Expedição

A chegada

Após 3 dias e 3 noites de navegação, Amazonas chega à ilha para última Missão Trindade de 2016

Depois de três noites e três dias de navegação, às 4h45 do quarto dia, domingo, dia 11, finalmente, tripulantes e passageiros do Amazonas avistam do alto-mar, a 12 milhas (cerca de 22 km), as primeiras imagens de terra. Eram as rochas da Ilha de Martim Vaz, 49 km adiante da Ilha de Trindade.

Martim Vaz é, na verdade, a ilha brasileira mais distante da costa do Brasil. Porém, não é habitada. Conjunto de pelo menos quatro rochedos que saem do mar, sem praias, e nos quais o desembarque só é possível de helicóptero, tem uma ilha maior que não chega a 500 metros quadrados. As outras são pontas de pedra bruta. Ainda com a luz do amanhecer, o Amazonas contornou o colosso rochoso, que se eleva cerca de 6 mil metros das profundezas. O Sol só nasceria minutos mais tarde, às 5h25.

Na torre de comando do navio, àquela altura navegando em calmaria, Danilo Filipkowski, de 26 anos, pesquisador do Laboratório de Aves Aquáticas e Tartarugas Marinhas da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), curtia com seus binóculos as primeiras aves marinhas em revoada nos penhascos de Martim Vaz. O biólogo integra o time de cientistas que vai permanecer em Trindade até fevereiro. Filipkowski estuda a transferência de materiais de aves marinhas para outras espécies, como o caranguejo-amarelo (Johngarthia lagostoma), que existe aos milhares na ilha, e o caranguejo-aratu (Grapsus grapsus), encontrado na beira d’água, nas piscinas das praias isoladas de Trindade.

Pesquisa. Seu trabalho verifica a presença de nitrogênio e carbono em materiais, como pena e detritos das aves, em outros organismos a partir de análises em laboratório de pequenas amostras de musculatura dos caranguejos. E as compara com amostras de restos das aves, como as penas. Os principais animais desta pesquisa, explicou o jovem, são os trinta-réis-das-rocas (Onychoprion fuscatus), a ave marinha mais abundante no Brasil. Mas ele planeja também observar o petrel de Trindade (Pterodroma arminjoniana), que faz ninhos nas cavernas dos penhascos e se reproduz somente em uma ilha do Oceano Índico e em Trindade.

Trindade está a mais ou menos 600 milhas (1.100 km) da costa do Espírito SantoWilton Junior/Estadão
Localizada na ponta de uma cadeia de montanhas submersas, Trindade tem cerca de 10 km²Wilton Junior/Estadão
Cadeia de montanhas submersas, onde está Trindade, se estende do Espírito Santo na direção do continente africanoWilton Junior/Estadão
Dezenas de cientistas, em expedições de mais de século, estudaram fauna e flora da ilhaWilton Junior/Estadão
Cruz na Gruta Nossa Senhora de Lourdes, na Ilha de TrindadeWilton Junior/Estadão
Trindade foi descoberta em 1501 pelo navegador espanhol João da Nova Wilton Junior/Estadão
200 anos após ser descoberta, Trindade foi habitada quando o astrônomo inglês Edmund Halley aportou no localWilton Junior/Estadão

O mar calmo da manhã de domingo, 11, foi uma bênção para o Amazonas. Após Martim Vaz, logo apareceu a majestosa elevação de terra chamada Trindade. Descoberta em 1501 pelo navegador João da Nova, ganhou o nome um ano depois, escolhido por Estevão da Gama em homenagem religiosa aos três montes mais altos da ilha. Um atobá veio dar as boas-vindas ao navio e tentar “pescar” peixes-voadores na frente do Amazonas, que fundeou pouco antes da 9 horas na Praia dos Portugueses.

O “ferro unhou”, como dizem os marinheiros, a areia branca a 28 metros de profundidade. Depois de mergulhadores checarem a posição da âncora, o desembarque foi feito no braço, descendo pela parede externa do navio em uma escada de cordas até o bote de 12 passageiros, mais bagagens, sob sol forte, 24°C, e água morna, a 23°C.

Paraíso. Começava então uma visita de dois dias a um paraíso ecológico do Atlântico, de montes pedregosos de aspecto marciano, que, segundo cientistas, são resultado de pelo menos cinco erupções vulcânicas em tempos diferentes. Completam o ambiente amendoeiras-da-praia, também conhecidas como chapéu-de-sol, árvores de boa sombra, bem comuns em praias do continente, conservadas nas áreas de construção militar, diante da Praia dos Portugueses. Nas encostas de montes, como o mais famoso, chamado de Desejado, aparecem as samambaias gigantes (Cyathea delgadii).

Dezenas de cientistas, em expedições de mais de século, estudaram exaustivamente os vegetais da ilha, descritos, por exemplo, em compêndios e livros, como a obra de Ruy José Válka Alves, que trata também de exóticos bichos de hábitos noturnos, como as tartarugas-verdes e os intrigantes caranguejos-amarelos.

Se a presença de tubarões na área serve de alerta para aventureiros daquelas águas, em terra parece não haver perigo animal. Trindade não tem cobras nem lagartos. É livre também de insetos indesejados, como os insuportáveis borrachudos de Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. Melhor ainda: não há em Trindade nem a ameaça dos danosos Aedes aegypti do continente.

O mergulhador: na ilha por 5 vezes e a missão humanitária no Líbano

O suboficial Anderson Conceição, de 41 anos, com 25 anos de Marinha, embarcou em Niterói para uma missão de quatro meses em Trindade. Experiente mergulhador, ele já esteve na ilha por cinco vezes e, desta vez, deve ficar por lá até abril.

“A ilha é fantástica. A gente dá apoio aos pesquisadores”, disse o militar, que tem 20 anos de serviços como mergulhador.

No navio de guerra, Conceição e outros dois companheiros são responsáveis pela checagem de tudo que acontece na navegação abaixo da superfície. Na operação de fundeio em Trindade, quando a âncora foi lançada, após uma operação discutida no comando do navio um dia antes da chegada, foi a equipe de Conceição que verificou se o “ferro unhou” o leito arenoso para dar estabilidade e segurança à embarcação.

O suboficial da Marinha, Anderson Conceição, viajou no Amazonas para serviço que termina somente em abril.

Síria. Para o mergulhador, que é casado e tem uma filha de 7 anos, o isolamento na ilha já é rotina. Ele recordou que no ano passado participou também de outra missão marcante. No auge da crise humanitária causada pela Guerra da Síria, com milhares de sírios tentando chegar à Itália, a corveta brasileira Barroso, em operação no Líbano, foi acionada para o resgate de 200 pessoas à deriva no mar.

“Aquele foi um dia emocionante”, lembrou o mergulhador. “Havia crianças de colo na embarcação. Disseram que estavam havia sete dias no mar, e dois ou três dias sem água”, contou Conceição. “Recolhemos todos eles, doamos nossos cobertores e travesseiros”, contou o militar. Os refugiados foram entregues em porto italiano.

Segundo Conceição, a estadia em Trindade rende aos militares que se dispõem a encarar a tarefa alguns benefícios na carreira, como contagem extra de tempo para aposentadoria, além de reforçar a renda. “Sobre a solidão, a gente compensa trabalhando e falando com a família por telefone, internet, e passeando depois de retornar”, disse.