Roberto Lameirinhas, enviado especial a Caracas

O leite em pó acabou, há pouca farinha de milho e itens como lava-louças e creme dental só são encontrados no mercado negro. Faltam peças de reposição para automóveis e os medicamentos são escassos – assim como parece estar a paciência dos venezuelanos com o regime que escolheram há quase 17 anos e sustentavam com entusiasmo quase religioso.

Leia também:DIÁRIO DE CARACAS:retratos da crise Juan, o imigrante espanhol que prosperou com a pequena tasca na travessa conhecida como “Calejón de la Puñalada” em Sabana Grande – pai de um destacado funcionário do Estado –, se dá por vencido: “Acabou a cerveja, tenho de fechar e estou raivoso por isso. Não há mais como suportar”.

Trabalhadores da estatal venezuelana de petróleo PDVSA participam de uma marcha em Caracas, em março, contra o imperialismo e em defesa do presidente Nicolás Maduro. CARLOS GARCIA RAWLINS/REUTERS

A revolução que nasceu de um movimento cívico-militar para sepultar a “velha política das oligarquias da Venezuela” agoniza sob o peso de seu próprio modelo centralista, já sem o oxigênio da renda do petróleo que durante anos serviu de base para reduzir significativamente a desigualdade social do país.

Sob uma inflação galopante que caminha para níveis insuportáveis, consequência dos danos causados pela política monetária totalmente submetida à vontade do Estado, e um índice de criminalidade que atinge nível de epidemia, o regime chavista se debate para evitar a perda do controle do Poder Legislativo nas eleições de 6 de dezembro – a mesma data em que, em 1998, Chávez conquistou seu primeiro mandato presidencial.

O herdeiro do movimento, Nicolás Maduro, tenta mover suas peças. Acusa a oposição de promover uma “guerra econômica” contra seu governo, ocupa instalações privadas num esforço de garantir produção e distribuição de alimentos e outros produtos e elege inimigos externos como a Colômbia, a qual responsabiliza por parte da escassez em seu país e por ataque à moeda venezuelana, e a Guiana, com a qual disputa a região do Essequibo, rica em petróleo. Adicionalmente, contrariando a praxe de todas as eleições venezuelanas anteriores, tem buscado dificultar que organismos independentes monitorem a eleição.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, fez um gesto de carinho durante encontro com estudantes no Palácio Miraflores. CARLOS GARCIA RAWLINS/REUTERS

Até a morte de seu líder máximo, de câncer, em março de 2013, a revolução bolivariana obteve êxitos inegáveis: atenuou a situação de miséria extrema de mais da metade da população de mais de 30 milhões de pessoas, erradicou o analfabetismo e levou o Estado até os “barrios”, oferecendo assistência médica básica e educação fundamental às favelas até então desassistidas. Nesse meio tempo, resistiu a uma desastrada tentativa de golpe de Estado, a um locaute que reduziu em um terço a capacidade do país de extrair e exportar petróleo e a um referendo pelo qual a oposição tentou revogar seu mandato.

Mas cobrou seu preço: governou por meio de decretos, pôs fim à independência dos poderes, aparelhou instituições, pôs fim ao limite de reeleições sucessivas, promoveu a perseguição judicial de opositores e, principalmente, abriu guerra contra a mídia privada independente. Não renovou a concessão da maior emissora de TV do país e, por meio de métodos de intimidação, silenciou os demais canais críticos ao governo. Nos últimos anos, veículos de comunicação que mantinham posição independente, acabaram em mãos de empresários menos críticos em relação ao chavismo.

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