Um dos líderes da bancada do agronegócio, o deputado federal Nelson Marquezelli (PTB-SP) em sua fazenda em Pirassununga (SP)

Valéria Gonçalvez / Estadão

Agronegócio tem a bancada mais bem organizada

Grupo conta no Congresso conta com 210 deputados, mas apenas 119 deles assumem ter ligação com setor; senadores são 26

Pablo Pereira

 

 29 julho 18

É num casarão de dois pisos cor de terra com janelas verdes, à beira do Lago Sul, em Brasília, que atua um dos mais combativos grupos setoriais do Congresso. A 10 minutos de carro da Praça dos Três Poderes, parlamentares proprietários de terras, produtores rurais e simpatizantes dos negócios do campo reúnem-se toda terça-feira pela manhã para afinar o discurso e decidir ações políticas de interesses do setor.
Levantamento do Estadão/Broadcast nos registros do Congresso mostra na segunda reportagem dessa série que a atual representação política do agronegócio chega a 210 deputados e 26 senadores, num total de 236 políticos em exercício (39,7% dos congressistas), em 18 partidos. Destes, 119 deputados e seis senadores (21%) assumem a ligação. Essa articulação setorial opera na Frente Parlamentar Mista da Agropecuária (FPA), criada em 2015 com assinaturas de 198 deputados e 27 senadores (38% dos 594 congressistas), e que pode alcançar 260 votos, superando os 257 votos (maioria absoluta) exigidos para determinadas matérias. Entre os deputados, 42 vivem do agro e 80 admitem ligações.

Entre os que se consideram da FPA, há ainda os que não assumem ligação com “ruralistas”. É o caso de Benito Gama (PTB-BA). “Não me considero da bancada porque não sou do setor, sou economista e professor.”

Nestas eleições, em que o apoio do grupo é cobiçado por quase todos os candidatos, em mais uma prova de sua força, pelo menos 93 deputados pretendem manter o mandato, oito querem vaga no Senado e cinco tentarão vaga nos governos estaduais, mostrando que a aposta do setor na renovação é baixa.

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DEPUTADOS E SENADORES SÃO MEMBROS DO LOBBY

No Senado, dois são produtores rurais, cinco se dizem ligados ao setor, seis serão candidato à reeleição, um está indeciso, um disputará a Presidência (Alvaro Dias, PODE-PR) e um é candidato a governador (Ronaldo Caiado (DEM-GO).

Riqueza. A renda do setor cresceu 13% no ano passado, na maior expansão isolada do Produto Interno Bruto (PIB) de 2017. Na soma de tudo que foi produzido no País – R$ 6,6 trilhões –, o agro contribuiu com R$ 300 bilhões. A casa no Pontão do Lago Sul mantém um time de 16 técnicos, advogados, economistas, agrônomos e jornalistas para acompanhar a agenda do governo e orientar o voto dos parlamentares.

Toda semana a bancada do agronegócio se encontra na casa do Lago Sul

Dida Sampaio / Estadão

“Quando o tema é de interesse do agronegócio, nós vamos pra cima”, diz a presidente da FPA, deputada Tereza Cristina (DEM-MS), que desde fevereiro dirige a frente, nova versão do que foi no Congresso a bancada ruralista. Exercendo forte pressão política, os neorruralistas obtiveram, por exemplo, a redução de alíquotas de 2% para 1,2% do Funrural e o perdão de 100% nas multas e encargos do saldo das dívidas para quem entrou no Refis. Valor da operação: R$ 15 bilhões. A Fazenda protestou, o Planalto vetou, mas a bancada implodiu os vetos em abril.

A influente FPA é mantida pelo Instituto Pensar Agropecuária (IPA), braço institucional do lobby em Brasília, com dinheiro de 39 entidades empresariais do setor. Ao ano, o lobby gasta R$ 2,8 milhões para vigiar o governo e as entranhas do Congresso.

Campanhas

Não há isso (dinheiro para campanhas). Na FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) não há qualquer discussão sobre financiamento de campanha. Não se discute isso.”

Tereza Cristina

DEPUTADA E PRESIDENTE DA FPA

Depois do Funrural, grupo quer mudar licenças ambientais

Depois de passar como um trator sobre os plenários do Congresso no caso do Funrural, a presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputada Tereza Cristina, conta que a pressão dos ruralistas passa a ser igual no debate sobre o licenciamento ambiental, projeto que há anos vaga pelo Legislativo.

Votação da anistia às dívidas do Funrural: lobby agrário aprovou o que quis

Dida Sampaio / Estadão

Na última semana de abril, um novo relator do projeto, deputado Maurício Quintella (PR-AL), que não é da FPA, assumiu a bronca, mas pediu tempo para se entranhar no assunto. Nesse debate, os alvos dos ruralistas, segundo Tereza Cristina, são dois: os órgãos intervenientes, ou seja, patrimônio histórico (Iphan) e Funai, responsáveis, segundo ela, por entraves no avanço da produção rural no País, e a necessidade de transferir competências de ação da área federal para Estados e municípios.

“Nosso foco é o Congresso. Nós atuamos na defesa daquilo que interessa ao setor, que interessa ao País”, pontua o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), um dos novos líderes da FPA. “Não somos governo. O governo vetou o projeto do Funrural; nós derrubamos os vetos”, justifica Melo, explicando os movimentos do lobby do agro na Casa.

Pragmatismo. Coordenador institucional da FPA e vice-presidente da cobiçada Comissão de Agricultura da Câmara, Melo é filho de agricultores e administrador de empresas. “Nós sabemos que, nesses interesses objetivos, a bancada não pode errar”. Segundo ele, o grupo existe para olhar para o Congresso, com uma atuação pragmática.

“Atuamos em setores que têm interface, como estradas, segurança, ciência e tecnologia, telefonia. A bancada do setor não é Platão, é Aristóteles”, diz ele.

Para chegar ao ponto aristotélico, o deputado conta com as chamadas “reuniões de posicionamento” da bancada, que, dependendo do interesse em jogo, podem usar os conhecimentos acumulados nas nove comissões temáticas existentes no casarão do Lago Sul, sede da FPA, em Brasília: defesa sanitária, infraestrutura e logística, política agrícola, meio ambiente, direito de propriedade e minorias, trabalhista, relações internacionais, agricultura familiar, novas fronteiras, além da secretaria-geral, que é tocada pelo deputado Josué Bengtson (PTB-PA).

Toada. Outro antigo conhecedor dos atalhos do agro no Congresso e presença constante na FPA é o deputado federal Nelson Marquezelli (PTB-SP). Em 1986, o petebista foi lançado candidato à Câmara depois de ter sido presidente da Associtrus (Associação Paulista de Citricultures).

Marquezelli passeia em sua fazenda em Pirassununga: parlamentar comanda bancada

Valéria Gonçalves / Estadão

Em 1995, Marquezelli foi o primeiro presidente da Frente Parlamentar da Agricultura, articulação da qual deriva a atual formação dos ruralistas. O deputado diz ter força de mobilização nos bastidores da Casa e garante que conta com uma bancada de mais de 100 parlamentares. “E mais uns 15 que votam com a gente, mas não querem pôr nome em listas.”

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BILHÕES

É o total de perdas que a União pode ter por ano se for obrigada a repassar as compensações pelas perdas com a Lei Kandir aos estados e municípios.

228

É o total de deputados oficialmente (até maio/18) na criação da Frente Parlamentar do Agronegócio (19 estavam afastados, entre eles Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, preso em Curitiba pela Lava Jato.)

‘Frente dá aspecto legal a demandas de setor’, diz presidente

A, deputada Tereza Cristina não gosta da palavra “lobby” para o movimento dos produtores a partir do casarão do Pontão do Lago Sul. Ela prefere dizer que se trata de “uma casa de debate e apoio técnico” aos interesses do campo. Nos EUA, essa atividade foi regulamentada nos anos 40, na esteira da histórica Lei Agrícola (1933), e tem forte presença na condução da legislação rural americana. Nos últimos anos, serve de inspiração para os produtores no Brasil. 

Agrônoma, Tereza Cristina diz que a “FPA segue o viés da iniciativa privada e dá o aspecto legal às demandas do setor”. Para comandar o grupo, ela conta com 17 parlamentares, com funções executivas. Mas os encontros das terças-feiras na casa do Pontão costumam reunir até o triplo desse contingente. Pelo menos 50 parlamentares são assíduos nos encontros semanais.
Novata no exercício de mandato em Brasília, mas experiente na produção rural no Mato Grosso do Sul, com passagem como executiva da Federação da Agricultura do Estado, Tereza Cristina diz que é preciso “acabar com o mito” segundo o qual “o setor do agronegócio é inimigo da sociedade”. Segundo a deputada, o campo está segurando a inflação e a balança comercial no País. “A sociedade deveria gostar mais do agronegócio.”
Tereza Cristina separa a prática política da FPA do Instituto Pensar Agropecuária. “Quem mantém o IPA são as entidades.” Segundo ela, a FPA é um grupo que ganha conhecimento com o debate na casa do Lago Sul, apoiada pelo instituto.

A cúpula da Frente parlamentar da Agropecuária se reúne; o vice Alceu Moreira (esq.) e a presidente Tereza Cristina (centro-esq.) recebem Patrícia Blanco presidente do Instituto Palavra Aberta

Dida Sampaio / Estadão
A origem da organização desse apoio aos parlamentares remonta à Frente Ampla da Agropecuária Brasileira, articulação ruralista pré-Constituinte de 1988, tempos da liderança do ex-deputado federal Alysson Paolinelli, hoje presidente da Abramilho, e do ex-presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras, Roberto Rodrigues.

Afastados. Dos 228 parlamentares que assinaram a criação da Frente em 2015, 19 estavam, em junho, afastados da convivência da FPA ou em cargos nos Executivos. Mas há também casos de parlamentares que enfrentam acusações na Justiça, como o senador Cidinho Santos, um dos líderes na FPA, réu no Supremo tribunal Federal sob a acusação de desvio e apropriação de verbas públicas quando era prefeito de Nova Marilândia (MT). 

Também frequentador da casa do Lago Sul, o deputado Alfredo Kaefer (PP-SC) responde a quatro processos no STF, além do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que em abril teve o gabinete e a casa vasculhados pela Polícia Federal. Há ainda nesse grupo os deputados João Rodrigues (PSD-SC) e Celso Jacob (MDB-RJ), que foram presos, e, desde 29 de maio, o deputado Nelson Meurer (PP-PR), condenado pela Justiça por corrupção. Todos alegam inocência.

Bancada se espalha em pontos-chave da Câmara

Apesar dos desfalques, um levantamento do Instituto Pensar Agropecuária sobre a participação dos parlamentares do setor na Câmara mostra que a presença da bancada do agro é forte e constante em diversas comissões temáticas do Legislativo. O balanço de 2017 revela que na poderosa Comissão de Agricultura (CAPADR), um dos principais alvos do setor, dos 82 integrantes, a FPA tem 68. Em 9 de maio, o deputado Roberto Balestra (PP-GO), um dos líderes da FPA, foi eleito presidente para substituir o ruralista Dilceu Sperafico (PP-PR), que se licenciou.
Na Comissão de Meio Ambiente (CMADS), igualmente foco da bancada, dos 36 deputados, 19 integram a FPA. O quadro aponta ainda que pelo menos outras três Comissões consideradas chave atraem a atenção: a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), na qual a FPA têm 57 dos 132 membros; a Comissão do Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP), com 26 dos 52 integrantes, e a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF): dos 108 integrantes, 43 são da FPA.
 

Com o fim dos governos petistas, quando a FPA demonstrou força na militância em favor do impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff (PT), a bancada ruralista virou farol para outros setores. Segundo a presidente da bancada, a deputada Tereza Cristina a FPA é considerada modelo de organização. “Gente de outros setores, como o comércio, já nos procuram para ver nosso funcionamento.”

Um dos mais ferrenhos líderes da FPA, ex-presidente da articulação, o deputado Valdir Colatto (MDB-SC), calculava que “a linha de frente de parlamentares tem 10% da Câmara e 10% do Senado”. Colatto disse ao Estado que não acredita muito em renovação dos parlamentares do agro na eleição de outubro. “A pesquisa eleitoral está dizendo que quem vai ser eleito serão as pessoas apoiadas por setores, não por partidos, pelo desgaste dos partidos. Serão eleitos pelas bandeiras que elas levantam.”

Bandeiras

A pesquisa eleitoral está dizendo que quem vai ser eleito neste ano serão as pessoas apoiadas por setores, não por partidos, pelo desgaste dos partidos. Serão eleitos pelas bandeiras que elas levantam.”

Valdir Colatto

DEPUTADO DO MDB-SC E EX-PRESIDENTE DA FPA

Neste ano, a ordem na bancada do agro no primeiro semestre foi de apertar os controles. Na reunião-almoço da terça-feira 22 de maio, por exemplo, o time do agro tinha três assuntos à mesa: a tramitação do projeto dos Defensivos Fitossanitários, que a oposição tachou de “Lei do Veneno”, o licenciamento ambiental e os custos do Funrural.

Uma semana antes, quem entrou na lupa do lobby foi o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab. Ele havia sido convidado para dar conta da chegada da “internet no campo” por meio do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), lançado em maio de 2017, em Kourou, na Guiana, e já em vias de fornecer dados de interesse econômico.

Objetivos

Previdência

Bancada apoia a reforma da Previdência.

Ambiente

Mudar o licenciamento ambiental, tirando da União e repassando a responsabilidade aos estados e Municípios.

Cargos

Quer indicar direções da Funai e do Ibama.

Defensivos

Quer aprovar a lei sobre os agrotóxicos.

Lei Kandir

Quer obrigar a União a pagar compensações a Estados e Municípios.

Merenda

Quer acabar com prioridade de compra de alimentos para merenda escolar vindos de assentamentos de sem-terra e de comunidades indígenas e quilombolas.

Petista diz que não frequenta o lobby

Embora sejam encontrados nomes de parlamentares do campo da esquerda na lista de criação da FPA, como Pedro Uczai (PT-SC), Vicente Cândido (PT-SP) e Assis do Couto (PDT-PR), Ságuas Moraes (PT-MS) e Sibá Machado (PT-AC), esses parlamentares não costumam frequentar a casa do IPA. E, no rol da Frente, não há ninguém do Psol, partido adotado nesta campanha presidencial pelo líder do MTST, Guilherme Boulos, pré-candidato ao Planalto, nem Rede de Miro Teixeira (RJ). O PCdoB assinou, mas é também um dos que não quer mais saber da bancada. “Não faço parte. A gente diz que integra quando participa das reuniões”, explica Jô Moraes (PCdoB-MG).

Ainda entre os deputados do campo da esquerda, dois dos seis petistas da lista original da FPA aceitaram responder sobre a presença na articulação. O deputado Leonardo Monteiro (PT-MG) admite que é da FPA, mas não se considera da bancada ruralista. “Eu sou de um região de agricultura e agropecuária. Acho importante para o desenvolvimento e renda”, afirma. Para Ságuas Moraes (PT-MT), que também nega fazer parte da bancada ruralista, a inscrição na FPA “foi para” ajudar.

Para o deputado Pedro Uczai (PT-SC), que têm o nome na lista de apoiadores, mas não frequenta o casarão do Lago Sul, os membros da FPA “advogam em causa própria, como no caso da derrubada dos vetos do Funrural”, afirma. Segundo ele, um grupo de pelo menos 52 deputados se beneficiou do perdão e renegociação das dívidas do Funrural. “Eu tenho divergência com eles, não sou bem-vindo lá e não participo”, completa.

Mas Uczai reconhece que o lobby do agro no Congresso “é competente”. De acordo com ele, a bancada é composta de parlamentares “corporativos e que têm recursos”. Mas Uczai faz uma ressalva: “O problema não são eles serem organizados”, argumenta. “Eu próprio assinei a constituição da FPA porque acho que a criação é democrática”, declara. “O problema somos nós, que temos de nos organizar também.” Ele acrescenta que é integrante de outra frente, a Frente Parlamentar da Agricultura Familiar.

Lista de Deputados

Filtre os congressistas-servidores por partido, estado ou pesquise pelo nome de urna. As colunas indicam a quais bancadas pertencem cada um dos lobistas

EDIÇÃO: Eduardo Kattah, Marcelo Godoy e Murilo Rodrigues Alves / TEXTOS E REPORTAGEM: Adriana Fernandes, Idiana Tomazelli, Marcelo Godoy, Pablo Pereira, Renan Truffi e Renata Agostini / ESPECIAL PARA O ESTADO: Paulo Oliveira, Neila Almeida / FOTOGRAFIA: Dida Sampaio, Helvio Romero, Fabio Motta, Valeria Gonçalvez, André Dusek, Beto Barata, João Ricardo, Luís Macedo, Câmara Federal, Senado Federal e Reuters / INFOGRAFIA: Bruno Ponceano e Gisele Oliveira / DESENVOLVIMENTO E ORGANIZAÇÃO DE DADOS: Augusto Conconi / DIRETOR DE ARTE: Fabio Sales / EDITORA DE INFOGRAFIA: Regina Elisabeth Silva / EDITOR ASSISTENTE DE INFOGRAFIA: Vinicius Sueiro / CAPTURA DE VÍDEO: Amanda Alves e Helvio Romero / EDIÇÃO DE VÍDEO: Luciana Constantino, Amanda Alves e Bruno Nogueirão / REPORTAGEM EM VÍDEO: Idiana Tomazelli e Marcelo Godoy