O ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez (D) e o então Ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Nicolás Maduro, participam de evento sobre mudança climática na Bolívia, em 2010. (DAVID MERCADO / REUTERS)

Oposição acusa Maduro de manobrar para evitar derrota

Duas preocupações principais pairam sobre as eleições parlamentares marcadas para 6 de dezembro, que deve definir os 167 deputados da Assembleia Nacional, a sede unicameral do Legislativo do país: a falta de observação internacional oficial e o redesenho dos distritos eleitorais que o governo chavista vem empreendendo nos últimos meses.

Leia também:DIÁRIO DE CARACAS:retratos da crise Pressionado por uma profunda crise econômica, na qual a inflação anual ameaça romper a barreira dos 300%, o grave desabastecimento de bens e produtos e um dos mais altos índices de criminalidade do mundo, o regime de Nicolás Maduro – herdeiro político de Hugo Chávez – amarga uma rejeição crescente, de acordo com a maior parte das pesquisas feitas na Venezuela. Caso essas prévias se confirmem, o chavismo perderá o controle do Legislativo pela primeira vez desde a promulgação da Constituição de 1999. A maioria confortável conquistada nas últimas três eleições permitiram que Chávez e Maduro obtivessem, por exemplo, a permissão de governar por decretos, sob o instrumento de Leis Habilitantes.

Em geral, as empresas de pesquisas – cuja confiabilidade o governo põe em dúvida – indicam que entre 60% e 65% dos eleitores estão inclinados em votar pelos candidatos da oposicionista Mesa da Unidade Democrática (MUD). Na última eleição no país, em abril de 2013, logo depois de morte de Chávez, o candidato presidencia da MUD, Henrique Capriles, esteve a menos de 1 ponto porcentual da vitória. Mesmo em meio a comoção causada pelo desaparecimento do líder bolivariano, 40 dias antes, Maduro se elegeu com escassos 50,61% dos votos.

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A eleição parlamentar, no entanto, é disputada em distritos. Assim, obter o maior número de votos em termos nacionais não assegura a vitória. “O Conselho Nacional Eleitoral (CNE, principal ente eleitoral do país) continua mantendo uma face institucional e segue com seu cronograma, mas a arbitrariedade e o voluntarismo é o mesmo das outras eleições”, declarou ao Estado a ex-presidente do Tribunal Supremo de Justiça (1996-2000) Cecilia Sosa. “O CNE disse não à obervação eleitoral independente de maneira contundente e o Registro Eleitoral apresenta movimentos não habituais para alcançar, segundo alguns dados, 1,2 milhão de pessoas, 6,1% do total de votantes, realojados em Estados, municípios e distritos eleitorais no interior de redutos governistas.”

Na prática, o mapa eleitoral ganha contornos que permitem, por exemplo, dividir distritos onde os governistas têm mais votos e unificar aqueles onde a oposição é favorita. O governo se defende das acusações dos opositores sob o argumento de que a Constituição prevê o ajuste da geografia eleitoral de acordo com recenseamentos recentes, para garantir a proporção da representatividade.

“É preciso lembrar que eleições distritais como são as parlamentares sofrem grande influência da representatividade das forças políticas. O novo desenho criou 1.012 centros eleitorais, dos quais 673 estão localizados em comunas, edificações não concluídas da Misión Vivienda (o programa habitacional do governo chavista) e terrenos invadidos sob o controle do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (Psuv)”, prosseguiu a jurista. “Outro fato que está presente nestas eleições é que a mutilação do registro eleitoral tem como consequência que seis Estados que representam 52% dos eleitores elegeram 64 deputados, enquanto 18 Estados, que abrangem os restantes 48%, elegerão mais de 100 parlamentares.”

Galeria: Opositores

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As eleições de dezembro também devem ser as primeiras desde a chegada de Chávez ao poder, em 1998, que não terão uma observação independente. “À Venezuela ninguém monitora”, declarou Maduro há três semanas ao rejeitar a oferta da União Europeia e da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a observação do processo eleitoral. Em declarações posteriores, o presidente venezuelano deu a entender que aceitaria a observação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), que, no entanto, desperta a desconfiança da oposição. Principal observador de eleições anteriores, o Centro Carter anunciou no começo do mês que se retiraria da Venezuela para dedicar suas atividades “em nações onde o trabalho da entidade será mais útil”.

“Seria importante para todos os venezuelanos que uma organização como a OEA garantisse de maneira fidedigna o resultado eleitoral de modo a evitar qualquer conflito posterior”, declarou o secretário-geral da entidade regional, o ex-chanceler uruguaio Luis Almagro em entrevista à revista colombiana Semana. “Queremos que a próxima eleição na Venezuela não tenha as características das duas últimas, quando venezuelanos de ambos os lados morreram no período pós-eleitoral.”

Linha do tempo: 2 anos sem Chávez


ENTREVISTA: HENRIQUE CAPRILES

'Venezuela caminha para a explosão'

Um dos principais nomes da oposição venezuelana, Henrique Capriles, governador do Estado de Miranda, na região metropolitana de Caracas, ameaçou a vitória eleitoral do chavista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) em duas eleições presidenciais do país, em 2012 e 2013. Na última, pouco mais de um mês após a morte de Hugo Chávez, obteve 49,1% dos votos e contestou o resultado oficial que deu a vitória a Nicolás Maduro. Capriles, de 43 anos, recebeu o Estado na sede de seu comando de campanha. Ele expôs as diferenças com os demais integrantes da coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD), acusou Maduro de causar a crise com a Colômbia para desviar atenção de problemas econômicos e pediu ao Brasil que pressione o chavismo a aceitar observação internacional na eleição parlamentar de 6 de dezembro.

O sr. esteve perto da presidência por duas vezes e está agora em posição de tentar mais uma vez. Como o sr. se vê no futuro da Venezuela?

Primeiro, da primeira vez não conseguimos. Contra Chávez, que ganhou a eleição. Veja, essa eleição contra Chávez foi uma eleição mais que difícil. Tínhamos a doença de Chávez, ainda que Chávez tivesse dito que estava recuperado. Mas nunca na história da Venezuela o gasto público tinha alcançado as cifras que Chávez gastou para poder se eleger. Foram US$ 60 bilhões naquele ano. Só na campanha eleitoral foram US$ 12 bilhões. Nem em uma campanha pela presidência dos EUA se gasta tanto dinheiro como gastou Chávez para essa eleição. Há uma carta onde o ex-ministro (do Planejamento, Jorge) Giordani critica o esforço que tiveram de fazer e relata como endividaram o país para ganhar a eleição de 7 de outubro de 2012. Mas, contra Maduro, a questão era outra. Maduro não ganhou a eleição. Você pode dizer "mas ele está exercendo a presidência". Sim, está. Mas exerce o poder sobre a base do controle institucional que construíram sobre o país para manter a presidência. Como se sabe, a eleição (de 2013) terminou nas instâncias internacionais. A mim não foi possível ante os tribunais e o Poder Eleitoral fazer uma auditoria e terminamos nas cortes internacionais. No entanto, sabemos como atuam as instâncias internacionais nesses casos. Não fizeram nada.

O líder opositor venezuelano Henrique Capriles vota na eleição presidencial de 2013, na qual foi derrotado por Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez. (TOMAS BRAVO/REUTERS)

Ainda considera que houve fraude?

Estou neste momento escrevendo um livro para narrar o que ocorreu neste dia (da eleição) porque muitos quiseram especular. Perguntam por que não saí para defender os resultados. Por que não insisti. Fiz uma escolha: era uma guerra civil ou esperar. Escolhi esperar. Foi a decisão que tomei. Como líder. E aí te respondo: Decidi esperar. Que significa esperar? Esperar sobre a base de que quero abrir as portas do futuro ao país. Importante: se decidisse ir à guerra, seria ir à guerra para perdê-la.

Parte dos integrantes da coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) criticou sua posição...

Houve quem tentasse ocupar espaços questionando nossa posição - com a qual no primeiro momento muitos estiveram de acordo. E depois trataram de redesenhar qual foi a situação naqueles momentos. Ocupar espaços sobre a base de mostrar que eles são os valentes e nós somos os pacientes.

Refere-se ao La Salida (movimento liderado principalmente pelo partido Vontade Popular, de Leopoldo López, no qual manifestantes exigiam a derrubada ou a renúncia de Maduro em fevereiro de 2014, que terminou com 43 mortos)?

Sim. Sim. Isso que está aí. Afinal, o tempo nos deu razão. Hoje, os que promoviam essa política que fracassou, e sabiam que iam fracassar, são candidatos à Assembleia Nacional. Que bom que mudaram de atitude.

O sr. considera que a posição menos radical lhe deu mais espaço político entre os eleitores, incluindo os chavistas?

Se eu tivesse escolhido a guerra, hoje a oposição estaria enterrada. Sabe por quê? Porque Hugo Chávez e o governo durante anos tiveram como símbolo o 11 de abril de 2002, quando se tentou o golpe de Estado. Há anos utilizam esse símbolo sobre a base da ideia de que a oposição é violenta, que a oposição é impiedosa. Não é uma questão entre moderados e radicais. A palavra "moderado" soa como conservador. Não somos conservadores. Mas eu fiz minhas escolhas. Teríamos de perguntar a Simón Bolívar quantas vezes teve de retroceder até que pudesse avançar. A política às vezes não é só avançar. Quando te falo da decisão que tomamos e por que, é porque decidimos construir uma maioria antes de avançar. E é importante construir uma maioria real. Quando se analisa o resultado eleitoral de 2012, constata-se que votaram em mim milhões de pobres. E quando se vê os protestos de 2014, você vê que havia muita gente, mas não estavam lá os pobres. Ali não havia gente pobre. É preciso refletir e perguntar-se por que esses protestos não trouxeram os pobres. Quando se tem um compromisso. Quando se vê a composição social da Venezuela e se observa que a grande maioria é de pobres, e você não entende isso, você nunca vai ter uma maioria. É preciso apresentar um projeto que seja útil, que envolva e apaixone a gente das classes mais baixas, dos setores populares. Foi o caminho que eu escolhi. Organizar uma maioria, mas uma maioria policlassista. Se você convoca uma marcha e nessa marcha só vê gente de uma classe social, não conseguirá convencer nem conquistar a maioria. Acaba sendo algo artificial.

Quais são suas propostas para conquistar essa maioria?

Veja, nesses 7 milhões e 400 mil votos que tive, quase 1 milhão de eleitores que sempre votaram em Hugo Chávez votaram em Capriles. Deve significar que acreditam que tenho capacidade, como líder, de melhorar suas vidas. Desses eleitores, quantos podemos chamar de pobres: 5 milhões, 6 milhões. Que o chavismo, o PSUV, não são eles os únicos que podem falar com os pobres, que representam os pobres. Quando estivemos cara a cara, de acordo com os resultados oficiais, tivemos a diferença de 200 mil votos. Que são 200 mil votos?

Como o sr. vê a situação dessa faixa da população hoje?

A Venezuela é um país em situação de destruição. Sinto dor ao ver o que acontece em meu país. Sou um apaixonado pela Venezuela. Tenho 43 anos. Minha vida poderia ser diferente, poderia descansar um pouco, casar, ter filhos. Mas penso muito no meu país, sou um apaixonado por ele. E me causa dor ver o que acontece. Aqui não há um problema de esquerda ou de direita. O problema da Venezuela não é ideológico. O problema da Venezuela é de uma facção política que só se interessa por permanecer no poder ao custo da destruição do país. Não tenho a visão de ser um novo caudilho nem um líder messiânico, mas alguém com uma missão de que a política deve ser a construção de todos. Não me tome como direitista. Sou promotor do modelo progressista. Creio que o Estado tem de garantir o mínimo fundamental a seus cidadãos, como saúde, educação e habitação. Não há forma de conseguir o progresso se o Estado não garantir a oportunidade para todos. Mas aqui na Venezuela, o Estado se apoderou de tudo: tornou-se dono de indústrias, armazéns, comércios e cresceu, cresceu. O esforço privado foi cada vez mais se reduzindo, a ponto de termos empresários ricos com empresas quebradas. Um setor que deveria também ter sua responsabilidade no processo de reduzir a pobreza.

Essa posição é compartilhada por seus aliados da MUD?

Fora da Venezuela, tem-se a impressão de que há uma oposição que tem muito poder de mídia, muito poder de comunicação. Pois te digo, estou censurado aqui. Pergunte aos jornalistas daqui quanta informação minha sai nas televisões privadas. Zero. E quanto sai dos "salidistas"? Todo o tempo. E ao governo também interessa que aquela seja a cara da oposição. Há companheiros presos, não estou de acordo com isso, estamos lutando pela liberdade deles. Mas, importante, pensamos diferente. Estão presos injustamente porque não estar de acordo com determinada política não é um delito. Agora, nosso plano político para o país é diferente. Há unidade, claro, para irmos a eleições, mas a forma de pensar o país não é igual. No exterior, no Brasil, em toda parte, o que se vê é "bem, essa é a mesa da oposição que é homogênea na Venezuela". Não é certo. O único que temos como coincidência é que é preciso unir o país.

VÍDEO TV Estadão

O sr. enxerga virtudes no governo chavista?

A situação de pobreza foi o que levou Hugo Chávez aonde o levou. Ele foi a consequência de um modelo que entrou em colapso. E Hugo Chávez chegou ao poder com a promessa de promover a justiça social que, hoje, lamentavelmente, se acabou. Tudo o que foi a revolução bolivariana, que perdurou por um tempo, se acabou. Hoje temos a mesma situação de pobreza de quando Chávez chegou ao poder.

Que soluções o sr. propõe para um país como a Venezuela, que praticamente tem no petróleo a única fonte de receita?

A verdade é que nem do petróleo vivemos mais. O que precisamos desenvolver na Venezuela é confiança. Sem isso, não poderemos atrair investimentos para fazer crescer a economia. A renda do petróleo é insuficiente. Se não rompermos esse modelo, o país caminhará para a explosão social. O que vivemos hoje é a situação de um paciente que está na UTI e o governo lhe dá uma bolsa de água quente. Agora, eu pergunto, Maduro não estará buscando uma explosão? Para um autogolpe, para um cenário de ruptura? Quem sabe? Quando olhamos a situação friamente, o petróleo está em US$ 35 (por barril). Quando cai a renda do petróleo, há menos dólares para comprar alimentos. Quase todo alimento que consumimos, importamos. Quando se olha a condição para um novo endividamento, praticamente se torna inviável. Ninguém nos emprestará dinheiro. Os chineses têm dinheiro, mas os chineses não são bobos. Eles não dão dinheiro.

A tentativa de erradicar o contrabando de produtos na fronteira da Colômbia pode trazer resultado?

Caminhamos para uma explosão social e o governo faz o quê? Trata de desviar atenção com um conflito na fronteira com a Colômbia. Há duas semanas, era pelo Essequibo. Agora, com a Colômbia. Quanto tempo demora para resolver a crise na fronteira? Três dias, duas semanas, mais uma semana? E quando vai tratar da economia? Quando vai se ocupar dos problemas econômicos? Maduro está tornando inviável o próprio governo. Apesar do problema de origem que tem o governo, compete a ele tomar as decisões. Nem estou falando da classe média. Falo dos pobres. Porque quando te afeta, quando baixam os subsídios, quando você tenta comprar comida e não consegue, o que fica? O que resta às pessoas? Explosão. Maduro caminha para isso. Você quer que eu te diga qual a solução agora? Eu não sei. Neste nosso quadro, para estabilizar a economia, teríamos de ter o petróleo a US$ 100, ou mais. E isso não vai acontecer nos próximos anos.

Que previsão o sr. faria para a economia, caso se confirmem as previsões de que o preço do petróleo deve cair para perto de US$ 20 por barril?

Insisto, a Venezuela caminha para uma explosão. Você tem visto as filas que há para comprar comida. Não estamos falando de campanhas midiáticas ou coisas imaginárias. Esconder as filas nos porões dos mercados, para que não saia nas emissoras internacionais, não resolve a situação. O que causa a falta de medicamentos, por exemplo? Quando falta algum item alimentar, por exemplo, há paliativos. Se falta pão, compra-se algo como biscoito. Come-se outra coisa. Mas quando falta remédio, há desespero. O que se faz quando falta medicamento? Toma-se um chazinho? E amanhã? Outro chá? E o desespero gera tensão. E quando a tensão não se dissipa, vem a explosão.

Que papel o sr. crê que o Brasil deve exercer nesta crise?

O Brasil tem sua crise política interna, eu sei, mas o Brasil tem responsabilidade, tem peso na região. Não pode fazer vista grossa. Peço muito respeitosamente ao governo brasileiro e reitero a mensagem: uma explosão social na Venezuela pode ter repercussões no Brasil. Pode se tornar uma espiral muito perigosa e um desastre para toda a região. O Brasil não pode ser indiferente a tudo o que ocorre na Venezuela, não pode se restringir a uma declaração simplesmente. O chanceler Mauro (Vieira) esteve aqui com outros chanceleres da região para promover o diálogo, saudamos isso. Mas o governo de Maduro insiste por exemplo em rejeitar a observação internacional para as eleições de 6 de dezembro. O Brasil não pode permanecer indiferente a essa situação. Eu tinha uma viagem marcada para os próximos dias para o Brasil, mas sabemos o calor da situação política brasileira e preferi adiar, pois não quero me meter na política interna do país. Nem peço que o Brasil interfira na política interna da Venezuela. Entendo que a presidente Dilma tenha seus problemas, mas o Brasil tem canais diretos com o governo de Maduro e tem de dizer a ele que é preciso facilitar a observação internacional das eleições. Sinto que há muito silêncio, muita indiferença, muito não querer ver. Algo como quando se fala de Venezuela, alguém desconversa: “Bem, tratemos de outro tema”.


Análise: Candidatos venezuelanos barrados

— William Neuman

Jornalista/The New York Times

Quando venceu a eleição primária para disputar uma vaga na Assembleia Nacional da Venezuela, Enzo Scarano esperava ser parte de uma onda que permitiria à oposição conquistar uma maioria no Legislativo, alterando o equilíbrio político no país.

Mas quando o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) o privou do direito de assumir um cargo público, arruinando sua candidatura, ele se viu preso a outro tipo de onda, ou seja, de medidas do governo destinadas a enfraquecer os opositores antes das eleições parlamentares marcadas para dezembro.

"Foi uma mensagem à população venezuelana: 'veja, fazemos o que desejamos'", disse Scarano sobre a medida para impedir que ele e outros oito conhecidos políticos disputem a eleição. Na sua opinião, o objetivo é "desencorajar as pessoas de votar e criar um conflito interno" dentro da coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD).

Scarano, de 52 anos, que durante uma década foi prefeito em sua cidade, dominada pela oposição, transformou-se numa figura nacional no ano passado quando foi preso e removido do cargo acusado de não ter contido os protestos contra o governo do presidente Nicolás Maduro.

Sua sentença de 10 anos e 6 meses de prisão foi extinta em fevereiro. Em maio, saiu vitorioso na eleição primária e se tornaria o candidato da oposição ao Legislativo local. Mas, decidiu que ele está impedido de assumir um cargo público por um ano, pois atrasara a entrega de sua declaração financeira exigida para todas as autoridades públicas depois que deixam o cargo.

Scarano disse ter fornecido os documentos a tempo - a disputa envolve a data em que ele foi oficialmente destituído do cargo pelo tribunal. Mas mesmo que tenha perdido o prazo por pouco menos de três semanas, como afirma o CNE, Scarano alega que deveria ser multado e não perder seu direito de disputar a eleição.

Mais casos. Nas últimas semanas o governo adotou medidas similares, decidindo que outros oito políticos ou ativistas de oposição são inelegíveis por pelo menos um ano, eliminando-os das próximas eleições. A lista inclui Leopoldo López, preso desde fevereiro de 2014, acusado de incitação à violência durante as manifestações do ano passado contra o governo, e a ex-deputada María Corina Machado.

Um dos ministros do CNE, Manuel Galindo, rejeitou as críticas, afirmando num discurso que o conselho "não faz perseguição políticas de ninguém. Está simplesmente encarregado de salvaguardar a propriedade pública".

A Venezuela está mergulhada numa crise econômica a ponto de muitos especialistas preverem que, pela primeira vez em anos, a oposição poderá conquistar uma importante vitória nas urnas. O governo não tem revelado nem mesmo dados econômicos mais básicos desde o ano passado, mas economistas calculam que a inflação anual seja bem maior do que 100%. A previsão do Fundo Monetário Internacional é de que a economia este ano encolherá 7%, recessão causada em parte pela drástica queda do preço do petróleo, principal produto de exportação da Venezuela.

Há uma escassez de produtos de primeira necessidade: em um supermercado num shopping, onde se encontra também o gabinete do prefeito de San Diego, cidade com 157 mil habitantes, não havia arroz, feijão, ovos, açúcar, farinha, óleo e outros produtos. Nicolás Maduro, cujo movimento se vangloria de uma série de vitórias eleitorais quase ininterruptas desde 1998, acusa os inimigos, incluindo os Estados Unidos, de travarem uma guerra econômica para derrubar seu governo. Mas muitos economistas afirmam que as políticas adotadas pelo governo são a causa da crise, apontando para os rígidos controles de preços e das divisas estrangeiras, o enorme aumento da base monetária e a imensa despesa para financiar o déficit público.

Mudança. Com os venezuelanos enfrentando filas nas lojas de alimentos, preços cada vez mais altos, crimes violentos e corrupção generalizada, os eleitores podem estar dispostos a punir o governo e dar à oposição uma maioria na Assembleia Nacional, pela primeira vez desde que Hugo Chávez se elegeu, em 1999. Isso vai alterar o equilíbrio de poder num país onde o partido de Maduro tem controle de todas as áreas, incluindo a presidência, o Legislativo, os tribunais, o Exército e as autoridades eleitorais.

Muitos partidos de oposição concordaram com uma chapa única de candidatos sob a MUD, como ocorreu na recente eleição presidencial.

As autoridades do governo frequentemente destacam os sinais de fraqueza da coalizão e as recentes medidas parecem ter como finalidade acentuar as divisões internas. Scarano era candidato por um distrito esmagadoramente favorável à oposição, portanto, removê-lo da disputa não será tão vantajoso para o governo na eleição. Mas é uma figura popular que aspira a disputar as eleições para governador ou mesmo presidente atraindo um eleitorado nacional mais amplo.

Somente 40% dos candidatos da oposição à Assembleia Nacional, de 167 assentos, foram escolhidos em eleições primárias e depois de semanas de negociações quase sempre tensas para a coalizão chegar a um acordo no sentido de uma chapa única de candidatos, em parte porque cada partido queria aumentar o máximo possível o número de seus indicados. Assim, ao impedir alguns candidatos de concorrer, o governo cria potencial para novas divisões dentro da coalizão.

Foi o que ocorreu depois de o CNE declarar Corina Machado inelegível para cargos públicos por contradições encontradas em sua declaração financeira que, segundo Galindo, não incluiu a renda dos cupons de alimentação do governo que faziam parte da remuneração recebida por ela quando deputada.

Corina Machado queria indicar o candidato que a substituiria, mas a coalizão argumentou que, com base nas regras, um outro candidato deveria ser designado. A chapa dos candidatos da coalizão foi contestada primeiramente quando o CNE declarou que pelo menos 40% dos candidatos de um partido deveriam ser mulheres - medida que alguns entenderam como uma tentativa para forçar a coalizão a rever sua lista e realizar mais uma rodada de negociações internas.

Foi também o caso depois de a Suprema Corte venezuelana remover, no mês passado, a liderança do partido de centro-direita Copei e escolher os novos líderes. O Copei é um membro crucial da MUD, mas, depois da mudança imposta pelo tribunal, membros da coalizão disseram que não trabalhariam com um partido cuja liderança foi escolhida pelo governo e substituíram os 27 candidatos do Copei na chapa.

Apesar dos sinais de uma pressão cada vez maior sobre a oposição, este mês foram libertados dois importantes críticos do governo: Daniel Ceballos, ex-prefeito preso com base em acusações relacionadas aos protestos que ocorreram no ano passado, foi transferido para prisão domiciliar. Raúl Baduel, ex-ministro da Defesa e também forte crítico do governo, passou mais de 6 anos preso, condenado por corrupção. Está em liberdade condicional. Mas, segundo analistas, a libertação de ambos pode ser uma tentativa de enfraquecer suas posições, já que as prisões despertaram atenção internacional. Ceballos é um dos políticos impedidos de disputar cargo.

O governo criou obstáculos não só para a oposição tradicional, mas também para um grupo que surgiu recentemente na esquerda. Em maio, o CNE não autorizou um grupo dissidente que se separou do Partido Socialista Unido da Venezuela, de Maduro, a se registrar como partido político. Candidatos desse grupo, chamado Maré Socialista, deverão disputar a eleição na chapa de outros pequenos partidos.

Nicmer Evans, líder da Maré Socialista, acusou governo e oposição de desejarem manter seu grupo fora da votação e disse que é visto como ameaça por ambos. Ele também criticou "os obstáculos e ações arbitrárias" das autoridades eleitorais, afirmando que "estamos lutando para vencer todas essas tentativas de nos excluir politicamente".

/ TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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