma biografia de Francisco a ser lançada em breve. Esses esforços certamente devem ter envolvido a aplicação de pressão sacerdotal sobre os aliados de Maduro, Rafael Correa e Evo Morales, nos últimos dias. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

(Texto publicado originalmente na edição de 11 de julho de 2015)

 

 

Capítulo 4

PAPA EM CUBA