Misha, o bi olímpico e algo que não anda bem (1980-1990)
Mesmo sem quase metade do mundo presente na Olimpíada de 1980, os soviéticos surpreendem o mundo e eternizam o ursinho Misha. E, antes de a URSS cair, deu tempo de darem o troco no Brasil por 1958 com o bicampeonato olímpico em Seul.
Moscou andava a mil por hora em 1980. Para receber a primeira edição das Olimpíadas no Leste Europeu, os grandes parques da cidade foram complemente limpos e, como estratégia de se vender como uma cidade segura e familiar, o Partido Comunista determinou que os criminosos e as prostitutas da cidade fossem para trás das grades enquanto o evento acontecesse.
Os soviéticos não esperavam uma quantidade imensa de estrangeiros, muito por conta do boicote liderado pelos EUA contra os Jogos. Os americanos, que já não simpatizavam muito com a ideia de competir nas terras do maior inimigo, se convenceram de vez a não ir em 1979, quando a União Soviética invadiu o Afeganistão, país aliado do bloco capitalista. Era a desculpa perfeita e, com eles, mais 64 países disseram: não, pra Moscou a gente não vai.
Com risco de ter uma Olimpíada esvaziada e que perdesse importância, os homens do Kremlin, trancados em seus muros vermelhos, sediaram um evento impecável, com a participação de 80 países, e mesmo sendo o menor número desde a edição de Melbourne, em 1956, os Jogos na União Soviética foram uma grande surpresa e que não se apaga da memória, especialmente por um personagem na cerimônia de encerramento: o ursinho Misha.
Uma lágrima para a eternidade
Além da organização primorosa, a delegação da URSS venceu de lavada as Olimpíadas, com 185 medalhas conquistadas, mas não pode esfregar na cara do comitê olímpico americano. Só que, como o mundo já vivia o crescimento rápido dos meios de comunicação, o Estado soviético, um expert em usar o sistema de propaganda por meio do esporte, enviou um presente televisivo lá para New York.
Em um estádio Lênin lotado, o ursinho Misha, que conquistou o mundo pelo carisma, derrubou uma lágrima, formada por um enorme mosaico, e até os dias de hoje, até muitas pessoas que não viveram aquele momento em 2 de agosto de 1980, falam do simpático ursinho, que ainda hoje é considerada a mascote número 1 em Olimpíadas modernas. Ou você se lembra da mascote dos jogos seguintes, em Los Angeles, com algum carinho nostálgico? Muitos até nem se recordam que a águia Sam virou um bichinho de pelúcia.
É ouro, mas começou a enferrujar
Por mais segura que fosse a estrutura exibida pela URSS aos olhos do mundo, muitas rachaduras começaram a aparecer desde os anos 1970, e o esporte não passaria ileso. Com as transformações políticas e a subida de Mikhail Gorbachev ao posto de secretário geral do Partido Comunista, em 1985, e a aprovação das leis da Glasnost, que trouxe mais transparência política, e a Perestrioka, que passou a abrir a economia soviética ao capitalismo, a superpotência esportiva começou a minguar.
Em 1988, a seleção local de futebol aproveitou pela última vez o fato de ter à disposição os melhores jogadores das 15 repúblicas, e deu um troco, de leve, no Brasil, ao conquistar o bicampeonato olímpico em Seul, por 2 a 1. O Brasil, que até então nunca havia conquistado o ouro olímpico no futebol, viu os soviéticos darem um último respiro em competições internacionais.
A União Soviética saiu da vizinha Coréia do Sul como campeã olímpica e, ao chegar em casa, viu que a coisa não andava muito boa. Os atletas soviéticos, cada vez mais em contato com o mundo exterior, passaram a exigir premiações por suas conquistas e queriam ser eles as estrelas, não o Estado. As mulheres também queriam ter mais espaço em modalidades que os camaradas não as permitiam competir, como o futebol, o hóquei no gelo e o judô – e só em 1987 foi disputado o primeiro campeonato feminino de futebol.
A situação dos deficientes era ainda pior. Eles queriam mais visibilidade no esporte, mas, em Moscou, o coração da URSS, não havia incentivo nem equipamentos esportivos adaptados para que eles pudessem treinar. Só em 1988 aconteceu o primeiro evento paraolímpico soviético, em Tallin, capital da Estônia, e reuniu uma grande quantidade de ex-combatentes da Guerra do Afeganistão.
O Urso vermelho cambaleava e, se não fosse o suficiente, era acusado de andar dopado de algo que os dirigentes do Partido “condenavam” e diziam ser coisa dos capitalistas. E assim a URSS entrou nos anos 1990. Esta história fica para uma próxima.