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“Acordei de um sonho e estou vivendo um pesadelo”

Viviane Rocha de Jesus
Ex-funcionária do estaleiro

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“Acordei de um sonho e estou vivendo um pesadelo”

VIVIANE ROCHA DE JESUS
Ex-funcionária do estaleiro

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DEPOIMENTO DE VIVIANE

A paralisação do estaleiro da Enseada foi um duro golpe na vida da ex-funcionária Viviane Rocha de Jesus, de 30 anos. “Acordei de um sonho e estou vivendo um pesadelo”, lamenta a técnica de segurança do trabalho, que ficou um ano e meio empregada no empreendimento. Durante esse tempo, endividou-se para reformar a casa da mãe, comprou material de construção, contratou pedreiro e iniciou as obras. Mas não teve tempo nem dinheiro para concluí-las.

Com as obras inacabadas e infiltrações que se alastram pela casa por causa da interrupção, Viviane ainda tem de conviver com outro drama: está inadimplente na praça. “Fiz dívida no banco para financiar a reforma da casa de minha mãe acreditando que esse empreendimento seria para décadas. Foi isso que prometeram para todos nós. Hoje estamos sem perspectiva.”

Na casa de Viviane, todos trabalhavam no estaleiro e estão desempregados. Quem mantém a casa é a mãe, Maria de Lourdes Rocha, de 50 anos, com faxinas e lavando roupa para fora. Mas ela também depende do estaleiro. Como quase toda a população de São Roque do Paraguaçu, distrito de Maragojipe, trabalhava no empreendimento, a renda caiu. Poucos têm dinheiro para bancar esse tipo de conforto.

Viviane nasceu e se criou em São Roque. Teve infância pobre, sem grandes luxos como a maioria da população local. Inteligente e comunicativa, sabia que para ter uma vida melhor precisava de uma profissão. Em meados da década passada, com a construção da Plataforma de Rebombeio Autônoma da Petrobrás, em São Roque, arrumou emprego como copeira, juntou dinheiro e fez o tão sonhado curso técnico. Em 2009, conseguiu estágio na reforma da P-3, também da Petrobrás.

Quando as obras do estaleiro chegaram, ela já tinha experiência suficiente para pleitear uma vaga. Conseguiu. Mas o sonho durou um ano e meio. “Hoje não temos nem as plataformas nem os estaleiros. Plantaram uma semente e cortaram pela raiz.” Na tarde do dia 26 de maio, a reportagem do Estado encontrou Viviane no ferryboat vindo de Salvador. Ela havia passado o dia em busca de um emprego nas obras do metrô da capital baiana. Ainda não tinha tido sucesso, mas não perdeu a esperança. “Semana que vem volto de novo. Vai dar certo.”

OUTROS DEPOIMENTOS

“Não tenho nada. Tudo que ganhei já foi embora”

Léia Conceição Batista
Ex-funcionária do estaleiro

Separada e mãe de duas filhas, Léia Conceição Batista tem vivido os últimos meses com a aposentadoria da mãe e da venda de balas, pirulitos e geladinhos. De vez em quando consegue uma faxina e fatura cerca de R$ 40 por dia. Há alguns meses, a situação era bem diferente. “Trabalhei durante um ano e cinco meses no estaleiro. Dei muitas alegrias para as minhas filhas, comprei vários presentes.”

Hoje, diz ela, é o salário mínimo da mãe que salva o dia a dia da família. “Não tenho nada. Tudo que ganhei já foi embora.”

Léia está distribuindo currículo por todos os cantos de Salvador e região. No momento, seu principal objetivo é ir embora de São Roque do Paraguaçu e conseguir dar uma vida melhor para filhas – algo que não teve até hoje. Antes do estaleiro, ela trabalhou em casa de família e durante dois anos na reforma de uma plataforma da Petrobrás.

“Adiamos um sonho de melhoria de vida profissional, mas estamos na esperança de que retorne”

Arilson Brito
Ex-funcionário do estaleiro

Eletricista de comissionamento, Arilson Brito trabalha desde 1998 no setor naval. Nasceu em Santo Amaro, em São Paulo, mas se mudou para São Roque do Paraguaçu há 32 anos com os pais. Antes do estaleiro, onde ficou durante nove meses, ele trabalhou na construção e reforma de plataformas da Petrobrás. “O impacto que a chegada do estaleiro promoveu na comunidade foi muito bonito.”

Mas hoje, diz ele, o cenário é de desolação. “A indústria parou, o comércio diminuiu e não temos nenhuma fábrica. Não tem mais emprego para a população.” Ao contrário da maioria dos moradores de São Roque, Brito tem uma segunda opção: um táxi. Mesmo assim, a vida não anda fácil. O movimento caiu entre 80% a 90%. “Adiamos um sonho de melhoria de vida profissional, mas estamos na esperança de que retorne.”

“Antes vendia 20 caixas de cerveja por semana. Agora vendo uma ou duas por mês”

Raone Santos Neves
Microempresária

Nascida em Salvador, Raone Santos Neves, mais conhecida como Bilu, se mudou para São Roque do Paraguaçu há 20 anos. Foi morar com a avó e lá fincou raízes. Casou e teve um filho. No passado, quando o distrito recebia mais plataformas para construir e reformar, ela chegou a trabalhar em uma delas, na P-17. Mas, incentivada pelo desemprego, montou um negócio próprio.

Começou com uma barraquinha para vender café, bolos e sucos. Em pouco tempo já havia conseguido um quiosque na praça da cidade, onde ampliou o cardápio, com bebidas alcoólicas e petiscos. Tudo isso coincidiu com a chegada do estaleiro da Enseada, que no auge da obra empregou cerca de 7 mil trabalhadores. “No começo foi maravilhoso. Abria às 5 horas e fechava às 23 horas, meia noite e até uma hora da manhã.”

Hoje o quiosque está às moscas. “Abro às 5 horas e fecho às 20 horas. Antes vendia 20 caixas de cerveja por semana. Agora vendo uma ou duas por mês”, diz Raone. Com uma queda de 90% no faturamento, teve de mexer nas economias para pagar as contas de aluguel da casa e da escola do filho. O sonho da casa própria também foi adiado.

“A situação está muito difícil. A cidade parou”

Antônio Pedro dos Santos
Ex-funcionário

No período de um ano e um mês em que trabalhou como encarregado de montagem no Estaleiro Enseada, Antônio Pedro dos Santos, de 30 anos, conseguiu realizar alguns sonhos que só eram possíveis com um emprego fixo. Terminou de construir a casa, comprou um carro financiado, uma canoa e colocou o filho numa escola privada. Mas, em fevereiro, o sonho acabou.

Casado, pai de dois filhos e desempregado, ele não teve alternativa: voltou para o rio para pescar. Hoje sua renda com a pescaria equivale a 10% do que ganhava no estaleiro. A contas só não estão atrasadas porque tem usado o dinheiro da indenização por tempo de trabalho e também por causa dos cortes no orçamento familiar. Um deles foi tirar o filho da escola paga e colocá-lo de volta na escola pública. “A situação está muito difícil.”

Sua rotina hoje é sair todos os dias às 5 horas da manhã e ir pescar. Nos melhores dias, consegue 10 a 20 quilos de peixe. “Mas a demanda também está fraca. A cidade parou”, lamenta ele.

“Foi muito bom enquanto durou”

Giodásio José dos Santos
Microempresário e ex-funcionário

A paralisação do Estaleiro Enseada foi um baque para a família de Giodásio José dos Santos. Ele, a mulher Ivonete Antonia de Souza Santos, e os dois filhos trabalhavam na obra até o ano passado e agora estão desempregados. Além disso, todas as economias da família foram investidas na construção de um restaurante, que nem chegou a ser inaugurado.

Durante três anos, Santos e a mulher vendiam refeições para funcionários e visitantes do estaleiro. No início, os almoços eram servidos na varanda da casa do casal. Em pouco tempo, o espaço ficou pequeno e foi necessário investir em um novo local para servir as refeições. O restaurante, um sonho antigo da mulher, foi construído no fundo da praça da comunidade Enseada. Ali, durante meses, eles não davam conta de tanta demanda. “Servíamos 70 almoços por dia. De sexta-feira, até faltava comida para todo mundo”, lembra Santos.

Diante do sucesso do negócio e da promessa de que o estaleiro teria vida longa, Santos e Ivonete juntaram todas as economias que ganharam no restaurante e em empregos anteriores e ampliaram o estabelecimento. Mas, quando a obra chegou ao fim, veio a notícia da paralisação do estaleiro. “Hoje vendo uma ou duas refeições por dia. Tudo que ganhamos reinvestimos no restaurante pensando que o projeto duraria uns 15, 20 anos. Agora acumulo contas atrasadas”, diz o microempresário.

Para conseguir dinheiro, ele montou uma pequena mercearia na parte de baixo do restaurante e faz corridas com o veículo que conseguiu comprar nos anos de fartura. Mas isso não tem sido suficiente. “Estou procurando emprego em outras obras e já começo a cogitar a possibilidade de retomar um trabalho que prometi pra mim mesmo que nunca mais faria, que é a comercialização de peixes e carnes. Foi muito bom enquanto durou.”

“Ganhei muito dinheiro, mas gastei tudo em novos empreendimentos”

João dos Santos Dias
Empresário

Ninguém apostou tanto no sucesso do estaleiro Enseada quanto o empresário João dos Santos Dias. Comerciante tradicional de São Roque, ele enxergou rápido os benefícios que o empreendimento traria para a região. De dono de mercado e loja de roupa, decidiu se aventurar no ramo de hotelaria. Construiu uma pousada para abrigar os trabalhadores do estaleiro e rapidamente já somava 325 quartos. “Conforme a demanda aumentava, eu construía mais apartamentos.”

A última empreitada consumiu todas as economias feitas nos últimos anos. Construiu um clube de 19 mil metros quadrados, com 55 apartamentos, duas piscinas, campo de futebol, estacionamento e área para evento. Tudo caminhava como o projetado. O empresário já tinha até um pré-contrato com uma empresa para alugar os quartos para os trabalhadores. Mas, quando tudo estava pronto, a Operação Lava Jato da Polícia Federal paralisou os investimentos da Petrobrás e o contrato foi suspenso.

“Desde dezembro não emiti R$ 1 em nota fiscal. A pousada está fechada e não consegui nem inaugurar o clube”, lamenta o empresário, que tem aberto o estabelecimento para a comunidade aos domingos e cobrado R$ 10 por pessoa. “Ganhei muito dinheiro, mas gastei tudo em novos empreendimentos.”