Os bastidores da tragédia

Negligência das autoridades
aumenta o desastre

O portão do estádio que dava acesso ao campo estava fechado com chaves e ninguém conseguia encontrá-las, os rádios dos diferentes grupos policiais não estavam na mesma frequência e o chefe da polícia tinha tirado férias naqueles dias.

Se os torcedores do Liverpool foram os grandes responsáveis pela violência, a realidade é que o despreparo total da Uefa e das autoridades belgas permitiu as mortes. “O desastre ocorreu porque um sucessão de fatores levou a isso”, contou Alain Courtois, vice-prefeito de Bruxelas e na época o procurador belga que estava no estádio.

Os problemas começaram quando a chefia da polícia decidiu que tiraria alguns dias de férias, depois de ter comandado o esquema de segurança para a visita do Papa João Paulo II, dias antes do jogo à Bruxelas. O segundo problema foi o fato de que os dirigentes esportivos consideravam que a final seria apenas “um jogo normal”. “Não houve uma separação das torcidas”, admitiu o vice-prefeito. Para completar, a primavera europeia contribuiu, garantindo um raro dia de sol e calor na Bélgica. “A venda de bebida explodiu e as pessoas chegaram totalmente bêbadas ao estádio”, contou Courtois.

Nicolas Ribaudo, repórter que acompanhou o caso durante anos, também aponta para outro fator : a guerra interna que existia entre as autoridades sobre o controle sobre o evento.O resultado dessa guerra foi uma total falta de coordenação na preparação. Um dos portões que poderiam dar saída aos torcedores asfixiados estava trancado e um bom tempo foi necessário para que os policiais encontrassem a chave certa. Quem conseguiu pular a cerca era alvo de um ataque da polícia. “Eles foram jogados de volta para a morte”, acusou François Collins, jornalista que acompanhou de perto aquele instante. “Os policiais tinham ordens para não deixar que ninguém invadisse o campo”, afirmou.

Mas o desastre também é uma história de negligência. Obras estavam ocorrendo no estádio e, antes da partida, a decisão da federação foi esconder materiais atrás de uma das arquibancadas, justamente a que seria palco das mortes. Quando a violência começou, os torcedores tiveram amplo acesso a um verdadeiro arsenal. O despreparo era total. Numa era na qual ainda não existiam telefones sem celulares, a federação belga nem sequer tinha telefones fixos à sua disposição no estádio. “Um dos dirigentes veio até a sala de imprensa e me pediu para usar o telefone de nosso jornal”, contou Collins. “Não estávamos preparados nem para o jogo nem para a tragédia”, admitiu Courtois. François Collins confirmou. “Ninguém jamais pensou que o estádio se transformaria em um cemitério”.

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